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Partidos sem "partido"

Confira a coluna Praça Oito desta segunda-feira, 24 de julho


Praça oito
Praça oito
Foto: Amarildo

Todas as pesquisas de opinião confirmam a falta de credibilidade dos partidos políticos, instituições que os cidadãos hoje rejeitam e nas quais não confiam. O desgaste dos partidos em geral chegou a tal ponto que gerou um fenômeno meio esquisofrênico: atentos à rejeição das pessoas à ideia de partidos políticos, os dirigentes estão mudando o nome das respectivas siglas, cortando a palavra “partido” do nome oficial.

Assim, o PTN vira Podemos, o PTdoB passa a se chamar Avante, e por aí vai. Isso no caso de partidos mais antigos. A ideia é óbvia: ao mudar o nome e a logomarca por outros mais “atuais”, os partidos carcomidos buscam se dar uma roupagem mais moderna que os distancie e os dissocie daquilo que eles efetivamente são: partidos políticos.

Ao mesmo tempo, as siglas recém-fundadas, desde o nascimento, excluem a palavra “partido” da própria certidão. Assim nascem a Rede Sustentabilidade, o Novo (curiosamente, um nome que surge condenado a caducar, pois em algum momento o que era “novo” terá de deixar de sê-lo). Tudo com o mesmo propósito de escapar à rejeição dos eleitores. Até o tradicional Democratas (DEM), partido que derivou do PFL e praticamente inaugurou a moda há cerca de uma década no país, agora já considera mudar de novo o nome na carteira de identidade.

O truque é velho, manjado, simplório e subestima o poder crítico do eleitor. Evidentemente, mudar o nome registrado na carteira de identidade não muda a própria identidade do partido, queira ele ser chamado ou não por esse prenome.

Partidos que estão aí há tanto tempo, mas sem a menor consistência ideológica, continuam não significando nada em termos de propostas, programas e projeto de nação; não deixam de ser nulidades que nada representam nem acrescentam no embate de ideias. Já partidos tradicionais e mais ideológicos não deixarão, num passe de mágica, porque mudaram de nome e de cara, de ser cobrados pelos esquemas protagonizados pelas velhas caras que comandam a agremiação. Quanto aos partidos recém-criados, bem, ainda precisarão provar que chegaram mesmo para fazer alguma diferença, em vez de só virem a tumultuar e hipertrofiar ainda mais o já inchado conjunto partidário.

Defensor da cláusula de barreira, o cientista político Rogério Baptistini (Mackenzie) aponta o cerne do problema: “Nosso sistema partidário é absurdo e irreal. Os partidos são facções que não representam nada nem ninguém, não se distinguem uns dos outros e atuam como meros cartórios eleitorais. Temos um sistema de representação que não corresponde à realidade da nação”.

De todo modo, o modismo do rebatismo é um claro sintoma do tempo político que vivemos: a vergonha que paira sobre as instituições partidárias é tão grande que os partidos simplesmente não querem mais ser conhecidos como tais. Mais uma vez, salta aos olhos um paralelo com o que se passou na Itália há pouco mais de 20 anos. Aqui no Brasil, inicialmente concentrada no PT, no PP e no PMDB, a Lava Jato evoluiu a ponto de não poupar nenhuma das siglas mais tradicionais do país. Já na Itália, com a Mãos Limpas, os partidos mais importantes, que comandavam o país desde os anos 1940, foram praticamente riscados do mapa. Como assinala o cientista político Alberto Vannucci, da Università di Pisa, uma primeira reação, como tentativa desesperada de sobrevivência, foi justamente a mudança de nome:

“Alguns deles até tentaram mudar o nome, mudar o símbolo, mas ainda eram identificados como os velhos partidos corruptos. Na primeira fase, a Democracia Cristã se apresentou como Partido Popular, mas ainda era identificada como partido da corrupção. Esses partidos praticamente desapareceram. Os eleitores deixaram de votar neles.” No mesmo embalo, Berlusconi fundou, em 1994, o partido que dominaria a política nacional pelos anos seguintes: o Forza Italia.

No Brasil, uma vez mais, a história se repete como farsa.

“Políticos não políticos”

O cientista político Antonio Carlos Mazzeo, da USP, estabelece uma analogia entre os “partidos que não se dizem partidos” e outro fenômeno político atual igualmente muito forte: o dos políticos que não se admitem políticos. “Isso é uma tentativa de dizerem que não são partidos: ‘Olha, não sou partido, sou movimento, não tenho nada a ver com isso...’. Do mesmo modo, vemos políticos dizendo que não são políticos, e sim ‘gestores’. O exemplo emblemático é o Doria, em São Paulo”, compara o professor.

Fenômeno mundial

“Isso é expressão de um fenômeno que não é brasileiro, mas mundial. Você teve vários governantes que se elegeram com discurso de que não são políticos. Começa com Berlusconi, passa por Sarkozy. No Brasil, tivemos Collor e Maluf, que diziam: ‘Não preciso roubar porque sou rico, sou empresário’. E agora o Doria, que tem larga trajetória no PSDB, foi secretário de Turismo da Prefeitura de São Paulo (entre 1983 e 1986, na gestão de Covas), vem de família de latifundiários. Quer dizer, é tudo de mentira. Mas isso pega: ‘Político é ladrão, mas esse cara é um empresário que quer ajudar...’”

Deslocamento à direita

Para Mazzeo, o PSB não tem mais nada de socialista; o PPS, que nasceu como dissidência do PCB, hoje é um partido de direita; assim como o PSDB, que se propunha representar a social-democracia. E o PT, apesar do senso comum, não pode ser classificado como uma sigla de esquerda, mas como um partido social-democrata clássico. “O núcleo social-democrata é o PT, um partido que se propõe administrar o capitalismo.” Faz sentido. Basta analisar o governo Lula: governou com banqueiros, associou-se a empreiteiras, elegeu “campeãs nacionais”. Não cumpriu uma agenda de esquerda.

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