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Fotógrafo causa polêmica na internet mostrando os bastidores de bailes funk no Rio de Janeiro

Fotógrafo causa polêmica na internet mostrando os bastidores de bailes funk no Rio de Janeiro

Vincent Rosenblatt retratou, em fotos, o comportamento e a sensualidade dos frequentadores

Publicado em 28 de julho de 2014 às 15:57

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Ele conheceu o Brasil através de um intercâmbio da Escola Nacional Superior das Belas Artes de Paris com a Fundação Armando Alvares Penteado de São Paulo (Faap). Era para o fotógrafo Vincent Rosenblatt ficar três meses no país, mas acabou prolongando a primeira viagem para nove meses.

Interessado pelo universo brasileiro, em especial pelas favelas do Rio de Janeiro, ele voltou outras vezes e há 12 anos escolheu morar no Brasil. Nas últimas semanas, as fotos de Vincent, mostrando os bastidores dos bailes funk cariocas - como a sensualidade e o comportamento dos frequentadores -, ganharam destaque nas redes sociais. Elogiado por parte dos internautas e criticado por outra parcela, em entrevista ao Gazeta Online, ele conta como surgiu o interesse pelo tema e a experiência de conviver tão de perto com uma realidade pouco conhecida por grande parte da sociedade. 

Você fez uma exposição com as suas imagens?

O acervo não para de se enriquecer com novas imagens, mês após mês, ao longo dos anos. Fiz uma primeira exposição no Instituto Oi Futuro, no Rio, em 2006, onde também organizei mesas-redondas e encontros sobre “Funk e 

liberdade de expressão”, com a participação dos mais importantes MCs e DJs. Em 2011, fiz uma exposição na Maison Européenne de la Photographie, um

De onde surgiu o seu interesse pelos bailes?

Surgiu progressivamente. Quando dava aula para jovens fotógrafos do Morro Santa Marta eu já passava perto do baile. Eu morava em Santa Teresa e dava para ouvir os graves da equipe de som no baile do Morro Santo Amaro, abalando e fazendo tremer até os prédios, do outro lado do vale. E as letras dos funks eram muito fortes, sejam sexuais ou guerreiras, os “proibidões”. Esse tremor vindo do baile soava como “trombetas de Jericó” contemporâneas, uma verdade muito crua, que abala a cidade, sua consciência burguesa e a sua hipocrisia. Comprei um CD do Mr. Catra, chamado "O Fiel". Isso foi por volta de 2005. Esse CD era um verdadeiro guia de sobrevivência do trânsito entre a favela e o asfalto, os mandamentos valem até hoje. Não resisti e caí de paraquedas na porta de um baile funk na Zona Oeste, "O Castelo", na favela de Rio das Pedras. Peguei um táxi e fui para lá. Por sorte, os donos do baile me autorizaram a fotografar e encontrei algo que viria a me ocupar por muito tempo. Em seguida, “descobri” o Baile do Boqueirão, perto do Aeroporto Santos Dumont, perto também de onde eu morava. Na interseção estratégica do Centro com a Zona Sul, em meados dos anos 2000, o Baile do Boqueirão era uma plataforma de comunicação entre funkeiros do “asfalto” e das favelas das zonas Norte e Sul. Proprietário da equipe de som “Curtisom Rio” e organizador do baile nas noites de sábado, Reginaldo Hermínio, recebia todos os MCs, bondes de dançarinos e outras equipes de som vindos do Rio de Janeiro inteiro para mostrar a exuberância da cena. Quando a polícia proibia ou invadia os bailes nas favelas próximas, o refúgio seguro e a trincheira dos funkeiros era o Boqueirão do Passeio. Quando parou, toda uma juventude urbana ficou sem se encontrar e sem dançar. Foi lá que conheci muitos MCs, DJs e bonde de dançarinos. Essas pessoas que me convidaram para ir em suas respectivas favelas.

O que você viu que mais chamou a sua atenção?

O funk é maior que a soma dos seus componentes. O que está em jogo vai muito além da música, de festa e do entretenimento. Num baile de comunidade, de favela, no seu auge, cada um tem uma função, do frequentador ao DJ, como num teatro coletivo, onde cada um interpreta o seu papel, sendo atravessada por conflitos, alianças, rivalidades, solidariedades e também muita opressão. É como se Shakespeare estivesse sendo reinterpretado à cada final de semana. Amor e guerra, sexo e traições, batalhas épicas, jogos de poderes. A quadra do baile é como a assembleia da Grécia antiga, a Ágora, onde todos os acontecimentos estão em pauta, cantados e dançados em coro, como no teatro dos primórdios. Começando timidamente a encher pela 1h da manhã, um bom baile de comunidade atinge o seu auge pelas 3h, 4h, até chegar numa catarse coletiva. Um morro ou uma favela se expressa ali na sua diversidade através da dança, dos estilos, dos raps, e recebe “comitivas” de outras favelas, de outros polos de poder, solidariedade e de cultura, como frequentadores do asfalto, se o baile tiver fama suficiente. Ali se tecem muito mais que encontros efêmeros. Os bailes de clube, de asfalto, usam ou usavam os bailes de favela como referência e espelho inspirador, uma música para vencer no mundo funk, tem que pegar primeiro na favela, obter ali a sua base popular. Se os bailes de favela param, os bailes de asfalto padecem também.

As pessoas não se incomodavam ao virem você as fotografando tão de perto?

Como você fazia para ter trânsito livre dentro da comunidade?

Cada comunidade tem seus DJs, MCs, produtores culturais, organizadores de bailes, que gozam de independência e da confiança até do "movimento" (tráfico). O que esses protagonistas da cultura local fizeram foi apostar a vida deles no fato que podiam confiar em meu genuíno interesse em mostrar esse povo funkeiro, que luta para poder continuar a desenvolver a sua cultura, que sobrevive entre a presença do tráfico de um lado e do outro a repressão da polícia, e a rejeição de uma grande parte da sociedade. Afinal é muito mais difícil obter a autorização de fotografar num shopping center ou num condomínio de luxo do que numa favela carioca. O funk me interessa é o que ultrapassa as fronteiras do que é legal dizer, quando acrescenta limites do que temos direito de expressar. Ele trabalha na ponta extrema do espectro da liberdade de expressão. Está sempre no limite, seja guerreiro, político ou pornográfico. Acredito que isso tem também a ver com a função da fotografia, que deve buscar ampliar o espectro do “domínio do visível”. O que temos direito de fotografar, o que tornamos tema digno de registro e interesse?

O baile funk é muito relacionado ao uso de drogas e à violência. Como você vê essas questões?

Já passou por alguma situação embaraçosa?

Eu pude viver, como "turista", o que os moradores das favelas e os funkeiros vivem na pele desde criança: invasões da polícia para reprimir os bailes, destruir as equipes de som, bater em inocente. Isso acontece todo final de semana em algum baile. Aconteceu ontem (a noite do 27 de julho), no Baile da Galinha na Zona Norte. Eu presenciei duas vezes, em 2009, no Morro do Chapadão e no Baile da Chatuba, a entrada do caveirão (carro da polícia) por motivos torpes (como propina que não foi paga ou simples desejo de destruição e castigo). Lembro do grito dos traficantes: “Vamos meter o pé, ninguém vai trocar tiro com polícia, aqui está cheio de crianças”. Assim o público do baile ficou refém das humilhações, rajadas de balas vindo da PM estalando a poucos metros, de nós, bombas de gás, choro e terror vividos pelos jovens, e o barulho terrível do blindado se jogando contra a equipe de som para derrubar e quebrá-la. Roubaram também a mesa do DJ. Quer dizer, quem quer curtir um baile de favela, arrisca a vida, e isso demostra a importância visceral do funk para a identidade da juventude das favelas, da periferia. Importante ressaltar que esses abusos de poder acontecem além dos bailes, todos os dias os jornais carregam notícias desta guerra contra os jovens pobres, negros, moradores de favelas...

De 2005 a 2014, o que mais mudou no funk carioca?

Como estão os bailes após a pacificação?

A entrada das UPPs, a partir de 2008, em vez de libertar os empreendedores da cultura e da música criado nas favelas, tirando o estigma do tráfico, coloca na mão do comandante militar local a decisão sobre qual tipo de evento pode acontecer ou não na favela. Fora uns poucos casos particulares, a verdadeira face da pacificação foi transformar as favelas em dormitórios, onde o povo não tem mais o direito de ouvir suas músicas e fazer suas festas. O que custava colocar alguns poucos policiais e deixar o baile rolar? É mais uma oportunidade perdida do Estado em relação à cultura local e à política cultural da favela. O cúmulo do absurdo é você ir em uma boate da elite de Ipanema, Copacabana ou Barra da Tijuca e tocarem os funks e os mais fortes dos “proibidões”. Na favela, onde tudo nasceu, a juventude vive em silêncio quase total e precarização econômica – um verdadeiro apartheid cultural. Porém o funk resiste, seja na internet, no Youtube, nas rádios comunitárias, nos espaços fora de alcance das UPPs e mesmo em áreas dominadas por milícias, onde têm bailes consolidados.

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Para você, o que era o funk antes de frequentar os bailes e depois dessa experiência?

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