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Os Intocáveis 3 (a armadilha de Moro)

COnfira a coluna Praça Oito publicada nesta segunda-feira em A GAZETA


Praça Oito - Os Intocáveis
Praça Oito - Os Intocáveis
Foto: Arte

O filme “Os Intocáveis” voltou a render manchetes ao longo da última semana, trinta anos depois do seu lançamento. Fã declarado do filmaço de Brian de Palma, o juiz Sérgio Moro citou o longa em uma rara entrevista concedida por ele ao tradicional programa “60 minutes”, da rede norte-americana CBS, levada ao ar no domingo (21). Precisamente, Moro evocou uma das muitas falas memoráveis do roteiro. Ao ser indagado sobre como se sentiu diante das primeiras revelações de Paulo Roberto Costa, lá nos primórdios da Operação Lava Jato, o juiz sorri e responde ao entrevistador que sentiu que aquele era um caminho sem volta, assim como em “Os Intocáveis”.

Coestrelado por Kevin Costner e Sean Connery, o filme narra a cruzada pessoal do agente federal Eliot Ness (Costner), para prender o gângster Al Capone, maior chefão do contrabando de bebidas na cidade de Chicago em plena vigência da Lei Seca, durante a Grande Depressão, no início dos anos 1930. Para isso, Ness constitui e lidera uma força-tarefa, contando, no filme, com a ajuda de Malone, um veterano policial de origem irlandesa vivido por Connery (Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel).

Desde o início da parceria, o experiente Malone alerta Ness: para pegar Capone, ele teria que estar disposto a agir fora dos meios a que estava habituado. Na cena referida por Moro, Malone acompanha Ness na primeira batida em um depósito clandestino de bebidas. Antes de arrombarem a entrada, o mais velho ainda pergunta ao impetuoso Ness se ele estava mesmo seguro de que queria passar por aquela porta. Isso porque, adverte, se o chefe a atravessasse, estaria entrando em um mundo de problemas, do qual não haveria mais como retornar (“there’s no turning back”). Resoluto, Ness assente e engatilha a escopeta. E de fato inicia ali um caminho sem volta.

Moro, é bom que se diga, não se comparou pessoalmente ao lendário Eliot Ness, ao contrário do que se alardeou. Não diretamente, pelo menos. Mas a ligação estabelecida por ele entre a perseguição de Ness a Al Capone e o seu trabalho na Lava Jato é inegável. Tão inegável quanto inapropriada. Assim como o é a declaração de Deltan Dallagnol, no mesmo programa, de que a Lava Jato é muito maior que o caso Watergate.

Com declarações como essa, o protagonista do thriller da Lava Jato atrai para si mesmo uma pecha de onipotência, reveste-se de uma inoportuna aura de presunção que não cai bem em um magistrado como ele. Convalida, sem a menor necessidade, as críticas e desconfianças dos que já identificam nele atitude inadequada ao verdadeiro papel que um juiz deve desempenhar. Melhor faria Moro, a si mesmo e à operação, se evitasse esse tipo de exposição indevida em pleno curso dos julgamentos que lhe cabem. Por que gravar vídeo direcionado a apoiadores da Lava Jato? Por que se deixar fotografar sorrindo ao lado de investigado no STF? Por que arriscar pretensiosa analogia com “Os Intocáveis”?

Mesmo porque o paralelo de Moro com o filme oculta uma armadilha. No filme, repita-se, Malone deixa claro para Ness: se ele quisesse mesmo pegar Capone, não bastaria agir estritamente dentro da lei, de acordo com o que diz o manual. O “homem que prendeu Capone” reluta no início, mas acaba cedendo ao acordo e aos métodos à margem da lei oferecidos pelo parceiro. E assim cumpre seu objetivo. Satisfeito, porém consciente dos limites que alargou.

Por fora da lei

No filme “Os Intocáveis”, desde o princípio da parceria entre Eliot Ness e o veterano policial Malone, este deixa claro para o chefe: para capturar Al Capone, eles teriam que usar os mesmos meios dos gângsteres, talvez até outros mais violentos. É o que salta do diálogo que ambos têm, sugestivamente, no interior de uma igreja, ainda no início da trama:

“The Chicago way”

. Malone: Você disse que queria pegar Capone. Você quer mesmo pegá-lo? O que você está disposto a fazer?

. Ness: Qualquer coisa dentro da lei.

(...)

. Malone: Você quer pegar Capone? Se eles puxarem uma faca, você saca uma arma de fogo. Ele manda um dos seus pro hospital, você manda um deles pro necrotério. É assim que se faz em Chicago! E é assim que se pega Capone. Agora, você quer fazer isso? Você está pronto pra fazer isso? Estou te oferecendo um trato. Você quer fazer esse trato?

. Ness: Eu jurei capturar esse homem com todos os poderes ao meu dispor e é isso que eu farei.

Autoanálise

Após a breve hesitação inicial, Eliot Ness acaba topando a proposta do novo parceiro. E assim cumpre seu objetivo. Mas no final, diante do juiz do caso, faz um desabafo que traduz seu duplo dilema, de cunho ético e legal: “Eu reneguei a mim mesmo. Eu desrespeitei todas as leis que jurei defender. Eu me tornei o que vi e estou satisfeito por ter agido bem. Agora esse homem precisa ser detido”.

Idiotness

Na última fala do personagem, o último toque de ironia do roteiro. Um repórter pergunta ao agente: “Vão revogar a Lei Seca. O que o senhor vai fazer?”. “Acho que vou tomar um trago”, responde Ness.

Cena política

O deputado Theodorico Ferraço (DEM) causou frisson ao aparecer no encontro do PSB em Cachoeiro no último sábado. É verdade que tinha sido convidado, mas ninguém esperava que fosse chegar “causando” tanto. “Daqui pra frente, só não estarei ao lado de Casagrande se ele não quiser”, anunciou em discurso. Sem piscar, Casagrande gritou: “Quero sim!” No fim do encontro, um jornalista de Cachoeiro comentou com Theodorico: “Quando eu der essa matéria e o Paulo Hartung vir, vai ficar injuriado...”. “E eu não vou desmentir”, retrucou a raposa.

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