Em uma derrota para o governo e, em especial, ao ministro Sergio Moro, o Congresso Nacional derrubou na noite desta terça-feira (24) 18 vetos feitos por Jair Bolsonaro (PSL) à lei de abuso de autoridade, que prevê punições para agentes públicos em várias situações. Outros 15 pontos que haviam sido barrados pelo presidente acabaram mantidos.
A sessão foi antecipada em uma semana, acontecendo em meio a viagem do presidente aos EUA, onde participa da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Os pontos mantidos não voltarão à lei. Já os pontos derrubados seguirão para a promulgação, por parte de Bolsonaro. Se o presidente não promulgar no prazo de 48 horas, a tarefa caberá ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Um dos pontos que agora estão na legislação prevê pena de um a quatro anos de detenção para os juízes que decretarem, a prisão de réus em "desacordo com as hipóteses legais" - o item foi criticado por magistrados e procurados por ser muito abrangente e permitir interpretações que possam inibir investigações.
A derrubada destes vetos teve aval de Alcolumbre, que, assim como outros senadores, ficou bastante irritado com a operação da Polícia Federal, na semana passada, que teve como alvo o líder do governo na Casa, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), acusado de receber propina no período em que foi ministro da Integração Nacional do governo de Dilma Rousseff. Durante a tramitação na Câmara e no Senado, a nova legislação foi alvo de muitas críticas de entidades policiais, de promotores e de juízes por endurecer punições a agentes da lei e até limitar sua ação.
A operação criou um ambiente favorável à derrubada de vetos de Bolsonaro à lei de abuso de autoridade, sancionada em 9 de setembro pelo chefe do Executivo nacional.
PREVIDÊNCIA ADIADA
Alcolumbre decidiu adiar a votação do primeiro turno da reforma da Previdência para a próxima semana em uma sinalização ao governo.
No horário em que a matéria seria votada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na manhã desta terça-feira, Alcolumbre marcou uma agenda de caráter corporativista: reuniu líderes partidários e foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) conversar com o presidente do Judiciário, Dias Toffoli, para apresentar um recurso à decisão do ministro Luís Roberto Barroso que, na semana passada, determinou busca e apreensão em endereços.
A articulação para se chegar ao adiamento envolveu partidos aliados, independentes e de oposição ao governo em reunião na residência oficial de Alcolumbre na noite de segunda-feira.
O grupo deixou fora a presidente da CCJ, Simone Tebet (MDB-MS) e o relator da PEC, Tasso Jereissati (PSDB-CE), que defendem blindar o projeto de questões políticas.
Alvo da operação da PF, Bezerra, responsável pelos interesses do governo no Senado, participou do conchavo, que teve a participação dos líderes do MDB, Eduardo Braga (AM); do PSD, Otto Alencar (BA); do PROS, Telmário Mota (RR); do PL, Jorginho Melo (SC); do Republicanos, Mecias de Jesus (RR); e do vice-líder do PT, Rogério Carvalho (SE).
Tebet descobriu na manhã desta terça-feira, quando recebeu líderes partidários em seu gabinete, que o jantar havia acontecido sem ela e Tasso e que os líderes haviam articulado o adiamento da votação.
Diante de um Bezerra Coelho, descrito por colegas como abalado, senadores argumentaram que era preciso passar o recado de insatisfação e contar votos para a derrubada de vetos presidenciais à lei de abuso de autoridade.
NEGOCIAÇÃO
No começo do mês, Bolsonaro vetou trechos de 19 dos 45 artigos constantes no texto aprovado pelo Congresso. O Senado tem um grupo de 33 parlamentares que queriam manter todos os vetos. Um outro grupo queria derrubar 16 votos. Tentou negociar, sem sucesso, ao menos seis deles com o grupo lavajatista de senadores "Muda, Senado". O resultado acabou sendo ainda melhor para eles.
Desde o início da noite, o tema dominou os discursos na sessão do Congresso. O próprio Bezerra foi ao microfone.
"É estarrecedor o excesso, o abuso de uma decisão monocrática, tomada em completo desacordo com quem está, de fato, na condição de avaliar a necessidade ou não de produção de prova, no caso o Ministério Público Federal, titular da ação, e ainda mais quando exige medida tão invasiva ao direito", disse o líder do governo no Senado durante a sessão do Congresso.
VEJA OS VETOS DERRUBADOS
- Punição de 1 a 4 anos de detenção, e multa, para quem decretar medida de privação da liberdade em desacordo com as hipóteses legais
- Pena de detenção de 1 a 4 anos, e multa, para quem obrigar o preso a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro
- Pena de um a quatro anos de detenção, e multa, para quem prosseguir com interrogatório de pessoa que decidiu exercer o direito de silêncio ou de quem tenha optado por ser assistido por advogado ou defensor público, mas esteja sem este presente
- Pena de seis meses a dois anos de detenção, e multa, para quem deixar de se identificar ou se identificar falsamente na hora de prender alguém
- Pena de seis meses a dois anos, e multa, para quem impedir entrevista do preso com seu advogado
- Pena de um a quatro anos de detenção, e multa, a quem for responsável por persecução penal, civil ou administrativa sem justa causa fundamentada ou contra quem sabe inocente
- Cria pena de seis meses a dois anos de detenção, e multa, a quem negar ao interessado, seu defensor ou advogado a qualquer procedimento investigatório de infração penal, civil ou administrativa, exceto peças cujo sigilo seria imprescindível
- Pena de seis meses a dois anos, e multa, para o responsável pelas investigações que antecipar, inclusive por rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as investigações
- Pena de detenção de três meses a um ano, e multa, para quem violar direito ou prerrogativa de advogado
- Artigo que especifica regras de direito penal de forma redundante, repetindo o que já vale para outros crimes
VEJA OS VETOS MANTIDOS
- Proibição de que quem cometa crimes exerça funções de natureza policial ou militar no local em que residir ou trabalhar a vítima
- Pena de detenção de 1 a 4 anos, e multa, para quem prender alguém sem que haja flagrante nem ordem escrita de autoridade judicial
- Pena de seis meses a dois anos, e multa, para quem fotografar ou filmar um preso ou investigado, sem seu consentimento ou com autorização obtida mediante constrangimento ilegal, com o intuito de expor a pessoa a vexame ou execração pública
- Pena de seis meses a dois anos de detenção, e multa, para quem submeter o preso ao uso de algemas quando não houver resistência à prisão, ameaça de fuga ou risco à integridade física do preso
- Pena de um a quatro anos de detenção, e multa, para quem "executa mandado de busca e apreensão (...) mobilizando veículos, pessoal ou armamento de forma ostensiva e desproporcional, ou de qualquer modo extrapolando os limites da autorização judicial, para expor o investigado a situação de vexame"
- Pena de seis meses a dois anos de detenção, e multa, para quem instigar alguém a praticar infração penal para depois capturá-la em flagrante delito
- Pena de seis meses a dois anos de detenção, e multa, a quem omitir dado ou informação sobre fato juridicamente relevante e não sigiloso
- Cria pena de três a seis meses de detenção, e multa, a quem deixar de corrigir, de ofício ou mediante provocação, com competência para fazê-lo, erro relevante que sabe existir em processo ou procedimento
- Cria pena de três meses a um ano, e multa, a quem coibir, dificultar ou impedir, por qualquer meio, sem justa causa, a reunião, a associação ou o agrupamento pacífico de pessoas para fim legítimo
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