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Não se sustenta

Confira a coluna Praça Oito deste sábado, 22 de julho


Praça Oito
Praça Oito
Foto: Amarildo

Podem escolher o adjetivo: desagregado, turbulento, tormentoso... O clima na Polícia Militar do Espírito Santo, hoje, cerca de cinco meses após o fim da greve de fevereiro, é tudo, menos normal. Apesar do esforço das autoridades do governo Paulo Hartung em aparentar e transmitir a ideia de “retorno à normalidade”, está cada vez mais difícil manter as aparências. O discurso de “normalidade” já não resistia a um confronto com a realidade, mas esta semana ruiu de vez, por meio de uma série de episódios que evidenciaram a persistência, se não o aumento, do desgaste no relacionamento entre a base da PM (os soldados e oficiais de baixa patente) e o comando da corporação e da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp).

Ilegal e inconstitucional – como aqui se defendeu desde o início –, a greve foi abafada pelo governo, assim como as insatisfações da tropa que culminaram com o movimento de fevereiro. Enquanto uma série de inquéritos policiais militares eram abertos contra participantes do movimento, o governo executou um acelerado processo de “reestruturação” da PM, na prática desmantelando o BME e a Rotam e dispersando as unidades onde se concentrava o núcleo duro da greve. Em seguida, o Palácio obteve na Assembleia a rápida aprovação de projetos que mudaram os critérios de promoção dos praças e dos oficiais.

Sem escolha e sem ver nenhuma de suas reivindicações atendidas, os soldados voltaram às ruas com o moral no chão, sob as ordens do comandante-geral da PM, coronel Nylton Rodrigues, e do secretário de Segurança, André Garcia – mantido no cargo por Hartung, após fortíssimas pressões por sua exoneração. Mas a “ferida ficou mal cicatrizada”, como define o tenente-coronel Rogério Fernandes Lima, presidente da Associação dos Oficiais Militares do Espírito Santo.

Conforme a coluna apurou, grande parte dos homens não respeita nem reconhece a autoridade de Nylton e de Garcia, como fizeram questão de demonstrar por meio de um ato de protesto silencioso na última terça-feira: a tensão latente explodiu quando soldados do 1º Batalhão simplesmente se recusaram a participar da gravação de um vídeo institucional que seria usado como parte da propaganda oficial do governo sobre a “reestruturação da PM”. Nenhum soldado cedeu os direitos de imagem para fins publicitários, e a gravação teve que ser abortada. A evidente atmosfera de mal-estar revelada pelo episódio teve desdobramentos no dia seguinte:

Na tarde de quarta-feira (19), o governo cancelou, sem nenhuma explicação oficial, a solenidade que estava marcada para a manhã de quinta-feira: um ato coletivo de promoção de cerca de 350 praças e oficiais. Nos bastidores, o comentário predominante é de que a cúpula da Sesp temeu novas manifestações.

Em paralelo, também na manhã de quinta, foi realizado outro evento, onde a crise interna foi explicitada em cores ainda mais fortes: no Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Pública, a alta cúpula da PM lançou um novo manual para intervenção em distúrbios, voltado para integrantes da Força Tática. No evento, o que mais chamou atenção foi a fala de reforço doutrinário do chefe do Comando de Polícia Ostensiva Metropolitano (CPOM), coronel Alexandre Ramalho. Ao lado do coronel Nylton – de quem é aliado de longa data –, Ramalho ofereceu incondicional lealdade ao seu comandante-geral, cobrando a mesma postura por parte da tropa.

“Nós somos um corpo só. Muitos tentam plantar isso (desunião), nós sabemos com qual objetivo: desestruturar a nossa prestação de serviços, desestruturar a nossa união, tudo com vistas a 2018. (...) Nós não somos políticos. Nós defendemos a nossa instituição. (...) Defender a nossa instituição é sinônimo de lealdade ao nosso comandante. Não venham desmerecer a nossa Polícia Militar. Esse recado não é para quem está aqui, mas pretende ecoar nos quartéis.”

A dura fala sinaliza duas coisas: primeiro, prova a desagregação e a distância que existe hoje entre a base e o topo na cadeia de comando da PM, a ponto de um comandante precisar lembrar aos subordinados o dever de lealdade; segundo, ao buscar prestigiar e fortalecer o coronel Nylton, seu aliado acaba sublinhando o fato de que, no momento, o comandante-geral está em posição frágil.

Os sinais de alerta estão no ar. Há muita insatisfação abafada, que não pode ser subestimada pela Sesp e pelo Palácio, para que não volte a explodir brutalmente como em fevereiro. O discurso da normalidade, enfim, já não se sustenta.

Animosidade ao animal

Os ânimos estão tão exaltados que sobrou até para uma cadelinha vira-lata, adotada por PMs da 13ª Cia. Independente do 4º Batalhão, em Vila Velha, e sugestivamente batizada por eles com o nome de “Sustenta” – palavra de ordem dos grevistas de fevereiro. O site da Associação de Cabos e Soldados do Espírito Santo chegou a publicar matéria sobre a mascote. Olha, pode ter sido provocação ao governo, mas a reação parece ter sido desproporcional: abriram um Inquérito Policial Militar contra um sargento.

Tá tenso

O tenente-coronel Rogério Fernandes, presidente da Associação dos Oficiais Militares do Espírito Santo, reclama de falta de diálogo. “Ao invés de se distensionar essa relação que já está desgastada, busca-se tensionar ainda mais. O melhor remédio neste momento é o diálogo, para que possamos sarar essa ferida ainda muito sensível. Diálogo, não um monólogo, do tipo ‘eu falo, você obedece’.”

O discurso de Ramalho

Falando à tropa na quinta, o comandante do CPOM, coronel Alexandre Ramalho, cobrou dos homens comprometimento, disciplina e respeito à hierarquia, no lugar de “achincalhe” e “desunião”. “Não existe tropa de força tática se não tiver doutrina, se não tiver comprometimento. Não existe tropa de força tática dentro de uma Polícia Militar que não preserve a hierarquia e a disciplina. Se você não preserva hierarquia e disciplina, vá para uma empresa particular, e já lhe adianto: não existe empresa particular que não preserve hierarquia e disciplina. Não existe, na estrutura de nenhuma empresa civil, o achincalhamento da sua empresa, da sua diretoria ou da sua presidência.”

“Aonde vamos chegar?”

Ramalho encheu de moral o comandante-geral, coronel Nylton Rodrigues: “Aonde nós vamos chegar? O coronel (Nylton) não faz parte desse corpo? O coronel não é integrante da Polícia Militar? Existe desassociação como estão querendo colocar na Polícia Militar, na separação por classes? Isso não nos leva a nada”.

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