Deborah Sabará, 38 anos, transexual, defende a criação de um espaço que possa acolher pessoas transgêneros vítima de transfobia dentro do próprio ambiente familiar
Deborah Sabará, 38 anos, transexual, defende a criação de um espaço que possa acolher pessoas transgêneros vítima de transfobia dentro do próprio ambiente familiar. Crédito: Carlos Alberto Silva

Maioria das pessoas trans ainda fazem programa

Motivo é a dificuldade de inserção de trans no mercado de trabalho formal

Publicado em 18/06/2018 às 19h40
Atualizado em 29/01/2020 às 17h43

Textos: Diná Sanchotene, Guilherme Sillva, Mariana Perim e Siumara Gonçalves

Fotos: Carlos Alberto Silva e arquivo pessoal

O relatório sobre o mapa dos assassinatos desenvolvido pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) e divulgado neste ano aponta que cerca de 90% da população de travestis e transexuais utiliza a prostituição como fonte de renda e “possibilidade de subsistência”, devido à dificuldade de inserção delas no mercado formal de trabalho.

Essa é mais uma das facetas da transfobia, já que, segundo especialistas, a barreira no mercado formal é consequência da deficiência na qualificação profissional, decorrente da exclusão social, familiar e escolar. Ou seja, na maioria dos casos, há um "efeito dominó".

É dentro do cenário da prostituição que está inserida a maior parte dos trans que foi vítimas de assassinato. Em um abismo de vulnerabilidade social, essa parcela da população se vê exposta a agressões físicas e psicológicas, conforme ressalta a secretária de Articulação Política da Antra e autora do relatório, Bruna Benevides.

"Estar na noite, parada em uma esquina, tendo que vender o corpo para sobreviver, é estar de peito aberto para a violência. Essa exclusão de forma precoce do seio familiar se transforma em exclusão social, escolar, e por aí vai", salienta Bruna.

MEDO CONTÍNUO NAS RUAS

A Pesquisa sobre Homens Transexuais, Mulheres Transexuais e Travestis da Região Metropolitana da Grande Vitória, realizada pelo Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), mostra que 28,4% das pessoas entrevistadas trabalham como profissional do sexo ou acompanhante. Outros 27% disseram que têm a função como atividade secundária. Ou seja, reforçam a renda com programas.

Uma travesti que faz programas na Grande Vitória e preferiu não se identificar, com medo da exposição, contou que nunca chegou a ser agredida fisicamente, mas que enfrenta diversos tipos de violência diariamente. Em uma das vezes, chegou a ser assaltada e algemada por um homem que marcou um programa.

"O medo, essa sensação de ameaça o tempo inteiro, é bastante estressante. Às vezes, a gente nem dorme direito, tem que tomar remédio para dormir, porque fica pensando, fica com isso na cabeça", relata.

Além disso, ela enfrenta outras dificuldades no cotidiano. Recentemente, estava procurando uma casa para alugar, mas diz ter encontrado empecilhos.

"Morei por 15 anos no mesmo lugar, me comporto bem, nunca tive problemas. Mas as pessoas têm outra visão sobre travestis. Eu ligo e marco uma visita ao imóvel, tudo bem. Aí, quando chego e veem que sou trans, dizem que já tem outra pessoa interessada na casa, ou até aumentam o valor para eu não alugar", revela.

TRAJETÓRIA DIFÍCIL

Doutora em Crítica Literária pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em São Paulo, a travesti bissexual Amara Moira, de 33 anos, reuniu no livro “E Se Eu Fosse Puta” as experiências, descobertas e situações vividas durante o período em que se prostituiu. Primeiro, os relatos autobiográficos eram publicados em um blog, e depois foram reunidos na publicação impressa. Em entrevista ao jornal A GAZETA, Amara diz que não conseguia voltar da rua e não externar de alguma forma o que enfrentava na rotina.

Além de ficar exposta aos mais diversos tipos de violência, Amara conta que o ambiente hostil já reforça diariamente a ideia de que a vida das pessoas trans vale pouco.

"Tem cliente que oferece R$ 10 a mais para transar sem camisinha. E você tem que saber que ele vai tentar te forçar a isso. Demanda sangue frio, para medir forças e não precisar chamar a polícia, por exemplo, pois no fim sempre sobra para a prostituta, ainda mais se for travesti. A oferta dos R$ 10 a mais diz muito sobre o quanto o cliente acha que nossa vida vale. E essa é a mesma visão da sociedade: a de que valemos pouco".

"O IDEAL SERIA UMA CASA DE ACOLHIMENTO"

"As pessoas passam e veem aquela imagem de uma travesti no poste, na esquina, em pé, e logo vão criticar sem conhecer a história ou o contexto da vida dela". O desabafo é da atual presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos (CEDH) e militante da causa LGBT, Deborah Sabará, que defende a criação de um espaço que possa acolher pessoas transgêneros vítima de transfobia dentro do próprio ambiente familiar.

"A prostituição, para muitas travestis, é o único vínculo de sobrevivência. O ideal seria uma casa governamental onde essas pessoas pudessem ser abrigadas, não pelo resto da vida, mas para criar um vínculo e se estabelecer até poder sair dali. Até mesmo para judicializar os casos necessários. A família não pode colocar um adolescente na rua. Nesses casos, ele é inserido em outro ambiente, exposto ao uso de drogas, por exemplo, e sua sexualidade passa a ser atrelada a isso", destaca Deborah.

Ela ainda ressalta a importância dos investimentos em outras áreas sociais, e a necessidade de informar a população para desconstruir a imagem vulgarizada e criminalizada que cerca a população trans. Para ela, muitas pessoas condenam este recorte da população apenas por não conhecer a realidade vivida.

"Quando defendemos a verba para a cultura, para as escolas de samba, defendemos porque muitas crianças aprendem a tocar instrumentos nessas comunidades, porque muitas travestis podem ter seu primeiro emprego em um barracão... Quando a sociedade não entende que essa questão é um ciclo que começa no ambiente familiar, naturalmente vai empurrar os transgêneros para os guetos".

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