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Ativismo de conveniência

Confira a coluna Praça Oito deste sábado, 21 de outubro


Foto: Amarildo

Caro leitor, no momento em que lê esta coluna, aponte o ouvido para as ruas. O que você escuta? Alguma manifestação? Algum ato convocado por movimentos outrora tão atuantes “no combate incondicional à corrupção”? Ou um silêncio eloquente? No último fim de semana antes da votação da segunda denúncia contra Temer, ativistas que encheram as ruas e os pulmões para gritar “Fora, Dilma!” agora se encontram inertes. O Vem pra Rua não vai mais para a rua, nem chama ninguém a fazê-lo. O MBL (Movimento Brasil Livre) está mais para Marcha Bem Lenta ou Mocidade do Brasil Letargia. Por quê?

Quando se investigam os motivos dessa inatividade voluntária de quem costumava ser tão ativo em outro contexto político, despontam alguns argumentos: desânimo geral dos brasileiros e saturação com a corrupção de todos os lados? Ok, é verdade. Proximidade das eleições de 2018? Ok, faz sentido. Acima de tudo, porém, a atual inércia desses movimentos se explica por um cálculo político que joga a pá de cal naquele discurso do “somos apartidários”.

Hoje o MBL, o Vem pra Rua e congêneres se negam a protestar contra a corrupção no governo Temer porque avaliam que, a um ano da eleição, “ajudar a enfraquecer” o presidente só contribuiria para o fortalecimento do discurso de esquerda e para o reposicionamento do PT no jogo político. E a última coisa que querem, Deus os livre, é o PT de volta ao páreo. Têm todo o direito. Mas o movimento não era “apartidário”?

“A gente acredita que há uma manipulação muito grande por parte da esquerda. O PT, o MST, os movimentos do Lula têm muita vontade que a população saia às ruas para bater no Temer”, diz o empresário Alberto Campos, um dos representantes do Vem pra Rua no Espírito Santo. “Isso vai causar uma instabilidade muito grande no país no momento de véspera de eleição, que é tudo o que o Lula está querendo. Ele não poderá ser candidato, você pega o movimento de rua, mistura isso tudo, vai ter um grande quebra-quebra. Então, qualquer movimento que haja agora nas ruas é muito importante para eles. Querem que as instituições todas fracassem.”

No auge das manifestações contra Dilma, muitas pessoas replicaram em redes sociais: “A diferença é que nós combatemos a corrupção não importa o partido, enquanto eles (petistas e simpatizantes) defendem um partido, não importa a corrupção”. Hoje está provado que só a segunda parte era verdadeira: em regra, apoiadores do PT de fato se recusam ao exercício da autocrítica e preferem fechar os olhos à corrupção de seus líderes.

Quanto à primeira parte, protestar contra a corrupção no governo Dilma em 2015 e 2016 foi não só legítimo. Foi correto, diante de sinais tão graves de malfeitos, os quais só se multiplicaram desde 2014. O que não é correto é que movimentos que se diziam apartidários agora não só cruzem os braços como fiquem de braços dados com o governo Temer, por interesses políticos e eleitorais, apesar de todas as evidências de que uma quadrilha foi substituída por outra.

Hoje eles preferem não só se acomodar como confraternizar com o atual governo, tão corrupto quanto o anterior, se não mais. Por coerência, pelo menos por coerência, se a regra do “combate incondicional à corrupção” fosse verdadeira, era de esperar que os mesmos movimentos estivessem agora nas ruas. Afinal, qual é a diferença?

“Estávamos protestando contra a corrupção também, mas era mais que isso. Era contra a implantação do comunismo no Brasil. Essas coisas eram muito mais perigosas do que propriamente a corrupção. Era um projeto de poder, de comando do país”, responde Campos.

Ser contra determinado partido ou determinado governo é direito de todos. O que não é direito é fazer isso dizendo que a preocupação maior do movimento é “com o combate à corrupção”. Não quando, por pragmatismo, tolera-se no atual governo o que se condenava no outro.

“Tá lá pra isso”

Reportagem da revista Piauí teve acesso recentemente a conversas de membros e financiadores do MBL em um grupo no WhatsApp. Não fica vestígio de dúvida: apoiadores que são da agenda liberal levada à frente por Temer, eles priorizam no momento a aprovação da reforma da Previdência e de outras pautas e não farão nada que possa atrapalhar esse objetivo. Mesmo que isso signifique tolerar cordialmente a corrupção no governo Temer, enquanto mantê-lo no cargo for conveniente para eles. “O zumbizão tá lá pra isso kkk”, anotou um deles, no grupo.

Deixa como está

“Só não vamos alterar a configuração atual das forças políticas nem fornecer uma narrativa que favoreça o ressurgimento da esquerda enquanto isso. Essa é a tônica do que defendemos”, disse outro.

Vista grossa

Assim, os líderes nacionais do MBL preferem fazer vista grossa à corrupção de um governo que, ao contrário do anterior, tem uma agenda alinhada com a deles. O velho pragmatismo político grita mais alto que o discurso de “combate à corrupção, doa a quem doer” e até de “apoio incondicional à Lava Jato”.

Contradições do “novo”

Pretendem representar o “novo”, mas contemporizam com um governo que, em pouco mais de um ano, conseguiu sintetizar todas as piores práticas da “velha política”. Aceitam passivamente os malfeitos do governo Temer, em nome do conceito mais surrado e atrasado da política brasileira: o do “rouba, mas faz”. O nome disso é indignação seletiva.

Contradições do velho

A recíproca é verdadeira, e também são seletivas a memória e a indignação dos petistas, que não admitem os malfeitos do governo passado. Só os de Temer.

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