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'O terrorismo alimentar leva a pessoa a comer mais', diz especialista

"O terrorismo alimentar leva a pessoa a comer mais", diz especialista

Escritora e pesquisadora de temas ligados às doenças da beleza analisa a forte relação das redes sociais com os transtornos alimentares

Publicado em 4 de novembro de 2017 às 23:14

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Se por um lado vemos crescer o fenômeno da gourmetização da comida – quando uma simples pipoca ganha ares de sofisticação e dezenas de sabores –, também assistimos a um radicalismo em relação à alimentação que está deixando as pessoas doentes, vítimas do chamado terrorismo nutricional. Psicanalista e pesquisadora referência sobre as questões do corpo, Joana Novaes analisa como essa contradição vem afetando e muito a nossa saúde.

É difícil achar alguém que não faça dieta, que não tenha paranoias em relação ao corpo?

É muito raro. É cada vez mais difícil encontrar alguém que, se pudesse, não empreenderia alguma mudança no próprio corpo, - quer seja esticar alguma parte a fim de atenuar os traços deselegantes que surgem com o envelhecimento ou subtrair recheios indesejáveis. Magreza e juventude são valores máximos na contemporaneidade. Sendo, igualmente, as formas mais representativas de feiura, daí a adesão maciça às praticas corporais para escapar da mesma. E o discurso dominante, por sua vez, está ancorado na máxima do “só é feio quem quer”. A grande questão da atualidade parece ser sintetizada na seguinte indagação: por que conviver com um defeito se posso mudá-lo? A quem reificamos através do número de seguidores que possuem e por isso são alçados à condição de ‘influenciadores digitais’? São justamente os sujeitos que têm essa relação disciplinada e de extrema severidade no tocante à regulação do próprio corpo. São essas as pessoas que entendemos possuir um bom uso do tempo e gerenciamento da própria vida, posto que fazem dieta, exercícios, trabalham, relacionam-se amorosamente e parecem dar conta com maestria.

São as famosas musas fitness...

Sim. Aquelas que, faça chuva, faça sol, acordam 5h da manhã, malham por duas horas por dia. São os mitos contemporâneos. Aquelas convidadas a opinar sobre tudo, têm as viagens pagas, tudo patrocinado, espetacularizado.

Um estilo de vida inatingível para os simples mortais...

Exatamente. Essas pessoas não sofrem, não têm cólica, não acordam indispostas. Um estilo de vida vendido como um passaporte para a felicidade. Um universo apartado da realidade da grande maioria e, no entanto, consumido como ideal, no qual tudo é regulado, monitorado e respectivamente partilhado para que se exponha à avaliação coletiva.

Então as redes sociais contribuem para reforçar esse ideal de vida?

Sim. É onde vou ter o termômetro se estou fazendo sucesso ou não. As redes sociais são grandes ferramentas disseminadoras de normas, costumes, valores e práticas de bem viver: como devo comer, como me exercitar, como gastar meu tempo no lazer. Mas não gosto de demonizar. Tem uma função positiva. Por exemplo, há mulheres que emagrecem 60, 70 quilos só com apoio das seguidoras do Instagram. Elas postam o que comem, fotografam seus corpos. É um lugar de apoio e incentivo para algo que poderia ser vivido de forma solitária. Mas também nas redes sociais vemos claramente essa cultura de horror à gordura. E meninas anoréxicas que têm no espaço dessas comunidades virtuais um reforço deste comportamento patológico. Elas expõem sua magreza e recebem milhares de elogios.

O que se prega é que o gordo é doente...

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Isso. O que a gente chama de gordo hoje não é o que a gente chamava de gordo décadas atrás. A ideia da gordura como doença está hoje ancorada em parâmetros médicos. Antes, comida não era tão acessível. Estamos vivendo a gourmetização da comida: são 200 tipos de carne, de pipoca. Comida virou um bem ao qual grande parte da população tem acesso, não à toa a obesidade é considerada um problema de saúde pública e uma epidemia justamente nas classes populares. No Brasil, 15% das pessoas já são consideradas obesas. Comer virou uma facilidade e ao mesmo tempo dá status. Mas há essa contradição. E isso gera um estado de extrema ansiedade no sujeito que consome, uma ansiedade para comer e para se livrar dos quilos adquiridos. Comer virou um grande risco. Há um terrorismo em relação à comida, à gordura, que não leva as pessoas a comerem menos, mas a ficarem ansiosas, se sentirem em débito. E, quanto mais ansiosas, mais elas comem.

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