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Temer encurralado

Confira a coluna Praça Oito desta sexta-feira, 26 de maio


Praça oito
Praça oito
Foto: Amarildo

A denúncia apresentada ontem contra Temer pelo presidente da OAB, Claudio Lamachia, por crime de responsabilidade, é uma síntese dos fundamentos político-jurídicos que podem determinar a queda do presidente da República. Para a OAB, as condutas praticadas por Temer “mergulham o país em uma crise institucional sem precedentes”.

Na fundamentação da denúncia, Lamachia não dá relevância ao modo como a conversa de Temer com Joesley Batista foi captada, tampouco à discussão em torno da validade da escuta como prova. Prefere pôr em primeiro plano o fato que considera realmente mais grave: o de que, em nenhum momento, Temer negou a existência e o teor do diálogo. Ao contrário, “confirmou o encontro em dois pronunciamentos oficiais” (em 18 e 20 de maio) e em entrevista concedida à Folha de São Paulo, no dia 21 de maio.

A OAB põe em evidência, ainda, as “circunstâncias pouco usuais” sob as quais se deu a conversa entre Temer e Joesley, “contrárias aos regramentos legais de conduta para os agentes do Executivo”. “Joesley teria, na calada da noite, adentrado o Palácio da Jaburu”, sem qualquer registro oficial acerca de tal audiência. Para a OAB, ao adotar esse “protocolo não habitual”, Temer atacou o princípio da publicidade a que se devem sujeitar todos os agentes públicos, mais ainda o presidente da República. “O encontro em desacordo com a formalidade legal jamais foi contestado, o que, por conseguinte, quebranta dois paradigmas de qualquer governo, quais sejam, a transparência governamental em suas relações e a confiança dos cidadãos para com a autoridade administrativa máxima do país.”

Do ponto de vista legal, o processo de impeachment em face do presidente da República é disciplinado pelos artigos 85 e 86 da Constituição Federal de 1988, com o aporte regulamentar da Lei nº 1.079, de 1950. O artigo 85 da Constituição é o que descreve os atos que configuram crime de responsabilidade por parte do presidente. Para a OAB, Temer infringiu os incisos V e VII do referido artigo, ao praticar atos que atentam, respectivamente, contra a probidade na administração pública e contra o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

No que tange à primeira conduta (atentado ao art. 85, V, da Constituição), Lamachia salienta que, “ao chefe do Poder Executivo, enquanto representante e autoridade máxima deste Poder, é atribuída a mais rigorosa e estrita observância aos princípios da administração pública”. O advogado lembra que a Constituição força o agente público a exercer sua função de modo transparente e leal.

Temer, contudo, teria violado tais princípios em seu encontro com Joesley, realizado “às escusas de registros oficiais”. “Nessa ocasião, com livre vontade e consciente da ilicitude de sua conduta, o chefe do Poder Executivo procedeu de modo incompatível com a dignidade e o decoro de seu cargo ao receber, discutir nomeações, e disponibilizar homem de sua confiança para contato direto com a pessoa do colaborador Joesley Batista.” Por isso, “as condutas atribuídas [a Temer] demonstram, em tese, violação do ínsito decoro de seu cargo, quebrantando-se, portanto, a probidade na administração”.

Quanto à segunda conduta (infringência ao art. 85, VII, da Constituição), o crime de responsabilidade de Temer consistiria em ter se omitido de “um dever de agir legalmente imposto”. Ao deixar de prestar informações sobre crime do qual teve conhecimento no exercício da função pública e pelo cargo que exercia, o presidente teria incidido em ato ilegal.

Em resumo, Temer admite ter ouvido Joesley discorrer “acerca do corrompimento de três funcionários públicos: um juiz, um juiz substituto e um procurador da República”. E nada fez a respeito. Para Lamachia, “mostra-se repudiável a aparente falha na comunicação da ocorrência de graves irregularidades”.

Hoje, a saída considerada mais provável para se estancar essa “crise sem precedentes” é a cassação pelo TSE, por ser mais rápida, menos traumática e mais honrosa para Temer. Assim, a denúncia da OAB pode nem chegar a ser recebida pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e o processo de impeachment pode nem chegar a ser instaurado. Ainda assim, pelo peso institucional da entidade, protagonista no impeachment de Collor, a iniciativa da OAB joga a pá de cal em um presidente que já estava encurralado, condensando as justificativas para a insustentabilidade de Michel Temer.

Sem honra nem decoro

A lei nº 1.079, de 1950, define as condutas vedadas ao presidente e a outras autoridades da República. É essa lei que regula o processo de impeachment. O art. 9º, inciso 7, estabelece que é crime de responsabilidade contra a probidade na administração “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. É exatamente a conduta que a OAB atribui a Michel Temer.

Código de Ética

Ainda quanto à falta de probidade administrativa, a OAB argumenta que Temer também afrontou os artigos 4º e 12 do Decreto 4.081/2002, que institui o Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos em exercício na Presidência e Vice-Presidência da República.

Cadê os registros?

O artigo 4º do Código dispõe que o agente público deverá divulgar e manter arquivada a agenda de reuniões com pessoas físicas e jurídicas com as quais se relacione funcionalmente, e manter registro sumário das matérias tratadas nas reuniões. Já de acordo com o artigo 12, as audiências com pessoas físicas ou jurídicas, interessadas em decisão de alçada do agente público, serão solicitadas formalmente pelo próprio interessado, com especificação do tema a ser tratado e a identificação dos participantes.

Interesse privado

Em princípio, Temer ainda praticou a conduta tipificada no artigo 321 do Código Penal, com “possível exercício de advocacia administrativa”: patrocinar, direta ou indiretamente, interesse privado perante a administração pública, valendo-se da qualidade de funcionário. No caso, o mais alto funcionário da administração pública federal teria cedido ao lobby feito pessoalmente por Joesley.

Prevaricação

Para a OAB, a omissão de Temer ao ouvir calado a revelação de crimes é “ato de incontestável gravidade, incompatível com os deveres constitucionais da administração pública”.

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