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'O país precisa de inteligência e ousadia para destruir o Minotauro'

"O país precisa de inteligência e ousadia para destruir o Minotauro"

Cientista político e professor do Insper, Carlos Melo diz que Brasil passa por, pelo menos, cinco crises e que transformação dependerá de 2018

Publicado em 22 de outubro de 2017 às 00:56

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Labirinto é uma construção de muitas passagens, dispostas tão confusamente que só com dificuldade se acha a saída. E para, de fato, conseguir deixá-lo, ainda é necessário matar o Minotauro – na mitologia grega, criatura com corpo de homem e cabeça de touro. Com essa analogia, o cientista político e professor do Insper Carlos Melo dá a dimensão das crises instaladas no país e aponta que a solução para superar esse percurso intrincado e acabar com o “monstro” demanda “inteligência e ousadia”.

Melo ressalta que o processo de transformação do Brasil vai depender das eleições de 2018, e frisa que o saldo positivo só virá com o surgimento de times de políticos capazes de fazer diagnóstico dos problemas, propor soluções para eles e, assim, conquistar a confiança da população.

O professor será palestrante, no próximo dia 28, do 12º Encontro de Lideranças Empresariais promovido pela Rede Gazeta, pela Viação Águia Branca e pela Unimed Vitória. Confira a entrevista:

O presidente Michel Temer assumiu após o impeachment com o discurso de que melhoraria a economia e, assim, colocaria o Brasil no rumo. Mas o que se vê agora é uma tentativa de se manter no cargo e de proteger aliados. Como o sr. enxerga essa situação?

O presidente Temer não é uma solução para a crise. Ele é a continuação da crise. A crise não era apenas a presidente Dilma ou o PT. Há uma crise muito mais ampla, sistêmica. Há, pelo menos, cinco crises e o presidente está envolvido em várias delas.

A crise econômica é uma delas?

É, a primeira é uma crise de modelo econômico. O modelo de apenas bons fundamentos macroeconômicos não basta mais. Ele é importante, fundamental, mas não é o suficiente. Você precisava avançar na economia para uma agenda de produtividade. A gente precisava envolver questões como educação, infraestrutura, logística, ambiente de negócios. O presidente Temer achou que dando conta apenas dessa questão, e ainda assim muito parcialmente, fosse suficiente, mas não é porque tem outras crises.

E quais são as outras crises?

Tem uma que eu chamo de crise do presidencialismo de coalizão. Infelizmente, tratamos a relação entre Executivo e Legislativo como meramente fisiológica. Os partidos pediam para o governo federal cargos, emendas, recursos, e o governo federal dava e garantia assim o voto dos partidos. Acontece que existe um efeito de voracidade, os partidos querem cada vez mais e mais. Quando você não tem mais o que dar, é estabelecida uma crise. A terceira é a crise da relação das empresas com o Estado. Historicamente, sempre foi uma relação patrimonialista, clientelista. Só que não dá mais. Os negócios não podem mais ser feitos à base da corrupção, de licitações e concorrências fraudadas. Isso levou à Operação Lava Jato. A quarta crise é a do país de meia-entrada – estou me apropriando de um termo usado pelo meu colega Marcos Lisboa. São as vantagens corporativas: aposentadorias especiais; garantias, que na verdade são privilégios para grupos específicos; isenções e incentivos fiscais dos mais variados possíveis. Não dá mais. O Estado brasileiro não comporta mais tanta gente pegando carona no orçamento público.

Essas crises têm solução?

Talvez tivessem solução se tivéssemos a garantia de uma outra questão, que infelizmente também está em crise: a liderança. A presidente Dilma não era uma liderança política, tampouco o presidente Temer é uma grande liderança política. Se você olhar para o Congresso Nacional, salvo raríssimas exceções, é um deserto muito grande. Na maioria dos Estados também, não são todos. Eu, particularmente, acho que o Espírito Santo é um caso a parte, mas não só ele. Os partidos estão absolutamente fragmentados, desestruturados. Como é que os líderes políticos e os partidos políticos podem dar conta das quatro crises anteriores? Não podem. O presidente Temer, talvez por diagnóstico precário, por ignorância ou por má-fé, não sei, acreditou que simplesmente fazendo alguns ajustes na economia pudesse reverter esse quadro. Não é possível. Essas questões todas precisam ser ajustadas para que a gente possa sair desse terrível labirinto que o país se meteu.

Aspas de citação

No Brasil, as pesquisas mostram opções extremamente regressivas e ultrapassadas também. Todo o mundo de alguma forma está querendo fugir para um passado que não é mais possível se encontrar.

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Essa saída, então, passa por diversos fatores e atores...

Primeiro, passa pela sociedade. Por que a sociedade abandonou a política? Que mundo é esse, e não é só no Brasil, que há uma grande crise do sistema de representação? Os partidos não representam, os governos não representam... Ninguém consegue compreender o presente, ninguém consegue vislumbrar o futuro e há muita gente querendo fugir para o passado. Quando se quer fugir para o passado, a gente se vê no meio dessa loucura, essa coisa regressiva: os Estados Unidos votando no Donald Trump, a extrema-direita alemã ganhando espaço, assim como a direita francesa. No Brasil, as pesquisas mostram opções extremamente regressivas e ultrapassadas também. Todo o mundo de alguma forma está querendo fugir para um passado que não é mais possível se encontrar.

No meio político, há um discurso de que a economia tem melhorado. Isso pode ser usado para dar trégua ao governo?

Na verdade, pode dar uma trégua até o fim de 2018. Com a diminuição da taxa de juros e com o aumento de algum consumo, você vai ter o sentimento de que o país voltou a crescer, de algum bem-estar. Isso é insuficiente se você não avançar na pauta estrutural, não fizer a reforma da Previdência e a reforma tributária, não fizer uma grande transformação logística e de infraestrutura, não qualificar o trabalhador para o mundo moderno. Isso vai estourar um pouco mais na frente. Um processo de transformação do Brasil vai depender do resultado da eleição do ano que vem. Precisamos de lideranças que compreendam o mundo em que vivemos e o tamanho do problema, que tenham esse diagnóstico e consigam sentar à mesa para negociar, comunicar a população e implementar. O governo quis queimar etapas. Tem uma extraordinária equipe econômica, que eu reputo de alto nível e de grande credibilidade, mas isso não basta. Tenho escrito há muito tempo que isso são olhos verdes no rosto do Quasimodo, o corcunda. É bonito ali, mas o conjunto é muito feio. A gente precisa pensar no conjunto.

Há condições das reformas da Previdência e tributária serem aprovadas?

Acho que neste governo não. Um dia o Brasil vai ter que fazer. Essas reformas são uma pauta inevitável para o próximo governo. Mas não vejo esse governo com força e representatividade social para fazê-las. É um governo que tenta apenas sobreviver.

O governo também tem tomado atitudes que são alvos de críticas, como a ameaça à Renca, na Amazônia, o abrandamento da fiscalização do trabalho escravo, a compra de votos com emendas para votações. São retrocessos?

Nem um retrocesso é. É a insistência em um modelo que faliu. O governo continua insistindo com os mesmos métodos. Vou usar um clichê: quando a gente erra por algum motivo, repetindo os métodos não vai alterar o resultado. Se você junta os mesmos ingredientes e faz o mesmo modo de preparo, o bolo vai ser o mesmo. Se eu quero um bolo diferente, um resultado diferente, eu preciso mudar os ingrediente, mudar os métodos, pensar de outra forma. Isso é fundamental. O Estado do Espírito Santo passou, no final dos anos 1990, por uma crise terrível com presidente da Assembleia, governador, os Três Poderes, todos eles encrencados. Como o Estado se recuperou? Porque houve uma mudança de métodos e de atores. O Espírito Santo não fez o ajuste fiscal. Fez um ajuste político que permitiu fazer o ajuste fiscal. O que o governador Paulo Hartung e o deputado Cláudio Vereza, presidente da Assembleia Legislativa, fizeram lá em 2003 foi um grande ajuste político que permitiu depois a caminhar na direção do ajuste fiscal. O que aconteceu no Espírito Santo na década de 1990 é um bom exemplo do que está acontecendo no Brasil hoje.

E o país precisa passar por esse tipo de mudança...

Alguns atores vão precisar ir para cadeia. A César o que é de César. Alguns vão ter que pagar pelos erros que fizeram. Não tem como fazer um acordão quanto a isso. Muita gente vai ter que ser afastada. Polícia Federal, Ministério Público e Justiça vão ter que atuar, como têm atuado. Terá que haver uma limpeza e novos atores de mãos limpas e com outros métodos vão ter que ser apresentar, senão a crise vai continuar.

A votação que restabeleceu o mandato ao senador Aécio Neves expôs uma autoproteção dos parlamentares, que temem estar numa situação de afastamento ou cassação. Como analisa essa lógica?

O que nós vimos no Senado é o que nós vimos na Comissão de Constituição de Justiça, é o que nós vamos ver esta semana no plenário e o que temos visto há algumas semanas. E não é só no Congresso, é no Poder Judiciário também. Tudo isso evidencia esses sinais de esgotamento. É necessário passar a limpo e seguir em frente.

Podemos falar que o sistema está “doente”?

O que podemos falar é que o país está num labirinto. O labirinto, por definição, é um lugar que a gente não sabe qual é a saída. Para ajudar, no labirinto tem um grande monstro, que é o Minotauro. O país não precisa de um acordo com Minotauro, não precisa fazer de conta que não está no labirinto. O país precisa de inteligência e ousadia para destruir o Minotauro e para encontrar a saída do labirinto. O que se está fazendo do impeachment para cá é simplesmente reproduzir o mesmo modelo.

Qual cenário o sr. enxerga para 2018?

É um cenário terrível. Se você olhar para o líder das pesquisas, nem sequer sabemos se ele vai ser candidato e ele não sendo, quem pode ser candidato no lugar dele. Quando você pensa no partido que tem sido antagonista do PT nos últimos anos, quem vai ser o candidato do PSDB? Ninguém sabe se o PMDB terá um candidato. Estamos falando dos principais partidos do Brasil. Mas os partidos estão em crise, não vamos pensar neles. Vamos pensar dentro daquela configuração antiga. Direita, esquerda e centro. A direita está fragmentada: tem Bolsonaro, Doria, Caiado, Meirelles. Se você olhar para o centro, está fragmentado: tem Alckmin, João Amoêdo, Luciano Huck, Marina, talvez. E para a esquerda tem Guilherme Boulos, Luiz Inácio Lula da Silva, ou alguém no lugar dele, Ciro Gomes. Enfim, há uma grande fragmentação e ninguém consegue de algum modo aglutinar nos seus campos específicos. Então, você vai ter uma eleição muito parecida com a de 1989. O centro desapareceu. Houve uma grande fragmentação em todo o espectro político e foram para o segundo turno os dois candidatos mais radicais: Lula e Collor. O que vai acontecer em 2018? Se não tiver alguma forma de aglutinar, de surgir nomes novos ou alguma possibilidade de reordenamento partidário, vai ter essa fragmentação também. Quem vai para o segundo turno? Não sei. Quem tiver 15%, 20% dos votos será muito forte, muito competitivo numa eleição fragmentada.

Vê uma luz no fim do túnel?

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Acho a luz no fim do túnel é a sociedade sair um pouco da loucura das redes sociais e começar a discutir qual é a natureza real dos nossos problemas. São times de políticos, não estou falando de um político, alguém com capacidade de aglutinar em torno de si um bom time, que saiba fazer um bom diagnóstico, que saiba comunicar esse diagnóstico e as soluções, e que conquiste a confiança da população. Se a gente não tiver isso, se só sobrar um populista de esquerda ou de direita, não interessa, a crise vai continuar e o país vai continuar nesse labirinto.

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