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O jogo de empurra que trava obras na BR 101

O jogo de empurra que trava obras na BR 101

Licenciamento já dura 6 anos e ainda faltam documentos

Publicado em 25 de junho de 2017 às 00:45

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Na última quinta-feira, 22 morreram em um acidente ocorrido em um trecho da BR 101, em Guarapari, que aguarda duplicação. (Bernardo Coutinho)

A duplicação da BR 101, um dos trechos viários e econômicos mais importantes do país, e que é tão aguardada pela população capixaba, está bem longe de sair do papel. Só para se ter uma ideia, o licenciamento da parte Sul – que vai de Viana à divisa com o Rio de Janeiro –, iniciado em 2011 ainda pelo Dnit, só agora vai ser liberado. Para o trecho Norte, começado em 2013, não há previsão.

Enquanto isso, a rodovia que no Estado possui três dos dez trechos mais perigosos do país, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), continua matando. No ano passado foram pelo menos 125 mortos, um a cada três dias. Este mês, outros 32 perderam a vida entre os dias 14 e 23 – três a cada dia.

Dentre eles as vítimas daquele que já é considerado o maior acidente das estradas capixabas, a tragédia de Guarapari, que envolveu um ônibus, uma carreta e duas ambulâncias, e que pôs fim, na última quinta, às histórias de 22 pessoas.

Embora os motivos de todas estas mortes tenham ligação também com a imprudência, o excesso de velocidade, as ultrapassagens proibidas ou forçadas, o consumo de álcool e ainda a negligência com a condição técnica do veículo, não há dúvidas de que uma via ampliada e com maior segurança pode ajudar a evitar tantas perdas. O que reforça o apelo da população por uma “duplicação já”.

Mas o que há por trás da demora na ampliação e melhoria que vai atingir os 458,4 quilômetros da rodovia, que percorre 24 cidades no Estado? O Tribunal de Contas da União (TCU), ao fiscalizar a execução do contrato, apontou irregularidades, dentre elas o atraso nas obras em trechos que deviam estar prontos até o 4º ano de concessão (maio de 2017). Além disso, há as versões de cada envolvido nesta história, num ambiente permeado pela burocracia e demora na apresentação de documentos.

De um lado, temos os órgãos públicos, como o Ibama, que leva anos para analisar a documentação e conceder as licenças. Resultado, explica o superintendente em exercício no Estado, Gustavo Castro Athayde, de um quadro reduzido de funcionários que precisa atender uma demanda crescente de projetos de licenciamento.

Castro acusa a empresa de postergar a apresentação de documentos fundamentais ao licenciamento. Cita como exemplo, em relação à parte Sul, o inventário florestal. “Informamos que o documento apresentado era insuficiente. Estamos na reta final e o novo ainda não foi apresentado”, relata. Acrescenta que para o trecho Norte até hoje não foram entregues os protocolos de que foi feita a entrega do Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (Eia/Rima) às prefeituras e universidades. “Sem eles, tudo atrasa”, acrescenta.

A empresa, por sua vez, alega que há demora na análise dos documentos e que as regras do jogo foram mudadas no meio caminho. Cita como exemplo o licenciamento da parte Sul. “Seis anos para liberar a licença prévia. E mais, só na última sexta ficamos sabendo que o inventário florestal foi recusado”, diz Roberto Paulo Hanke, diretor superintendente da Eco 101. E agora, acrescenta ele, fazem novas exigências: “E que vão alterar o projeto e até inviabilizar o andamento das obras.”

O dilema acontece às vésperas da concessão da licença de instalação do trecho Sul, que permite o início das obras. Na quarta-feira, será realizada uma reunião, em Brasília, com a presença da Eco 101, da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) – que fiscaliza o contrato de privatização da rodovia –, e do Ibama, para discutir o assunto.

Sem um consenso, a população continua aguardando, desde 2013, a duplicação da BR 101. Na época, a expectativa era a de que a privatização poria fim aos entraves públicos que a impediam. Por enquanto, a única certeza é o pedágio pago em sete praças, todas a vezes em que pela rodovia se transita. E que resultaram em R$ 510 milhões de arrecadação, de maio de 2014 a 2016.

Até as obras iniciadas já estão atrasadas

Nem mesmo nos trechos onde as obras já foram iniciadas pela concessionária Eco101, os projetos foram concluídos. É o que acontece em pequenos partes da rodovia cujas obras foram autorizadas pelo Ibama. Essas intervenções estão em João Neiva e Ibiraçu, no Norte do Estado, além de Anchieta e Itapemirim, e o Contorno de Iconha, todos no Sul do Estado.

O motivo, relata a empresa, são os severos entraves jurídicos que impedem a continuação das obras. Em toda o percurso da BR 101 no Estado existem cerca de dois mil pontos de ocupações irregulares nas chamadas faixas de domínio. São as áreas que margeiam a rodovia, que pertencem a União, e que precisam ser utilizadas para a duplicação.

Motorista de ônibus há 25 anos, José Luiz acredita que sem a duplicação a imprudência dos condutores é ainda maior. (Carlos Alberto Silva)

O problema, relata o diretor superintendente da Eco101, Roberto Paulo Hanke, é que em alguns trechos, parte destas áreas estão ocupadas. E embora sejam de domínio federal, seus ocupantes alegam que nunca foram informados. “Há trechos em áreas rurais cercado como pasto e em outros há dezenas de casas”, relata.

Para retirar estes ocupantes, ele precisa recorrer à Justiça. Alguns casos acabam sendo bem sucedidos, mas outros se arrastam por muito tempo. “Quando isto ocorre a obra não pode prosseguir. É preciso parar e aguardar a solução”, explica.

Casos

Há um exemplo, segundo o superintendente, em Rio Novo do Sul, onde cerca de 20 casas estão na chamada faixa de domínio. “E vão ser afetadas pela obra”, relata.

Outro exemplo, segundo ele, é o trecho de cinco quilômetros, em Anchieta, cuja duplicação já foi autorizada. Do total, apenas dois quilômetros e meio deverão se entregues até agosto. “Foi o trecho que onde conseguimos realizar a obra. O restante depende de um impasse judicial relativo a desocupação de pessoas, acrescenta.

Há outras situações com um impasse diferente. São os casos em que é necessário fazer desapropriações de áreas. Um exemplo é o Contorno de Iconha, que muda o trajeto da rodovia e que demanda novas áreas. “Encontramos dificuldades em dois pontos onde as obras não podem caminhar”, relata Hanke.

Nestes casos, é preciso aguardar o decreto de desapropriação por parte da União. Ele declara que a área é de interesse público. Para o ocupante sobra o direito apenas de questionar o valor da indenização. “Em alguns casos é tentada uma solução administrativa, mas na maioria vai para a Justiça”, conta Hanke.

A preocupação é ainda com outros trechos da rodovia que também vão ser alvos de desapropriações, como é o caso dos contornos que vão ser realizados nas cidades de Fundão, Ibiraçu e Linhares, que aguardam aprovação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela fiscalização do contrato.

Ibama

Atrasos

Na avaliação do órgão ambiental, a concessionária Eco101 vem postergando a entrega de documentos importantes que acabam atrasando a concessão do licenciamento.

Argumentos

Pagamento

Já está disponível para a concessionária as guias para o pagamento de taxas que totalizam R$ 170 mil. O prazo vence em 20 de agosto, mas explicam que quanto mais cedo for pago, mas rápido é liberado o documento.

Formulários

A Eco também precisa preencher formulários que estão disponíveis no site e que, segundo o Ibama, deveriam ter sido entregues no início do processo. Eles precisam ser publicados antes da liberação do licenciamento.

Inventário florestal

Vão precisar apresentar um novo inventário florestal que vai identificar, detalhadamente, o tipo de vegetação existente nas áreas em que será necessário fazer a retirada dela. O documento apresentado pela empresa foi considerado insuficiente e foi recusado. Sem ele não é fornecida a autorização para a retirada de vegetação, o que impede a realização de obras em alguns trechos.

Relato

Para o superintendente em exercício do Ibama, Gustavo Castro Athayde, as exigências nesta etapa final são simples e, se resolvidas com rapidez podem antecipar a liberação do licenciamento. “Feito isto, pode começar imediatamente a obra”, diz.

Condicionantes

Segundo o Ibama, são medidas e programas previstos para todos os empreendimentos como forma de mitigar os impactos. Citam que, por exemplo, o acompanhamento da concretagem não significa a exigência de novas licenças, mas apenas que a empresa precisa informar a localização de obras como bueiros e pontes.

Eco 101

Mudanças

A concessionária Eco101 assinala que, após a concessão da licença prévia, em abril deste ano, o Ibama está propondo mudanças que vão afetar o projeto e até o cronograma da obra, podendo promover novos atrasos.

Pontos

Inventário

Na avaliação da empresa, o novo documento exigido não é tão simples quanto aponta o Ibama. Relata que fato semelhante aconteceu nas obras do contorno de Iconha, onde tiveram que contratar até biólogos e veterinários para cumprir a exigência de afugentar os animais da área onde seria retirada a vegetação. “Isto implica na contratação de uma empresa para preparar este documento”, assinala Roberto Paulo Hanke diretor superintendente da Eco101.

Inviabiliza

Hanke assinala que sem a autorização para retirar a vegetação não tem como fazer a obra. “Você faz um trecho sem vegetação e tem que parar onde precisa retirar mata por falta de autorização. É inviável. Atrasa tudo.”

Concretagem

De acordo com Hanke, uma das condicionantes é que, nos pontos onde precisa fazer concretagem, como a construção de bueiros e pontes, é exigido uma nova licença do Ibama. “Já imaginou pedir uma nova licença para cada trecho? Vai atrasar toda a obra”, diz.

Áreas de preservação

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Outra exigência, segundo Hanke, é que o projeto de duplicação da rodovia, em áreas de preservação, faça um desvio. “O projeto já foi apresentado e aprovado pela ANTT. Qualquer modificação precisa ser novamente avaliada pela agência. Situações que vão resultar em mais atrasos na obra”, diz o diretor da Eco101.

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