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Qual é a música?

Confira a coluna Praça Oito desta sexta-feira, 20 de maio


No agradável fim de tarde desta quinta-feira, um destacamento de prefeitos vindos de todas as partes do Estado atravessou a pé a Praça João Clímaco e teve a honra de conhecer por dentro a Casa da Música, a convite do governador Paulo Hartung. Iniciada há três anos e prestes a ser inaugurada, a obra de restauração dá nova finalidade ao antigo prédio da Assembleia Legislativa, que passará a abrigar apresentações musicais.

Mas foi do outro lado da praça, minutos antes, que os ouvidos dos prefeitos receberam a música que queriam mesmo ouvir, executada pelo regente PH, no gabinete do governador: ajuda financeira salvadora assegurada pelo governo do Estado, por meio da sanção de um projeto de lei que altera a destinação de outro patrimônio do Estado: os royalties advindos da produção de petróleo e gás.

Solução emergencial e válida só para este ano, a boia de salvação atirada por Hartung desvirtua uma vez mais o fim específico do Fundo para a Redução das Desigualdades Regionais, que deveria ser sagrado. Originalmente, os recursos do Fundo, formado com dinheiro dos royalties e criado por Hartung em passagem anterior pelo Palácio, deveriam ser usados exclusivamente em investimentos sociais. Mas, com o projeto do governo, os prefeitos poderão usar até 60% da sua cota para cobrir gastos correntes de custeio.

Além de ser medida paliativa, há, por assim dizer, uma "questão de fundo": o socorro tende a reforçar a relação de dependência e gratidão política dos prefeitos para com o governo estadual. E isso em pleno ano eleitoral. Afinal, o último ano de gestão é também, para muitos, o momento de voltar a encarar as urnas.

Na medida em que favorece prefeitos que não tomaram as precauções e providências necessárias a fim de "organizar a casa" - como ele mesmo gosta de dizer -, Hartung passa a lição temerária de que seu governo estará sempre ali, pronto a aliviar a barra e a fazer concessões àqueles que não tenham feito o dever de casa. Pode levá-los a certo comodismo e encorajar a negligência e a insistência em erros de gestão - afinal, se o negócio voltar a apertar, poderão sempre contar com a mãozinha amiga do Palácio...

Um fato talvez pouco lembrado reforça tal análise: esta na verdade não é a primeira, mas a segunda vez seguida que o governo presenteia os prefeitos com projeto do tipo. Em maio de 2015, PH fez exatamente a mesma coisa, sancionando lei que flexibilizou a aplicação dos royalties repassados aos municípios até o fim daquele exercício. Com uma diferença, porém: em 2015, a prefeitada pôde gastar até 50% dos repasses com despesas de custeio; agora, o refresco é ainda maior.

Com o pires devidamente preenchido, os prefeitos saíram de lá exultantes. Mas o mérito do projeto é ambivalente: por um lado, concede um alívio obviamente bem-vindo aos gestores municipais, ajudando-os a fechar as contas em dia; por outro, transmite ao mundo político e à sociedade capixaba uma mensagem ruim, com efeito pedagógico equivocado e, acima de tudo, contraditório em relação ao refrão da responsabilidade fiscal, tocado à exaustão por Hartung desde 2014.

Bom lembrar o quanto ele bateu e ainda bate (inclusive ontem) na tecla de que um dos erros de Casagrande foi ter usado recursos de royalties do Estado para cobrir despesas correntes em vez de fazer investimentos. E o "efeito antipedagógico" é justamente o argumento da secretária da Fazenda, Ana Paula Vescovi, ao justificar por que o governo não lança um novo Refis: pode passar a mensagem errada e estimular a inadimplência.

Em síntese, a reedição dessa medida por parte do governo estadual desafina do discurso do seu próprio maestro.

Visão de Hartung

Questionado pela coluna sobre a possível mensagem errada transmitida com o projeto do governo que alivia as contas de prefeitos (mesmo os que não se preveniram contra a crise), Hartung disse concordar que melhor seria manter a finalidade original da verba de royalties - específica para investimentos sociais -, mas relativizou diante da conjuntura.

Filosofia

"A pergunta reforça todo o debate que tivemos na elaboração da lei que criou o Fundo (em 2006). Fixamos todo o recurso para investimentos. Estruturamos o Fundo com essa filosofia e é ela que deve prevalecer. Agora, tem hora que você precisa abrir alguma válvula de escape para poder atravessar o momento. É o que estamos fazendo aqui. É por isso que estamos fazendo temporariamente, para que, a partir do encerramento deste exercício, o dinheiro volte a ser alocado na sua totalidade em investimentos."

Por que será?

O governador preferiu não se manifestar sobre a possível saída do PT da sua administração: "Esse tema não está em discussão no nosso governo". Questionado sobre as declarações do deputado federal Givaldo Vieira - favorável ao desembarque por considerar que o PMDB de Hartung no Estado é "cúmplice do golpe" -, o governador foi de sutil ironia: "Eu soube que ele parou de falar..."

Mais presentes?

O prefeito de Guarapari, Orly Gomes (PDT), saiu do gabinete de Hartung vibrando após a reunião: "Hoje aqui só teve presentes!" Era só piada. O prefeito explicou à coluna que alguns até arriscaram pedidos específicos ao governador, mas a resposta foi a mesma para todos: "Só negativas. Disse que o governo já tem um planejamento e que pedidos pessoais estão acima da capacidade".

Cena política

No ato de entrega da escritura do terreno da Prefeitura de Cariacica para o governo do Estado na última segunda-feira, no gabinete do governador PH, estavam presentes três deputados do município: Janete de Sá, Euclério Sampaio e Marcelo Santos. Janete falou em nome dos três, mas, ao fim da fala da deputada, Hartung provocou: "Para não ter problema de gênero, vocês dois não querem escolher um representante masculino para falar também?" Os dois se entreolharam, e Marcelo acabou discursando.

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