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Reforma ou puxadinho?

Confira a coluna Praça Oito desta quinta-feira, 21 de setembro


Praça Oito
Praça Oito
Foto: Amarildo

A tão propalada “reforma política” ficou muito aquém do ideal e está longe, muito longe, de resolver totalmente os problemas do nosso sistema político e de atender plenamente aos anseios populares por uma depuração do sistema eleitoral. Uma vez mais, o conjunto de mudanças aprovadas é tão tímido que nem sequer faz jus ao termo “reforma”.

Dito isso, é preciso ressalvar que nem tudo está perdido. Mesmo que no afogadilho e sob pressão do Supremo Tribunal Federal, os deputados pelo menos aprovaram duas mudanças importantes que dão algum alento ao eleitor, pois podem representar um princípio de reorganização do caos que virou o nosso sistema: a criação de uma cláusula de barreira (válida já em 2018) e o fim das coligações partidárias nas eleições de vereadores e deputados. Mas a emenda que transferiu para 2020 a entrada em vigor dessa última foi o golpe de misericórdia. O fim das coligações é tão importante que teria que começar a valer já em 2018.

Combinadas, a cláusula de desempenho e o fim das coligações representam o primeiro e necessário passo para começar a resolver uma das piores causas estruturais do caos em que se transformou o nosso sistema político-eleitoral: o número absurdo de partidos que, em sua grande maioria, não representam absolutamente nada em termos ideológicos. Pode-se argumentar que ainda é pouco. De fato, é um passo pequeno, porém indispensável para atacar essa proliferação de siglas de aluguel que há muitos anos vivenciamos e que desvirtua a nossa democracia.

O pluripartidarismo brasileiro foi distorcido, gerando outras enormes distorções. A pretexto de defender certas ideias e bandeiras que não passam de fachada, a maior parte dos 35 partidos hoje registrados no TSE se comporta como balcões de negócios, legendas de aluguel a barganhar seus preciosos segundos de TV e sua cota do fundo partidário a cada dois anos com os partidos maiores, orbitando-os como satélites de ocasião. Em troca de apoio político e eleitoral às grandes siglas, partidos nanicos e até de médio porte vendem espaços e oferecem seus cabos eleitorais a quem der o melhor preço no varejo, a cada nova eleição (vide a delação da Odebrecht), e essa passa a ser a sua própria razão de existir.

É evidente que a sobrevivência dessas dezenas de “legendas sem causa” é fator determinante para a crise de representatividade de nossas Casas Parlamentares. Pois bem: o que é que estimula a existência das referidas legendas senão o sistema de coligações? É da necessidade das coligações que se nutrem os partidos de aluguel. As eleições, para eles, passam a ser um fim em si mesmo (o momento de negociar seu passe no mercado eleitoral), e não um meio de chegar ao poder para pôr em prática alguma ideia ou projeto.

Sozinhas, essas siglas não conseguem se manter de pé, não elegem um parlamentar. Mas, no sistema de coligações, tornam-se necessárias para os partidos maiores. São legendas sem causa alguma, que só existem para explorar a dependência que, no atual modelo, os partidos maiores desenvolvem em relação a elas.

Além do mais, as coligações proporcionam as tão conhecidas anomalias que agridem a vontade do eleitor, em mais uma distorção da democracia. Na prática, você pode votar em um candidato de esquerda e ajudar a eleger um de direita que, por conveniência de momento das respectivas siglas, estava na mesma coligação. Pode votar num pastor evangélico e ajudar a eleger um defensor das minorias; ou votar em um sindicalista da metrópole e ajudar a eleger um coronel de algum reduto rural. E vice-versa.

Por tudo isso, qualquer princípio de depuração do nosso sistema eleitoral passa, necessariamente, pelo enxugamento dos partidos. E não dá para pensar em enxugar partidos sem acabar com as coligações e instituir a cláusula de barreira. Não por outro motivo, ambas as medidas deveriam se combinar já em 2018.

O ótimo é inimigo do bom. O ideal é inimigo do possível. Nesse caso, porém, esse “possível” ficou por demais distante do ideal. Ao adiar para 2020 a proibição das coligações, os deputados deram mais uma prova de que só legislam em causa própria e que estão anos-luz afastados da sociedade que deveriam representar.

“Calote eleitoral”

O diretor-geral do TRE-ES, Alvimar Dias Nascimento, avalia a aprovação do fim das coligações como positiva. “Não é o ideal, mas é um tema que já se debate há muito tempo. O STF entende que é uma teratologia. O eleitor vota em um candidato e elege outro. A coligação sempre foi feita como um arranjo de interesses pessoais, não pensando no processo eleitoral em si. Essa mudança é tímida, mas muito importante e há muito merecia ter sido objeto de extinção, porque deforma o processo. É um calote eleitoral.”

Mensalão e centrão

Passada a eleição, a existência das bancadas das siglas de aluguel no Parlamento tumultua ainda mais a governabilidade, ajudando a impor na prática um presidencialismo de coalizão subvertido em mensalinhos e mensalões. É um conjunto de bancadas minúsculas, mas múltiplas, que não representam nada nem ninguém, mas que se somam para chantagear o governo da vez. Inexpressivas se isoladas, têm força numérica se unidas, e foi daí por exemplo que surgiu o fenômeno do “centrão” manipulado por Cunha.

Necessidade

No sistema atual, a possibilidade de se coligar se transforma em necessidade: os partidos que realmente têm projeto de poder e de país (dá para contá-los nos dedos) passam a ter necessidade de fazer a coligação mais ampla possível. Essa dependência é explorada pelos de aluguel.

Um começo

A cláusula de desempenho e o fim das coligações têm como efeito esperado a redução do número de siglas. A primeira o faz de modo direto, já que é essa a própria finalidade da medida. Já o fim das coligações o faz indiretamente, matando de inanição os partidos sem causa, uma vez que eles perderão a real causa da sua existência. Deve ser esse o ponto de partida para qualquer mudança maior, como a adoção de outro sistema de votação e distribuição das vagas que não o proporcional (distrital misto, lista fechada etc.). É um começo imprescindível.

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