Meu marido está ficando cego e, por causa disso, não consegue trabalhar mais, nem se aposentar. O desabafo da dona de casa Débora dos Santos Mendes dos Reis é o retrato de uma realidade que atinge centenas de pacientes com diabetes no Estado. A cegueira é uma complicação da doença, mas pode ser evitada.
No Espírito Santo, porém, há pelo menos dois fatores que contribuem para esse quadro: a demora no diagnóstico e a longa espera pelo tratamento adequado. Em alguns casos, a espera passa de um ano. Uma injeção que poderia regredir ou até mesmo reverter a perda de visão, por exemplo, só pode ser aplicada com autorização da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), mas não é liberada no mesmo ritmo do avanço da doença.
Débora conta que o marido, o motorista Rogério Mendes dos Reis, 40, é diabético desde o nascimento e, enquanto ainda estava empregado, o plano de saúde cobria seu tratamento. Há três anos passou a recorrer ao SUS, e a situação foi se agravando.
Um dia começou a reclamar de dor no olho. Dali a pouco, gritou: não estou vendo nada!. Deu hemorragia. Corremos no médico e ele já estava perdendo a visão; ele não enxerga 40% com o olho direito, relata.
A dona de casa disse que o marido faz acompanhamento em uma unidade de saúde na Serra, mas precisa realizar um procedimento que controla o avanço da perda da visão, com aplicação de injeções no olho.
Meu marido já tem o laudo, demos entrada na farmácia cidadã, mas é uma burocracia terrível, uma fila de espera que nunca acaba. Estamos desde setembro aguardando, meu marido sentindo dor e sem poder fazer nada, reclama.
DIAGNÓSTICO TARDIO
Chefe da Unidade do Centro da Visão do Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes (Hucam), o oftalmologista Fabio Petersen Saraiva observa que cerca de 30% dos diabéticos quase 90 mil pessoas no Estado não sabem que têm a doença e, à medida que o tempo vai passando, aumentam as chances de lesões oculares causadas pelo diabetes.
O problema começa aí. O diagnóstico tardio leva a complicações. O segundo fator é não controlar a glicose. Precisaria haver mais unidades especializadas para fazer essa avaliação dos pacientes, aponta. O Hucam é unidade de referência de atendimento de pacientes encaminhados pela Sesa para consultas com especialistas e aplicação da injeção.
É desse tratamento que precisa a dona de casa Maria Souza dos Santos, 73. Após descobrir que tem diabetes há alguns anos, a doença começou a se agravar. Até 2013, dava para controlar, depois foi piorando. Minha mãe fazia o acompanhamento, mas só o exame que precisava levou um ano. Para uma pessoa que está ficando cega, demorar assim, é muito difícil, conta a filha Cleria Souza dos Santos.
Segundo ela, o óculos já não tem utilidade para a mãe e, recentemente, a dona de casa desabafou: É capaz de eu morrer antes de conseguir me tratar.
O oftalmologista Thiago Cabral costuma atender pessoas com retinopatia diabética (complicação decorrente do diabetes) e se preocupa com a alta incidência de pacientes com perda de visão.
Diabetes atinge vários órgãos e é a maior causa de cegueira em indivíduos em idade laborativa. A pessoa não controla bem a doença e, após alguns anos, passa a apresentar complicações. Só chega caso grave para mim; não tem ninguém chegando bem, afirma.
PROBLEMA COMEÇA NA ATENÇÃO BÁSICA
As unidades de saúde dos municípios são a porta de entrada para a população que depende do SUS. Nesses postos têm que ser oferecida uma atenção básica de qualidade para fazer detecção precoce de doenças, como o diabetes, e evitar suas eventuais complicações. No Espírito Santo, contudo, esse atendimento tem cobertura de menos de 60% da demanda.
É o que aponta Tadeu Marino, subsecretário de Estado para Assuntos de Regulação e Organização da Atenção à Saúde, diante do volume de pacientes com perda de visão decorrente do diabetes.
É preciso promover um atendimento básico qualificado, que faça o diagnóstico precocemente, para oferecer qualidade de vida ao paciente e ainda diminuir o impacto de consultas especializadas e o de internações.
Há menos de um mês na presidência do Colegiado de Secretários Municipais de Saúde do Espírito Santo (Cosems-ES), André Wiler Fagundes disse que ainda vai tomar ciência do atendimento realizado em todos os municípios para saber das dificuldades e o que precisa avançar a fim de garantir a qualidade de serviços.
Pelas informações que já recebemos, muito coisa tem baixa cobertura. Mas ainda não fiz assembleia com todas as regionais para um diagnóstico preciso a fim de ver o que tem que ser trabalhado, justifica.
André, que é secretário de Nova Venécia, destaca apenas as ações da região Norte que, segundo ele, assegura assistência adequada aos pacientes.
O presidente do Cosems conta que foi feito um planejamento com todas as equipes de atenção primária, com estratificação de risco para pacientes com doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, para fazer um acompanhamento sistemático dessas pessoas.
André ressalta que a implantação de uma unidade da Rede Cuidar no município, para atendimento de pacientes de média complexidade da região, também contribui para melhorar a assistência.
Mas, questionado sobre um paciente de Nova Venécia, o lavrador João Narciso Dalvi, que reclama da demora no atendimento, o presidente do Cosems admite que existem problemas ainda não superados.
A gente não pode falar em 100%. Sempre existe a possibilidade de um ou outro paciente ter dificuldades, ou por não frequentar a unidade de saúde, não conseguir controlar a doença, não ter alimentação adequada. Mas não é regra porque, uma vez identificado um paciente com complicações, vai ser colocado na Central de Vagas do Estado para ser acompanhado.
O que é Diabetes: Doença crônica na qual o corpo não produz ou não usa adequadamente a insulina, hormônio que controla a quantidade de glicose no sangue.
Complicações: Sem controle, o diabetes leva a uma série de problemas, como doença renal, amputação de pés e retinopatia diabética, que afeta os olhos.
Tipos de retinopatia:
O não-proliferativo é o mais comum e pode ser classificado em leve, moderado e grave, na medida em que os vasos sanguíneos dos olhos ficam bloqueados. Algumas vezes, o sangue pode vazar dentro da mácula (área principal da visão, com a qual se faz a distinção das coisas). É o edema macular: a visão embaça e pode ser totalmente perdida. Tratamento adequado permite a reversão do quadro.
Há também o tipo proliferativo, em que os vasos ficam totalmente obstruídos e não levam oxigênio à retina. Parte dela pode morrer, e novos vasos vão começar a crescer, mas são mais frágeis e podem vazar, causando a hemorragia vítrea, ou levar ao descolamento da retina.
Fonte: Sociedade Brasileira de Diabetes e retinólogo Fernando Zanetti
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