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Láureas à tortura, nunca mais

Confira a coluna Praça Oito publicada nesta segunda-feira em A GAZETA


Nascida em 1949, Laura Coutinho cresceu no Ibes, bairro operário de Vila Velha. Filha de um caixeiro-viajante e de uma professora primária, foi criada em uma família pobre, mas com mentalidade democrática aguçada. Talvez por isso, ainda muito moça, ela tenha se aproximado dos movimentos sociais, por intermédio da Igreja – então um dos poucos focos de resistência ao regime militar e no seio da qual germinavam as Comunidades Eclesiais de Base. “Eu ainda tinha uma visão muito romântica, de corrigir as injustiças sociais. Não tinha a consciência política do que realmente ocorria no país”, conta a própria Laura.

No grupo de jovens do qual ela fazia parte, havia alguns comunistas infiltrados, buscando atrair novos quadros. Desse improvável encontro entre cristianismo e marxismo nasceu o primeiro casamento de Laura, com o também jovem João Amorim Coutinho, estudante da Fafi e integrante da Ala Vermelha – dissidência do PCdoB que pregava a “conscientização do proletariado”. Em 1969, logo após a promulgação do AI-5, Laura foi morar com João e, enquanto cursava Odontologia na Ufes, ingressou na mesma facção política, foi acumulando leitura e se envolvendo nas atividades do grupo.

A identificação com a causa da conscientização popular era tal que o casal celebrou sua união em Porto de Santana, “porque era um bairro que evidenciava o crescimento desordenado”, conta Laura. No convite de casamento, além de menção ao massacre de Biafra, o texto dizia que as bodas seriam realizadas “onde a miséria aportou e a felicidade abortou”. A jovem mal podia suspeitar que a metáfora do aborto seria tristemente concretizada em sua própria vida pouco tempo depois.

Em 1971, o governo desmantelou as organizações clandestinas de esquerda no Brasil inteiro, a partir de agentes infiltrados entre os estudantes. Em São Paulo, segundo Laura, um membro do comitê central da Ala Vermelha – “Calabarba” viraria sua alcunha – entregou nomes em profusão, inclusive a célula completa do ES. A polícia então bateu no porão que ela dividia com João em Vila Batista.

Eles e outros sete militantes (todos homens) foram levados a prestar esclarecimentos no 3º Batalhão de Caçadores (atual 38º BI), onde Laura, grávida de dois meses e meio, foi poupada da tortura, mas não de ouvir os demais sendo seviciados. De lá, foram todos transportados num avião da FAB e entregues “aos cuidados” da sigilosa Operação Bandeirantes. Então, Laura conheceu a face mais sinistra da repressão, submetida a contínuas sessões de tortura, muitas delas ante os olhos do marido. Foi usada para que este delatasse certo companheiro.

Assim que chegaram, Laura informara que estava grávida e, por isso, fora levada a um hospital para fazer um exame que atestasse o seu estado. A confirmação não impediu que ela sofresse as piores violências nas mãos dos “sádicos torturadores”, como os define. “Exercitavam toda sorte de crueldade. Muitas vezes batiam não só para extrair alguma coisa.” No seu caso, o martírio incluiu sessões de choque, palmatória e pau de arara. “Não sei quanto durou. Perdi a noção do tempo. Mas, ao voltar engatinhando para a cela, acabei abortando o meu filho.”

Após meses de prisão em prisão, Laura e os demais foram enfim libertados. Mas, segundo ela, foi aí que começou o pior suplício: as discriminações sociais de toda ordem. “As pessoas te evitavam, se levantavam no RU como se você fosse um leproso. Não pude assumir como dentista num concurso do INSS. A segregação foi muito intensa.” Hoje, porém, não se arrepende de nada. “Não podia ser de outra forma. Tínhamos mesmo que fazer tudo isso. E faria tudo de novo.”

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Sabe o sindicalista Zivan Tavares, suspeito de fundar sindicatos-fantasma para recolher dinheiro irregularmente, como mostrou A GAZETA neste domingo?

É coordenador do PSDB Sindical no Estado.

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