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Médicos do ES podem ser punidos se não justificarem receitas

Médicos do ES podem ser punidos se não justificarem receitas

Nova lei estadual determina que, para prescrever medicamentos ou pedir exames fora da lista do SUS, profissionais devem apresentar relatório técnico

Publicado em 25 de abril de 2019 às 09:55

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Remédios em farmácia: lei que prevê necessidade de justificativa para receitas aguarda sanção do Executivo. (Marcelo Prest/Arquivo )

Aprovado em regime de urgência na Assembleia Legislativa nesta semana, o pacote do governo de cinco projetos na área de saúde, anunciado como estratégia para modernizar o setor, não é unanimidade. Pelo menos uma das propostas – a que visa à redução da judicialização na saúde – tem encontrado resistência. O ponto mais polêmico é o que prevê punição a médicos e dentistas que receitarem tratamento que não esteja previsto no SUS, como remédios de alto custo, sem respeitar os critérios que foram estabelecidos na nova legislação.

Dependendo apenas da sanção do Executivo para entrar em vigor, a lei determina que, para prescrição de remédios ou solicitação de exames e procedimentos que não estejam nas listas da rede pública, o profissional deve apresentar justificativa técnica. Entre outros argumentos, o médico ou dentista deve informar se o paciente já usou o que está previsto no SUS, e se o tratamento não foi bem-sucedido.

São pelo menos seis motivos técnicos que devem compor o laudo do profissional, e o descumprimento dessa norma poderá levá-lo a ser responsabilizado civilmente em função de eventual gasto do Estado para atender demanda judicial. As sanções ainda serão definidas por meio de decreto governamental, a ser apresentado pela Secretaria de Estado da Saúde (Sesa).

AÇÃO

Para o defensor público Carlos Eduardo Rios do Amaral, responsabilizar os profissionais de saúde é um erro e, assim que a lei for sancionada, vai ingressar com uma ação judicial para que o artigo que prevê essa punição a médicos e dentistas seja retirado.

Rios do Amaral avalia que há dois aspectos inconstitucionais nesse dispositivo da lei. Primeiro, que uma proposta de responsabilização civil deveria ser de iniciativa federal, não do Estado. E, em segundo lugar, que profissionais liberais como médicos e dentistas, se responsabilizados civilmente por alguma irregularidade, têm que ter direito à ampla defesa, mas em seu entendimento a lei não garante esse benefício.

Contudo, além do ponto de vista jurídico, o defensor preocupa-se com o impacto da legislação sobre a população que recorre ao Judiciário para garantir o acesso à saúde. Com larga experiência atendendo famílias de crianças com graves enfermidades que encontram na Justiça a autorização para tratamentos, Rios do Amaral acredita que essas pessoas serão prejudicadas.

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A maior fonte de prova dessas mães para salvar a vida de seus filhos é o laudo médico. E o grande risco é que o profissional, preocupado em não ser responsabilizado civilmente, deixe de receitar um medicamento ou exame que seria melhor para aquele paciente, só porque está fora do SUS

Carlos Eduardo Rios do Amaral, defensor público
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NOVA LEI

JUSTIFICATIVA TÉCNICA DE RECEITA

No mínimo, precisa indicar

- Motivos de exclusão dos medicamentos ou tratamentos previstos nos regulamentos citados (tabelas do SUS) em relação ao paciente, como intolerância, interações medicamentosas, reações adversas;

- Menção à eventual utilização anterior, pelo usuário, dos remédios das tabelas do SUS sem respostas adequadas;

- Benefícios do medicamento ou fórmula nutricional prescrito;

- Apresentação de estudos científicos eticamente isentos e comprobatórios dessa eficácia, como revistas indexadas e com conselho editorial;

- Informação sobre a existência de prova de segurança, eficácia, efetividade e custo/efetividade de insumo em causa, conforme critérios propostos pela medicina baseada em evidências;

- Se o caso for de um remédio previsto na tabela mas que foi prescrito para enfermidade diferente daquela para a qual costuma ser usado, o médico também deve informar e explicar.

ENTIDADES CRITICAM MEDIDA

As entidades médicas do Espírito Santo acreditam que critérios são necessários para a prescrição de medicamentos que não sejam oferecidos pelo SUS. No entanto, defendem que os médicos não podem ser punidos por receitar esses medicamentos em nenhuma hipótese, inclusive sem que haja comprovação científica.

O advogado do Sindicato dos Médicos do Espírito Santo (Simes), Luiz Télvio Valim, aponta que punir os médicos por receitar determinados medicamentos é uma atitude equivocada porque o profissional precisa ter sua autonomia respeitada. Isso seria uma forma de inibir a atuação médica.

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É um ato ilegal e abusivo querer punir o médico pela prescrição

Telvio Valim, advogado do Sindicato dos Médicos
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“O Estado está procurando meios para conter essas demandas de judicialização de procedimentos e remédios, eu concordo porque a situação precisa ser organizada para não desequilibrar o orçamento do poder público. Mas é um ato ilegal e abusivo querer punir o médico de acordo com a prescrição do medicamento. Ele precisa ter liberdade na conduta”, pontua.

O presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Espírito Santo, Celso Murad, compartilha da mesma opinião. “O projeto em si é interessante, todo projeto de regulamentação é importante. Mas se o profissional achar que um paciente vai melhorar com determinado medicamento que já é usado em outros países e que não consta na lista do SUS, eu não posso ser responsabilizado por isso. Um remédio que não é registrado pela Anvisa pode ser patologicamente reconhecido”, pontuou.

O presidente do CRM afirma ser necessário estabelecer critérios para adquirir medicamentos que não constam no SUS, mas acha exagerado o número de comprovações que constam na nova lei. “A gente acha que precisa ter um controle, mas não deve ser tão exagerado que impossibilite o acesso do cidadão. A nova lei pode dificultar esse acesso”, disse.

E pontua que outros pontos da nova lei também devem ser revistos. A internação compulsória, por exemplo, só pode ser solicitada por um médico psiquiatra, outro médico só poderá fazer isso em falta do especialista. No entanto, a lei não especifica isso.

CFM

O Conselho Federal de Medicina (CFM) também foi procurado pela reportagem de A GAZETA, mas não respondeu sobre a existência de legislação semelhante em outros Estados.

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