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Pacientes com diabetes perdem visão por causa de burocracia

Pacientes com diabetes perdem visão por causa de burocracia

Diagnóstico da doença demora nas unidades de saúde, agravando quadro dos pacientes

Publicado em 13 de abril de 2019 às 23:53

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Maria Souza dos Santos, 73, aguardou um ano para fazer exames na rede pública. (Fernando Madeira)

“Meu marido está ficando cego e, por causa disso, não consegue trabalhar mais, nem se aposentar.” O desabafo da dona de casa Débora dos Santos Mendes dos Reis é o retrato de uma realidade que atinge centenas de pacientes com diabetes no Estado. A cegueira é uma complicação da doença, mas pode ser evitada.

No Espírito Santo, porém, há pelo menos dois fatores que contribuem para esse quadro: a demora no diagnóstico e a longa espera pelo tratamento adequado. Em alguns casos, a espera passa de um ano. Uma injeção que poderia regredir ou até mesmo reverter a perda de visão, por exemplo, só pode ser aplicada com autorização da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), mas não é liberada no mesmo ritmo do avanço da doença.

Débora conta que o marido, o motorista Rogério Mendes dos Reis, 40, é diabético desde o nascimento e, enquanto ainda estava empregado, o plano de saúde cobria seu tratamento. Há três anos passou a recorrer ao SUS, e a situação foi se agravando.

“Um dia começou a reclamar de dor no olho. Dali a pouco, gritou: ‘não estou vendo nada!’. Deu hemorragia. Corremos no médico e ele já estava perdendo a visão; ele não enxerga 40% com o olho direito”, relata.

A dona de casa disse que o marido faz acompanhamento em uma unidade de saúde na Serra, mas precisa realizar um procedimento que controla o avanço da perda da visão, com aplicação de injeções no olho.

“Meu marido já tem o laudo, demos entrada na farmácia cidadã, mas é uma burocracia terrível, uma fila de espera que nunca acaba. Estamos desde setembro aguardando, meu marido sentindo dor e sem poder fazer nada”, reclama.

DIAGNÓSTICO TARDIO

Chefe da Unidade do Centro da Visão do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam), o oftalmologista Fabio Petersen Saraiva observa que cerca de 30% dos diabéticos – quase 90 mil pessoas no Estado – não sabem que têm a doença e, à medida que o tempo vai passando, aumentam as chances de lesões oculares causadas pelo diabetes.

“O problema começa aí. O diagnóstico tardio leva a complicações. O segundo fator é não controlar a glicose. Precisaria haver mais unidades especializadas para fazer essa avaliação dos pacientes”, aponta. O Hucam é unidade de referência de atendimento de pacientes encaminhados pela Sesa para consultas com especialistas e aplicação da injeção.

É desse tratamento que precisa a dona de casa Maria Souza dos Santos, 73. Após descobrir que tem diabetes há alguns anos, a doença começou a se agravar. “Até 2013, dava para controlar, depois foi piorando. Minha mãe fazia o acompanhamento, mas só o exame que precisava levou um ano. Para uma pessoa que está ficando cega, demorar assim, é muito difícil”, conta a filha Cleria Souza dos Santos.

Segundo ela, o óculos já não tem utilidade para a mãe e, recentemente, a dona de casa desabafou: “É capaz de eu morrer antes de conseguir me tratar”.

O oftalmologista Thiago Cabral costuma atender pessoas com retinopatia diabética (complicação decorrente do diabetes) e se preocupa com a alta incidência de pacientes com perda de visão.

“Diabetes atinge vários órgãos e é a maior causa de cegueira em indivíduos em idade laborativa. A pessoa não controla bem a doença e, após alguns anos, passa a apresentar complicações. Só chega caso grave para mim; não tem ninguém chegando bem”, afirma.

PROBLEMA COMEÇA NA ATENÇÃO BÁSICA

As unidades de saúde dos municípios são a porta de entrada para a população que depende do SUS. Nesses postos têm que ser oferecida uma atenção básica de qualidade para fazer detecção precoce de doenças, como o diabetes, e evitar suas eventuais complicações. No Espírito Santo, contudo, esse atendimento tem cobertura de menos de 60% da demanda.

Tadeu Marino, secretário de Estado da Saúde, diz que é preciso investir em atendimento básico qualificado. ( Carlos Alberto Silva - GZ)

É o que aponta Tadeu Marino, subsecretário de Estado para Assuntos de Regulação e Organização da Atenção à Saúde, diante do volume de pacientes com perda de visão decorrente do diabetes.

“É preciso promover um atendimento básico qualificado, que faça o diagnóstico precocemente, para oferecer qualidade de vida ao paciente e ainda diminuir o impacto de consultas especializadas e o de internações.”

Há menos de um mês na presidência do Colegiado de Secretários Municipais de Saúde do Espírito Santo (Cosems-ES), André Wiler Fagundes disse que ainda vai tomar ciência do atendimento realizado em todos os municípios para saber das dificuldades e o que precisa avançar a fim de garantir a qualidade de serviços.

“Pelas informações que já recebemos, muito coisa tem baixa cobertura. Mas ainda não fiz assembleia com todas as regionais para um diagnóstico preciso a fim de ver o que tem que ser trabalhado”, justifica.

André, que é secretário de Nova Venécia, destaca apenas as ações da região Norte que, segundo ele, assegura assistência adequada aos pacientes.

O presidente do Cosems conta que foi feito um planejamento com todas as equipes de atenção primária, com estratificação de risco para pacientes com doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, para fazer um acompanhamento sistemático dessas pessoas.

André ressalta que a implantação de uma unidade da Rede Cuidar no município, para atendimento de pacientes de média complexidade da região, também contribui para melhorar a assistência.

Mas, questionado sobre um paciente de Nova Venécia, o lavrador João Narciso Dalvi, que reclama da demora no atendimento, o presidente do Cosems admite que existem problemas ainda não superados.

“A gente não pode falar em 100%. Sempre existe a possibilidade de um ou outro paciente ter dificuldades, ou por não frequentar a unidade de saúde, não conseguir controlar a doença, não ter alimentação adequada. Mas não é regra porque, uma vez identificado um paciente com complicações, vai ser colocado na Central de Vagas do Estado para ser acompanhado.”

O que é Diabetes: Doença crônica na qual o corpo não produz ou não usa adequadamente a insulina, hormônio que controla a quantidade de glicose no sangue.

Complicações: Sem controle, o diabetes leva a uma série de problemas, como doença renal, amputação de pés e retinopatia diabética, que afeta os olhos.

Tipos de retinopatia:

O não-proliferativo é o mais comum e pode ser classificado em leve, moderado e grave, na medida em que os vasos sanguíneos dos olhos ficam bloqueados. Algumas vezes, o sangue pode vazar dentro da mácula (área principal da visão, com a qual se faz a distinção das coisas). É o edema macular: a visão embaça e pode ser totalmente perdida. Tratamento adequado permite a reversão do quadro.

Há também o tipo proliferativo, em que os vasos ficam totalmente obstruídos e não levam oxigênio à retina. Parte dela pode morrer, e novos vasos vão começar a crescer, mas são mais frágeis e podem vazar, causando a hemorragia vítrea, ou levar ao descolamento da retina.

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Fonte: Sociedade Brasileira de Diabetes e retinólogo Fernando Zanetti

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