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Espírito Santo tem mais de 50 mil alunos fora da sala de aula

Espírito Santo tem mais de 50 mil alunos fora da sala de aula

O problema maior é na faixa etária dos 15 aos 17 anos

Publicado em 11 de março de 2018 às 00:19

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Giovanilson Pereira, 17 anos, parou de estudar no 7º ano do Ensino Fundamental. (Marcelo Prest | GZ)

As constantes mudanças de cidade, a morte do pai, a perda do histórico acadêmico. A escola também não era atrativa, ainda mais quando, já adolescente, dividia a sala de aula com crianças. Essa é a realidade de Giovanilson Pereira Lima, 17, que parou de estudar no 7º ano do ensino fundamental. Ele traduz um triste quadro do Espírito Santo, que aparece em primeiro lugar no Sudeste no ranking de crianças e adolescentes fora da escola, na faixa de 4 a 17 anos. São mais de 50 mil meninos e meninas sem acesso à educação.

Os dados foram recém-divulgados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), com base em um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2015.

“O Brasil tem, em média, 6,3% da população abaixo de 17 anos fora da escola, incluindo as crianças de 4 e 5 anos que já deveriam estar 100% na escola. O índice é igual no Espírito Santo, onde o problema maior concentra-se na faixa etária dos 15 aos 17. São quase 30 mil adolescentes sem estudar”, ressalta Ítalo Dutra, chefe de Educação do Unicef no país.

O número representa 16% da população dessa idade, índice superior ao de São Paulo (13,9%), Minas Gerais (12,9%) e Rio de Janeiro (10,7%).

Para a professora Eliza Bartolozzi Ferreira, do Departamento de Educação, Política e Sociedade da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), diversos fatores contribuem para tantas crianças e adolescentes estarem longe dos bancos escolares. Um deles é a falta de atratividade da escola e de perspectiva que o ensino possa mudar suas vidas.

E é exatamente esse o sentimento de Giovanilson Lima. “Eu desanimei. Achei que a escola não estava me ajudando. Este ano eu até pensei em voltar, mas minha mãe não conseguiu vaga pra mim”, afirma.

Questionado se pensava no que fazer do futuro, Giovanilson disse não ter muitos planos. “Já tinha pensado em fazer Direito, mas soube que preciso estudar muito até chegar lá. Não sei se vai dar. Eu sempre quis mesmo ser do Exército”, conta o jovem.

A professora Eliza Bartolazzi, também coordenadora do programa de pós-graduação em Educação da Ufes, avalia que algumas políticas educacionais do Estado, como o fechamento de unidades escolares no interior, e a implantação do tempo integral podem agravar a situação.

“Com as turmas fechadas, para muitos alunos a escola ficou distante e eles estão deixando de estudar. Já o tempo integral é para um público muito pequeno. Os jovens das classes populares precisam trabalhar e estudar”, observa.

MENINOS NEGROS E POBRES SÃO MAIORIA

No Espírito Santo, o perfil das crianças e adolescentes fora da escola revela o retrato da exclusão. A maioria é negra, do sexo masculino e tem renda média domiciliar de até meio salário mínimo (R$ 477). Mas o problema afeta a todos: pretos e brancos, da zona rural ou urbana, meninas e meninos.

Para combater a exclusão, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) lançou o Busca Ativa Escolar, uma plataforma para ajudar estados e municípios a resgatar quem está fora da escola. “É necessário que todos se mobilizem porque há um número muito grande de crianças e adolescentes que abandonaram a escola, ou mesmo que nunca foram. Por isso, é preciso uma busca ativa porque tem gente que nunca vai procurar a escola”, observa Ítalo Dutra, chefe de Educação do Unicef no Brasil. Mais informações podem ser obtidas no endereço www.buscaativaescolar.org.br

Ítalo Dutra, chefe de Educação do Unicef: "Tem um número muito grande que não vai procurar a escola...que já abandonou ou nunca foi". (Gilberto Pereira - UFU)

Secretária-executiva da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) no Espírito Santo, Elania Valéria Monteiro Sardinha conta que a entidade tem acompanhado e orientado os municípios capixabas para o atendimento à meta 1 do Plano Nacional de Educação (PNE), que é a universalização do acesso das crianças de 4 e 5 anos à escola.

Outra preocupação é justamente com o abandono e, nesse contexto, a entidade está se mobilizando para que as prefeituras façam a adesão ao Busca Ativa. Em maio, segundo Elania Sardinha, a Undime vai promover um fórum e um representante do Unicef estará presente para orientar os participantes.

CAUSAS DE ABANDONO E EVASÃO

Acesso limitado - Escolas distantes, falta de vagas e dificuldades com o transporte escolar são fatores que comprometem o acesso à educação.

Necessidade especial - Crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência nem sempre encontram na escola o atendimento adequado para os estudos.

Gravidez - A gestação precoce é um fator que desestimula adolescentes a continuar estudando.

Atividades ilegais - O envolvimento na criminalidade, especialmente o uso e tráfico de drogas, afasta os jovens da escola.

Mercado de trabalho - A necessidade de um emprego para ajudar a família influencia jovens a abandonar a escola porque têm dificuldade em conciliar trabalho e estudo.

Pobreza - Por um lado, a falta de recursos impede que o jovem tenha condições mínimas, por exemplo, de alimentação para frequentar a escola. Por outro, ele recebe tarefas que devem ser realizadas em casa e necessitam complementação familiar. Assim, falta de internet e de eletricidade também são impeditivos.

Violência - Na escola, no entorno ou mesmo dentro de casa, a violência compromete o aprendizado e diminui sua frequência escolar.

Déficit de Aprendizagem - Embora possa estar relacionado a dificuldades cognitivas, raramente somente elas o afastam da escola. O contexto sociocultural (escolaridade dos pais, qualidade da escola) pode influenciar.

Significado - A falta de significado prático do currículo e de atratividade da escola levam ao desinteresse de alunos.

Flexibilidade - A falta de sensibilidade às necessidades dos jovens também desestimula o engajamento escolar.

Qualidade - A percepção da baixa qualidade leva muitos jovens a avaliar que estudar não dará resultados práticos em sua vida.

Clima escolar - Sentir-se acolhido, pertencente e motivado incentiva a permanência na escola. Um clima que não proporcione essas sensações afasta os alunos.

Percepção da importância - Uma avaliação equivocada da importância da escola, seja por deficiências da própria instituição, seja por valores familiares, também contribui para o abandono.

Desafios emocionais - Muitas vezes o abandono está relacionado a problemas momentâneos, como uma discussão com professor ou desempenho ruim. Se a situação não é logo identificada e tratada, o aluno deixa a escola.

Fonte: “Políticas públicas para a redução do abandono e evasão escolar de jovens”, do Insper

MUNICÍPIOS DE OLHO NOS FALTOSOS

Nos municípios da Grande Vitória, a estratégia tem sido acompanhar de perto os alunos faltosos para evitar que abandonem a escola. Em alguns casos, o Conselho Tutelar é acionado para que a família se comprometa a manter as crianças e adolescentes estudando.

Na Serra, todas as crianças de 4 e 5 anos estão matriculadas e, além disso, o índice de permanência dos alunos na rede é de 99,7%, ou seja, a evasão é de apenas 0,3%, bem distante dos 6% de 20 anos atrás quando foi implantado o programa Pró-Escola. “Quando o aluno completa quatro faltas, consecutivas ou não, já é um sinal de alerta para a escola e a família é acionada. Se ela não responde e o menino continua faltando, o Conselho Tutelar é comunicado”, conta a secretária Márcia Lamas.

Em Vitória, a universalização foi alcançada em 2015 e o município também trabalha em parceria com o Conselho Tutelar no caso de alunos faltosos. “O grande foco de trabalho hoje é em políticas para minimizar a não aprendizagem para que a gente não tenha reprovação e, por consequência, a evasão”, afirma a secretária Adriana Sperandio.

Vila Velha e Cariacica fazem acompanhamento pedagógico dos alunos para evitar a evasão.

SEDU PROMETE ESFORÇO PARA RECUPERAR ALUNOS 'PERDIDOS'

Os problemas que causam o abandono e a evasão são conhecidos e a Secretaria de Estado da Educação (Sedu) pretende enfrentá-los com uma série de ações na rede. Mas a realidade de cada região exige tratamento diferenciado e é nessa perspectiva que um novo trabalho começou a ser realizado.

Até o final de abril, uma comissão formada por diversos órgãos do governo vai apresentar o diagnóstico das causas da desistência dos alunos. “Teremos uma estratégia específica para cada problema identificado para estancar o abandono e, por consequência, a evasão”, afirma o secretário estadual da Educação, Haroldo Corrêa Rocha.

Ele diz que algumas iniciativas já são realizadas com alunos faltosos e que apresentam baixo rendimento para evitar que abandonem a escola. Uma delas é manter um acompanhamento diferenciado a esse grupo, fazendo contato com a família e também abrindo espaço para o diálogo com o próprio estudante.

Entretanto, a avaliação é que outras medidas precisam ser tomadas para aumentar o engajamento dos jovens com a escola. Assim, o Estado planeja investir em torno de R$ 70 milhões no combate à evasão - 60% de recursos próprios e o restante de financiamento.

Antes mesmo da conclusão do diagnóstico, um dos projetos previstos é a Central de Mídias para flexibilizar o atendimento a jovens que não residem próximos a uma escola e facilitar seu acesso por meio de instalação de TVs em espaços alternativos, com igrejas, pelas quais serão transmitidas as aulas, em tempo real.

ANÁLISE

“Não pode haver um modelo único”

Com relação aos mais novos (4 e 5 anos), as famílias precisam que os municípios coloquem escolas disponíveis para atender a essa faixa etária, e que sejam próximas das residências. Em relação aos adolescentes, a primeira medida é criar políticas de permanência e de acompanhamento para evitar o abandono. Abandonou, é preciso identificar o motivo, ir atrás da família. Também é necessário refletir sobre o ensino que está sendo ofertado. É preciso saber quem são esses jovens se, por exemplo, saíram porque têm que trabalhar. Nesse caso, a escola de tempo integral obrigatória não é uma boa oferta. Por isso, a política educacional tem que conhecer as demandas da comunidade, não pode haver um modelo único, como o que vem sendo implantado no Estado, porque não atende a diversidade da vida desses jovens.

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Cleonara Schwartz | Professora da Ufes

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