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Mais de R$ 6 milhões são pagos em jetons no Espírito Santo

Mais de R$ 6 milhões são pagos em jetons no Espírito Santo

Membros de conselhos do governo do Estado e suas estatais recebem a gratificação para irem a reuniões

Publicado em 11 de novembro de 2018 às 01:13

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Sede do Bandes, em Vitória: membros do conselho do banco recebem jetons para participar de reuniões. (Cloves Louzada)

Os gastos realizados pelo governo do Estado e suas estatais com jetons a integrantes de conselhos de órgãos públicos alcançou R$ 6,97 milhões no ano de 2017, e deve registrar um valor ainda maior no encerramento de 2018.

Até outubro, já haviam sido destinados R$ 6,78 milhões, e ainda há R$ 1,2 milhão já empenhados, ou seja, autorizados, para esta finalidade. Em 2016, o gasto ficou em R$ 6,48 milhões, o que demonstra uma tendência de crescimento neste tipo de despesa nos últimos anos.

Os jetons são as gratificações pagas a membros de conselhos para participar das reuniões. Entre eles, há secretários de Estado, servidores e também pessoas de fora do governo. A verba é paga como uma indenização, ou seja, de forma extra. O levantamento foi feito pela reportagem com os dados disponíveis no Portal da Transparência.

Os conselhos mais bem remunerados do Estado hoje pagam R$ 7.479,65 por mês a seus integrantes. É o caso dos conselhos do Bandes e o do Banestes.

Há outros que pagam por cada reunião realizada, e que por ter uma demanda maior, podem realizar até 12 encontros por mês, como o Conselho Estadual de Recursos Fiscais, ligado à Secretaria da Fazenda, que paga jetons de R$ 687,25 por reunião. Graças a este benefício, um único servidor embolsou R$ 81.781,56 este ano.

Outro destaque é o Detran, órgão que possui o maior número de pessoas que recebem jetom: 145 no total, este ano. Cada reunião do Conselho de Administração do Detran custa R$ 1.472,67, e há ainda pagamentos em patamares inferiores, como o pela participação no Conselho Estadual de Trânsito ou na Junta Administrativa de Recurso de Infrações (Jari). Ao todo, só com jetons do Detran, já houve um gasto de R$ 2,1 milhões este ano.

PANORAMA

Há ao menos 324 integrantes de conselhos ou de grupos similares recebendo jetons atualmente. Nos conselhos de administração e nos conselhos fiscais, muitos secretários e diretores de autarquias e estatais estão entre os beneficiados, por serem membros natos do órgão, ou seja, a própria configuração do conselho determina a participação.

Os conselhos administrativos têm atribuições de estabelecer diretrizes estratégicas e acompanhar a execução de programas. Já os conselhos fiscais devem supervisionar a gestão e analisar balancetes financeiros.

Como o jetom não integra o salário, não conta como gasto com pessoal, e sim como custeio para o governo. Portanto, não impacta na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Para o servidor não incide qualquer tipo de desconto, como Imposto de Renda, Previdência ou abate-teto, o que faz com que, na prática, seja uma forma de elevar os rendimentos desses funcionários.

Há secretários que acumulam mais de um jetom, como é o caso do secretário estadual de Transportes e Obras Públicas, Paulo Ruy Carnelli, que recebe, além do salário, adicionais pelos conselhos da Cesan e da Ceturb, e do subsecretário da Transparência, Ricardo Monteiro, que ganha pela Ceturb e Codesa.

No Portal da Transparência, o governo divulga de forma discriminada somente os jetons pagos aos conselhos dos órgãos da administração direta, ou seja, das secretarias e autarquias. Esses são pagos com recursos da receita do Estado.

Quanto aos jetons pagos para conselhos de estatais – empresas públicas e sociedades de economia mista – como o Banestes e a Cesan, por exemplo, não são disponibilizadas planilhas de pagamento. O cálculo foi feito pela reportagem considerando o valor pago mensal a cada um dos membros.

O OUTRO LADO

A subsecretária de Interlocução Institucional do governo, Maria Ivonete Thiebaut, destacou que além dos 20 conselhos que recebem jetom no Estado, há mais de 40 que não são remunerados. Segundo ela, é preciso haver a comprovação da presença na reunião para receber o adicional, e se um membro falta, não é pago.

Quanto ao aumento crescente deste tipo de gasto, ela atribui à legislação. "O valor de cada jetom é estabelecido pela lei que cria os conselhos. Na maioria dos casos, é por VRTE (Valor de Referência do Tesouro Estadual). Como ele é reajustado todo ano, os jetons também aumentam", explicou.

REMUNERAÇÃO

Maria Ivonete também defende a necessidade de uma remuneração extra pela participação nos conselhos. “Os órgãos precisam ter uma estrutura que garanta a representatividade da sociedade. Para entrar, em muitos casos, passa-se por um processo complexo de seleção, a pessoa fica com restrições financeiras, é preciso ter um perfil técnico e compatível com o que a lei exige. E estar em um conselho gera a responsabilização pelas decisões", argumentou.

Sem fiscalização, pagamento se transforma em caixa-preta

Os altos valores pagos em jetons aos membros de conselhos do Estado e a pouca transparência nos dados, que ainda poderiam ter maior clareza, são os principais problemas que ainda cercam este tipo de benefício, na avaliação de especialistas da área de gestão pública.

Gil Castello Branco é secretário-geral da ONG Contas Abertas. (Acervo/Gil Castello Branco)

Os jetons são pagos por toda a parte do país: em conselhos de prefeituras, Estados, e, principalmente pela União, que só nas estatais, possui 148.

O especialista em Contabilidade e Controladoria Governamental, João Eudes, destaca que os conselhos são importantes instrumentos de consolidação da democracia representativa e de controle de políticas públicas, no entanto é preciso avaliar se o resultado que estão entregando é compatível com esse alto custo.

"Se não houver nenhum tipo de benefício extra, muitos não se interessam em ficar, pois é um trabalho a mais. Mas considero que no caso de secretários e determinados cargos de chefia, isto já deveria estar incluído nas suas atribuições. Esses benefícios só mostram a necessidade de se criar novos mecanismos legais para atrair quadros qualificados ao setor público", afirmou.

Para Eudes, a sociedade precisa estar atenta à forma de ocupação dos conselhos e pagamentos de jetons, pois se não há fiscalização, o gasto se transforma em uma caixa-preta.

"Há muitos conselhos que só assinam, e pouco contribuem. Somente com reuniões mensais, avançam pouco naquilo que já está estabelecido. Alguns ainda são usados somente para beneficiar pessoas do grupo político do governo, ou seja, são pessoas que dificilmente vão apresentar críticas ou fiscalizar com afinco aquilo que está sendo feito", disse.

O secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, acrescenta que a existência desses organismos na administração pública é para que não haja um corporativismo pleno dentro da própria estrutura da estatal.

"Que haja uma oxigenação externa, para que se tenham pessoas de origens diferentes, de outros setores, e que possam de alguma maneira contribuir para o funcionamento do órgão. Na prática, o que vemos é que da forma como as remunerações são, elas acabam servindo como uma complementação salarial para muitos. São remunerações muito generosas", declarou.

Segundo ele, na esfera federal há o pagamento de jetons da ordem de R$ 40 mil, pelo comparecimento em uma única reunião mensal.

CONTEXTO

Diz-se que a justificativa para os altos valores seja para atrair quadros renomados do setor privado. Mas Castello Branco pontua que, em muitos casos, e como mostrou-se na Petrobras, "há muito bônus e pouco ônus".

No episódio emblemático da compra da refinaria de Pasadena pela Petrobras, em 2006, o Conselho de Administração da Petrobras, presidido na época por Dilma Rousseff (PT), ficou isento de qualquer responsabilidade pelo Tribunal de Contas da União (TCU), mesmo tendo sido um negócio fracassado.

Um avanço nesse quesito foi a nova Lei das Estatais, de 2016, que estabelece requisitos específicos para a nomeação de membros dos conselhos.

No aspecto da transparência, Castello Branco aponta que apesar de os jetons serem verbas indenizatórias e não comporem o salário, poderiam ser divulgadas de forma conjunta à remuneração dos servidores, a exemplo do que ocorre com o auxílio-moradia pago a membros do Judiciário, por exemplo.

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"A sociedade tem que saber quem está recebendo o quê. É ela quem está pagando", frisou.

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