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Vim, vi, não convenci

Os deputados federais Marcus Vicente (PP) e Sérgio Vidigal (PDT) receberam doações legais da JBS em 2014


Ilustração Praça Oito

“O meu governo não estava aberto a ele”, afirmou Michel Temer ontem, em referência a Joesley Batista. Já o Palácio do Jaburu... este, sim, foi destrancado ao empresário que se fez delator. O que leva um presidente, a autoridade máxima da República, a se dispor a receber um cidadão investigado em cinco operações, às escondidas e fora da agenda oficial, literalmente no porão da residência oficial? Que negócios tinha ele a tratar com Joesley, e por que em tais circunstâncias?

Tudo ali realmente estava errado: o local, o momento, o teor e o tom do diálogo. Primeiro, quem é Joesley? O dono da maior empresa de produção de proteína do mundo? Sim, era-o também. Mas, antes de qualquer coisa, como está claro a esta altura para todos, trata-se de um criminoso, um gangster do capitalismo de compadrio – que chegou ao cúmulo de lucrar com a própria delação no mercado de câmbio. Sim, estamos diante de um criminoso, e foi diante de um sujeito como esse que Temer aceitou se colocar, recebendo-o no porão do Jaburu com a intimidade de velhos conhecidos. Parece-lhes algo suspeito? A história toda já começa muito errada.

Aí vem o teor do colóquio. “Tamo junto”, começa Joesley. E, com toda a informalidade, põe-se a falar não de um crime, não só de Eduardo Cunha, mas de todo um repertório de práticas ilegais, admitidas serenamente por ele. Façamos de conta que todos aqui nascemos ontem e aceitemos que Temer de fato, ao topar recebê-lo, não tivesse ideia da agenda que o outro queria lhe levar. Assim que a conversa de Joesley começou a enveredar por aquele estranho rumo, qual era o dever do presidente da República (aliás, de qualquer autoridade)? O que lhe competia fazer? “Veja, sinto deveras, mas ‘respeitantemente’ a esse assunto eu me recuso a conversar. Queira retirar-se, por obséquio, do contrário serei obrigado a denunciá-lo aos órgãos competentes.” Mas não, nada disso.

Temer não se surpreende em nenhum momento. Segue escutando o outro como alguém que de tudo está ciente, acostumado a manter conversas como aquela e a tratar de pautas daquela natureza. Parece, enfim, familiarizadíssimo com a situação. Joesley lhe confidencia ter um par de juízes no bolso. O que é isso, gente? Obstrução confessa da Justiça. Temer o que faz? Nada. Tudo normal.

Segue Joesley: há um procurador da República a ajudá-lo com informações de dentro da Lava Jato. Mesma coisa, mas Temer o que faz? Absolutamente nada.

Além disso, há a cereja do bolo: Joesley quer desembaraçar uma questão desfavorável aos lucros de sua empresa junto ao Cade. Temer, nesse caso, o que faz? Aí, sim, fala algo: indica um homem de sua confiança. O mesmo que, dias depois, é flagrado a receber uma mala de dinheiro de propina, em acordo cuja costura passou pelo porão do Jaburu.

Apesar de tudo isso, é sério que Temer está seguro da “correção dos seus atos” e que “nada tem a esconder”?

O que está “zerada” é a tese de defesa de Temer

Estão tentando relativizar o suposto “aval” que a PGR acusa Temer de ter dado a Joesley para continuar pagando pelo silêncio de Cunha na prisão. A tal “anuência de Temer”, argumentam ele mesmo e emissários do Planalto, não teria ficado evidenciada de modo conclusivo na gravação, aliás sequer teria sido verbalizada por Temer na conversa.

A rigor, realmente não se falou em “mesada” ao ex-presidente da Câmara, ao menos não de forma explícita, durante a conversa grampeada pelo dono da JBS. Coube ao MPF preencher as lacunas e apresentar o contexto que emoldura as falas. Por isso mesmo, desde a noite de quinta, é essa a linha argumentativa a que Temer e seu núcleo se apegam para construir a defesa do presidente.

Mas essa defesa é muito frágil, não resiste a uma análise mais ampla. Primeiramente, muita coisa no diálogo fica implícita. Ele é rico em sugestividade. Muito do que ali foi dito, ou não dito, pelos interlocutores, deve ter sido acompanhado por gestos e expressões faciais bem mais eloquentes, mas ausentes, por óbvio, em uma gravação feita só em áudio – e de maneira rudimentar.

Pode-se até especular sobre o verdadeiro tema implícito naquele trecho capital da conversa, no qual Joesley traz o nome de Cunha à mesa e garante ter “zerado tudo” com o ex-deputado. “Ele foi firme em cima, ele já tava lá, veio, cobrou... Pronto, eu acelerei o passo e tirei da frente.” O visitante diz que está “de bem com o Eduardo”, ao que Temer retruca no ato, manifestando aprovação: “Tem que manter isso, viu?”. Pode-se até alegar que o objeto desse ponto do diálogo não seria “exata e precisamente” um suposto plano para silenciar Cunha. Estar “de bem com Cunha” nesse caso, não significaria “pagar por seu silêncio”. E, pelo mesmo raciocínio, “manter isso” não significaria “continuar pagando o cala-boca ao temível ex-cúmplice”.

Ora, o que não se pode fazer, por atentar contra a inteligência alheia, é desmentir o fato de que ali falou-se, sim senhor, de modo direto e descarado, de pagamento de propina. O que quer que tenha levado Joesley a “zerar pendências” com Cunha, ele se pôs diante do presidente em pessoa e falou de pagamentos ilegais feitos ao ex-deputado. E Temer nada disse, nada fez, só aquiesceu.

Um empresário criminoso confessa um crime diante do presidente com a maior desfaçatez do mundo, e Temer continua ouvindo tudo, mostrando dominar todo o contexto, como se fosse a coisa mais natural e corriqueira. Nesse caso, o silêncio e a omissão de Temer falam por si, valem mais que mil palavras. Têm o valor de uma confissão de cumplicidade. Sim, porque, se ouviu aquilo tudo sem nem sequer repreender Joesley e se não fez nada a respeito depois, o presidente passou automaticamente à condição de cúmplice do crime. É simples assim.

Se o dinheiro era referente a dívida anterior da JBS com Cunha por algum tipo de favorecimento na Caixa, se era mesmo para lhe comprar o silêncio, ou se era um pouco das duas coisas, sinceramente, pouco muda a situação de Temer, que no mínimo prevaricou - e isso para ser bem generoso com ele. Na verdade, Cunha vem a ser só um detalhe sórdido a mais. O detalhe que de pronto se destaca, é claro, por ser Cunha quem é, mas é um cisco num oceano não só na delação de Joesley sobre Temer mas também na própria gravação, que deve ser analisada em seu conjunto.

O joio do café

Tanto Paulo Hartung como seu colega paulista, Geraldo Alckmin, têm pedido de inquérito pairando contra eles no STJ por causa da delação da Odebrecht. No meio político, cresce a tese de que é preciso separar o joio do trigo, ou peneirar bem os grãos de café.

Círculo de fogo

Na política estadual, o destaque da semana foi o vice-governador César Colnago (PSDB) prestando contas à Assembleia Legislativa no lugar de PH, justamente num momento em que crescem os focos de desconforto para o governo no plenário. No cômputo geral, o governador em exercício saiu-se bem, atravessando o círculo de fogo sem se chamuscar demais. Na troca de impressões entre agentes do governo, o adjetivo “firme” foi o mais repetido.

E aí, firmeza?

No embate com adversários do Palácio Anchieta, o escudeiro de PH mostrou a mesma firmeza que faltou ao tucano quando assumiu o cargo no ponto mais crítico da greve da PM em fevereiro.

Superou-se

Reservadamente, colegas de Colnago no 1º escalão disseram ter achado que o vice superou as expectativas no cumprimento da missão de descascar o abacaxi para Hartung. Tal avaliação é ambivalente: por um lado, denota reconhecimento à superação de Colnago; por outro, o quanto o vice talvez ainda seja subestimado, despertando pouca confiança na cúpula.

O vice parlamentar

Muitos também destacaram o perfil adequado de Colnago para a ingrata tarefa: talhado no Parlamento, o vice é dado ao debate e se sente confiante ao pisar em território parlamentar, mesmo que este tenha minas espalhadas. “Ele foi firme quando precisou ser firme e tranquilo quando precisou ser tranquilo. Soube medir a temperatura e temperar o tom das respostas conforme o tom dos inquisidores”, opinou um secretário. Para outro, contudo, Colnago em geral foi firme e moderado, mas se excedeu um pouco no tom durante o confronto com Sergio Majeski (novo clássico da política local).

Viúva bígama

Colnago tem estilo próprio, mas por vezes mimetizou o chefe, como ao dizer que “casou com a viúva” e ao defender que “não podemos negar a política”.

 

 

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