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Trabalhadores do ES entram na Justiça para ter benefício do INSS de volta

Trabalhadores do ES entram na Justiça para ter benefício do INSS de volta

Trabalhadores tentam reverter cortes feitos pelo governo federal

Publicado em 10 de dezembro de 2018 às 00:04

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Efeitos do pente-fino. (Amarildo)

Iniciado em 2016, o pente-fino do governo federal cortou milhares de benefícios previdenciários até aqui. Só no Espírito Santo, foram realizadas 16.073 perícias de revisão que cessaram mais de 8,4 mil auxílios-doença e aposentadorias por invalidez, segundo números do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), o que mostra que mais da metade dos benefícios analisados no Estado foram cortados.

Se por um lado o governo alega o fim da necessidade de continuidade do benefício e justifica a medida na necessidade de corte de gastos, por outro, inúmeros segurados capixabas que eram beneficiários dos pagamentos se dizem injustiçados com a medida e estão recorrendo à Justiça para reverter a situação.

Esse é o caso de um trabalhador da Serra de 39 anos que pediu para não ser identificado, que desde 2004 estava aposentado por invalidez após determinação judicial em função do diagnóstico de uma doença rara que causa desmaios e dores recorrentes. Em junho deste ano, ele teve o pagamento bloqueado e foi convocado a passar pela perícia. Ele foi, levou os exames e laudos que comprovam a patologia, mas depois a notícia foi ainda pior: a de que seu benefício foi cessado.

“Eles falaram que foi suspendido porque eu estaria apto ao trabalho, mas isso é sem lógica. Tenho um problema de saúde grave, antigo, que me faz tomar cinco remédios controlados por dia. Por causa disso minha rotina é quase só dormir. Como vou trabalhar assim?”, indaga o segurado, que antes trabalhava como auxiliar de almoxarifado. Agora, ele deposita as esperanças na Justiça. “Estou confiando que a justiça vai ser feita, porque minha situação é dramática. Se não fosse minha família me ajudando não sei o que iria arrumar”.

CORRIDA

Assim como para Everaldo, a Justiça tem se tornado a última esperança de várias pessoas que tiveram o benefício cortado. Como as suspensões tem crescido e revertê-las administrativamente junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é quase impossível, segundo especialistas, uma verdadeira corrida aos Juizados Especiais Previdenciários da Justiça Federal tem sido vista no Estado.

Em quatro anos, o número de processos em matéria previdenciária nos Juizados Especiais Federais de Vitória praticamente dobrou, de 4.888 em 2014 para 9.254 neste ano (até o início de dezembro). De acordo com o juiz federal Rogério Moreira Alves, titular do 3º Juizado Especial Federal - Previdenciário, a operação pente-fino vem contribuindo para elevar o volume de processos novos desde 2017 em cerca de 25%.

“A operação começou em 2016 e o impacto no Judiciário começou a ser sentido em 2017. Isso tem contribuído para um aumento da demanda que, entre outras coisas, vem acarretando mais demora na conclusão dos processos judiciais”, afirma o magistrado.

Um desses processos é de um aposentado por invalidez de 59 anos. Ele tem glaucoma e, por isso, perdeu a visão do olho direito e enxerga quase nada pelo esquerdo. O segurado foi chamado para a perícia, levou os exames e laudos que mostraram que sua situação tinha piorado com o tempo. Apesar disso, ele teve o valor do benefício reduzido em 50% e recebeu uma data-fim para o pagamento, em 2020. “Daqui a dois meses o valor vai cair e, em 2020, eu vou perder a aposentadoria. Se eu não entrar na Justiça agora e deixar isso pra frente vai ser pior. E o meu caso é comprovado, é uma enfermidade que não tem cura e que só avança e piora. Não tem como trabalhar assim”.

Para o advogado especialista em Direito Previdenciário Geraldo Benício, esse desespero tem sido comum. “A maioria das pessoas que tem o benefício cortado está desesperada buscando a proteção judicial. E o pior é que é uma situação que afeta em maior proporção as pessoas mais humildes, que não têm condição de pagar médicos e exames particulares para provarem a necessidade”.

FALTA RECURSO PARA PERÍCIAS

A corrida à Justiça Federal de trabalhadores que tiveram benefícios previdenciários cessados no pente-fino do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) tem levado a uma situação dramática. Com o aumento da demanda nos Juizados Especiais Previdenciários, os processos estão demorando mais para serem concluídos e até o dinheiro para custear as perícias judiciais não tem sido suficiente.

De acordo com o juiz federal Rogério Moreira Alves, titular do 3º Juizado Especial Federal - Previdenciário, o recurso para as perícias que são feitas no âmbito da Justiça, - que é disponibilizado para o ano todo na rubrica da assistência judicial gratuita -, acabou desde setembro e os peritos cadastrados estão, desde então, sem trabalhar ou, caso aceitem, fazendo seu trabalho sem receber nada.

“Após a operação pente-fino, a gente tem visto um aumento enorme das perícias judiciais. Praticamente 100% delas são custeadas com dinheiro público. As pessoas pedem a gratuidade à Justiça e, com isso, quem paga os custos é o governo. E o dinheiro acabou. Muitos peritos estão trabalhando sem receber, contando que em janeiro a gente vai receber o suplemento da dotação orçamentária para pagar esse passivo. Outros nem quiseram continuar trabalhando porque ninguém é obrigado a trabalhar sem receber. O problema é que quando o dinheiro chegar, uma parcela significativa já vai ficar comprometida com as perícias deste ano, então, só joga o problema para frente e vai acabar de novo o dinheiro”, explica.

Para o advogado especialista em Direito Previdenciário Geraldo Benício, outro problema é que mesmo para levar o caso à Justiça é preciso ter laudos e exames médicos e laudos que comprovem a incapacidade de trabalhar, o que é caro é de difícil acesso para muitos aposentados.

“A maioria está indo à Justiça mas nem todos têm êxito porque o ônus da prova cabe ao segurado. E a prova para reaver o benefício é exclusivamente a comprovação da incapacidade, seja parcial ou definitiva, via laudos e exames. O problema é que isso custa caro e muitos não podem pagar”, ressalta.

SAÚDE

Benício destaca ainda o drama de muitos segurados ao passarem pela situação. “É uma situação difícil que tem provocado até problemas de saúde. Já vi casos de pessoas que entraram em pânico, tiveram sintomas de depressão e até casos de pessoas tentando suicídio. É um drama já que muitos se sentem humilhados por passarem por isso”.

Esse desespero também tem sido percebido pelo advogado Rafael Vasconcelos, do Sindicato Nacional dos Aposentados. “Eu avalio que há um pente-fino demasiado, que poderia ser melhor analisado para que não hajam suspensões indevidas, afinal muitos dependem disso para sobreviver e não têm a menor condição de voltar ao trabalho. Como marcar especialista no SUS e na rede privada custam caro, muitos ficam sem conseguir exames atualizados e ficam com laudos incompletos, aí acabam cortando”, pontua.

A orientação de Vasconcelos em casos assim é justamente conseguir reunir o maior número de provas, com laudo de um especialista e exames complementares. “Depois disso, recorrer pela via administrativa, no INSS, é um dos caminhos. Se não resolver, aí segue na via judicial, mas o recomendável é que seja acompanhado de um advogado”.

MINIENTREVISTA

"Em mais da metade dos caos o corte é indevido" - Rogério Moreira Alves, juiz federal, titular do 3º Juizado Especial Providenciário

Responsável por boa parte dos processos da matéria previdenciária que chegam à Justiça Federal no Espírito Santo, o juiz federal Rogério Moreira Alves (foto) comentou sobre a onda de ações para restabelecimento de benefícios e afirmou que as perícias precisam ser periódicas.

Como o pente-fino tem impactado o Poder Judiciário?

A operação pente-fino começou em agosto de 2016 e chegou aqui em 2017. A demanda vem crescendo, mas eu não consigo discernir o que é efeito do pente-fino ou não. Mas, na minha percepção, isso tem contribuído para elevar o volume de processos novos desde 2017 em cerca de 25%.

Qual o perfil dos casos que têm chegado para o senhor?

A gente tem duas situações. É importante o trabalho que está sendo feito. As revisões precisam ser periódicas para evitar o pagamento de benefícios a pessoas que já se curaram e recuperaram a capacidade do trabalho, o que pode ocasionar falta de recursos para pagar a quem precisa. Na minha experiência, é quase de meio a meio. Em quase metade a gente constata que o INSS deveria cancelar mesmo. Mas, por outro lado, se vê que em pouco mais de metade dos casos o corte é indevido. Há casos que a gente vê que são extremos e que nem dá para entender o porquê de o benefício ser cancelado, de tão evidente a incapacidade.

A perícia feita pela Justiça é diferente?

Sim. Os peritos do INSS trabalham com um critério mais rigoroso. Quando a gente traz para a Justiça, tentamos fazer uma perícia mais humanizada, ampla, a até repete em especialidades diferentes, e costumamos chegar a resultados diferentes.

Como os trabalhos da Justiça são afetados por isso?

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A gente está com uma demanda muito alta. Antes, eu não se tinha processo aqui com mais de um ano, a média era seis meses. Agora acumulou muito, não consigo esse tempo mais. Eu tento priorizar os processos de auxílio-doença. Outro impacto é o aumento enorme das perícias judiciais. O dinheiro acabou desde setembro. Alguns estão trabalhando sem receber.

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