Diante da instabilidade do estímulo vindo do poder público, artistas locais se desdobram para manter viva a cultura capixaba. A falta de continuidade de editais das leis municipais de incentivo à cultura faz com que a classe artística acabe não dando vazão a alguns projetos. Nos últimos dois anos, dentre os principais municípios da Grande Vitória, apenas Cariacica lançou editais por meio da lei.
Os editais de fomento à cultura são, em muitos casos, um trampolim para que artistas consigam financiar seus projetos e servem para garantir o acesso democrático aos recursos públicos destinados à área. Só na Capital, mais de 1.100 propostas foram contempladas em dez anos.
Alguns funcionam através da renúncia fiscal, quando empresas privadas investem nos projetos culturais selecionados em troca de abatimento de impostos. Outros já repassam a verba diretamente para o artista.
Não é que o artista tenha a verba para toda a produção, mas é um incentivo para que ele dê o pontapé para seu trabalho. Sem os editais, muitos artistas não têm como se mostrar no mercado, explica a produtora cultural Stael Magesck.
De acordo com as prefeituras, a justificativa para essa descontinuidade dos editais vai desde à baixa arrecadação em alguns períodos até questões estruturais envolvendo a pasta que demandam uma reformulação do texto da lei.
O incentivo financeiro proporcionado por esses editais, é claro, não é a única alternativa para os profissionais criativos, que contam com outros aparatos do poder público. Mas, sem esse patrocínio, projetos como produção e circulação de filmes, exposições, livros e espetáculos poder se tornar impraticáveis.
Tem artista que banca o próprio trabalho e tem artista que não tem essa condição ou disposição. Às vezes, a gente tem que se virar em outros trabalhos dando aula, tendo negócio próprio, ou tendo outro emprego para ter dinheiro de subsistência e realizar o projeto de maneira independente. Isso é possível, mas não é ideal, pondera a bailarina Ivna Messina, do Grupo Z de Teatro.
O que todo mundo tem feito, tem feito na garra, porque as prefeituras não têm dado suporte, confirma Vanessa Pianca, da Comissão Espírito-Santense de Folclore.
O escritor e editor da Cousa, Saulo Ribeiro, lembra que os editais estaduais têm sido regulares, mas não abraçam a diversidade cultural da Grande Vitória, pois precisam abranger os 78 municípios.
Na Grande Vitória, há uma demanda muito grande, e um edital a nível estadual não dá conta. É fundamental que os municípios tenham seus próprios mecanismos de cultura, disse.
Único da Grande Vitória com edital aberto este ano, até agora, o município de Cariacica já viabilizou 264 projetos ao longo de 12 anos de Lei João Bananeira. De 2007 para cá, só não houve edital nos anos de 2014 e 2016, segundo informações da secretária Renata Rosa Weixter. As inscrições este ano vão até 22 de março.
A lei corresponde a mais da metade dos recursos culturais da secretaria, e a gente a prioriza porque a cultura tradicional do município é muito forte, disse a secretária.
EXPLICAÇÕES
Enquanto Cariacica ainda tem sua lei de incentivo à cultura funcionando, outras cidades da Grande Vitória suspenderam as suas. Confira a explicação de cada uma.
Vitória
A Lei Rubem Braga foi criada em 1991. O último edital foi publicado em 2015. De acordo com o secretário de Cultura, Francisco Grijó, ela foi temporariamente suspensa em 2016 para uma reformulação do texto da lei.
A gente considerava a lei muito boa, muito importante para classe artística, mas precisava de ajustes. Muitos proponentes pegaram dinheiro público e não prestaram contas. Nós precisávamos reaver esse dinheiro retido, precisávamos ter uma nova postura, explica.
Com a reformulação, o novo texto da lei, que ainda deve passar pela aprovação da Câmara Municipal, traz mudanças importantes. No lugar da modalidade de renúncia fiscal, os contemplados vão receber o repasse diretamente da prefeitura. Além disso, outros grupos foram incluídos na lei, como games, cultura afro-brasileira, arte digital e novas tecnologias.
A previsão é de que um novo edital seja lançado ainda este ano.
Vila Velha
O último edital da Lei Homero Massena foi lançado em 2012, a suspensão temporária também se deve à necessidade de adaptação. A lei foi criada quando a Cultura ainda era uma subsecretaria vinculada à Secretaria de Educação.
É um problema estrutural. Não se pode tocar um projeto que esteja com orçamento vinculado a uma estrutura e capitaneado em uma estrutura diferente. As adaptações são necessárias porque são orçamentárias, explica o secretário Maciel de Aguiar.
A prefeitura está fazendo estudos técnicos no corpo da lei e que a previsão é de que um novo edital seja lançado no segundo semestre deste ano.
Além de alterações que garantam mais agilidade no processo, a secretaria quer providenciar mais orientação aos artistas proponentes de projetos. O objetivo é transpor gargalos comuns nessa área, como a prestação de contas.
Serra
A Lei Chico Prego é de 1999, e o último edital foi lançado em 2016, mas os contemplados nem chegaram a receber o incentivo.
De acordo com o secretário de Turismo, Cultura, Esporte e Lazer, Alessandre Motta, uma modificação na lei causou a falta de pagamento e a impossibilidade de novos editais nos anos seguintes.
Ele explicou que em 2017 os projetos aprovados seriam contemplados, mas houve uma intervenção da Câmara Municipal para a mudança de um artigo da lei, que tratava do repasse da verba.
Se por um lado, havia o entendimento de que o repasse deveria ser feito diretamente para o contemplado, por outro, havia a interpretação de que a verba deveria ser destinada através da renúncia fiscal.
Segundo ele, a discussão se estendeu até 2017, quando a prefeitura decidiu reestruturar a lei. Agora, a gestão aguarda a aprovação do projeto de lei na Câmara Municipal. O objetivo da prefeitura, de acordo com Motta, é que um novo edital seja lançado no segundo semestre deste ano.
ENQUANTO ISSO, EM CACHOEIRO...
A Grande Vitória pode não ter a maioria de suas leis de incentivo em funcionamento, mas em Cachoeiro de Itapemirim, a Lei Rubem Braga anda a todo vapo. Dos 104 projetos inscritos, 29 vão ser desenvolvidos em Cachoeiro com apoio da prefeitura.
As propostas foram contempladas no último edital, de 2018. A lista com todos os vencedores foi publicada na edição de terça-feira (12) do Diário Oficial da cidade.
Desse total, 24 projetos foram contemplados por área e outros cinco, por terem alcançado nota para aprovação de quaisquer outras áreas culturais, conforme dispõe o edital, quando em casos de recursos remanescentes ou vacância de propostas em alguma área, o que é novidade na lei.
Cada proponente vai receber até R$ 18 mil. O investimento previsto no edital, ao todo, é de R$ 575.915,00.
De acordo com a consultora interna da Secretaria de Cultura do município, que é responsável pela gerência das leis de incentivo, os editais têm sido publicados todos os anos desde a estreia, em 2009.
O único contratempo que tivemos foi em 2016, quando um problema administrativo fez com que tivesses que cancelar o edital. Mas ele foi substituído por duas edições da lei em 2017. Fizemos dois para não perder aquele recursos que estava disponibilizado, explicou.
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