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Ruralistas no poder

Confira a coluna Praça Oito desta segunda-feira, 23 de outubro


Foto: Amarildo

Nem Temer nem Joesley Batista. Quem governa o Brasil neste momento é a bancada ruralista. Os prejuízos para a causa ambiental no Brasil e para direitos dos trabalhadores têm sido incalculáveis.

Governando de mãos dadas com a bancada do boi, Temer não assinou, até setembro, nenhum decreto de homologação de terras indígenas – última etapa do processo de demarcação. Para completar a obra, o peemedebista ainda tirou da manga duas medidas desastrosas para os povos indígenas e, principalmente, para a proteção do meio ambiente.

A primeira foi o novo “marco temporal” para demarcação de terras indígenas, que paralisou 748 processos em andamento no país. Anunciado pela AGU no dia 19 de julho, o parecer assinado por Temer adota os critérios e o entendimento jurídico defendidos pelos ruralistas: na prática, retira dos índios o direito de reivindicar a ocupação de terras sobre as quais eles não estavam em outubro de 1988, quando foi promulgada a Constituição Federal. Isso sem levar em conta o fato de que tribos tenham sido expulsas de seus territórios antes disso.

A segunda foi a tentativa de abrir a Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), na Floresta Amazônica, para a exploração de mineradoras a toque de caixa, por decreto baixado em agosto – mas depois revogado, sob forte pressão de ambientalistas e da comunidade internacional, para as quais a expansão do desmatamento seria consequência inevitável da medida. Situada entre o Pará e o Amapá, a reserva tem o tamanho do Espírito Santo, e compreende nove áreas protegidas, entre parques florestais, unidades de conservação e terras indígenas.

Aí, quando se pensava que Temer não poderia ir além na sanha de agradar aos ruralistas e atrair o repúdio do mundo inteiro (ou quase), ele consegue se superar com a obscena edição de novas regras que, na prática, dificultam a fiscalização e a punição de empregadores flagrados submetendo trabalhadores a condição análoga à de escravo.

A portaria do ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira (PTB), traz mudanças que determinam, por exemplo, que o responsável pela inclusão e divulgação de nomes na chamada lista suja, que reúne os empregadores flagrados por trabalho escravo, seja o titular desse ministério – e não mais uma equipe técnica. Ou seja, a inclusão estará condicionada a critérios políticos. A medida foi execrada pela Pastoral da Terra, por FHC e pela Organização Internacional do Trabalho. Para a entidade, a mudança é ilegal (por ter sido feita por portaria) e fará com que o Brasil, até então referência mundial no combate ao trabalho escravo, passe a ser tratado por organismos multilaterais como exemplo negativo nessa matéria, podendo até sofrer barreiras comerciais.

A portaria traz ainda algumas mudanças graves – e, novamente, defendidas pela CNI e pela CNA –, começando pela própria definição do que pode ser considerado “trabalho escravo”. Antes, pelo Código Penal, situações de servidão por dívida, trabalho forçado, jornada exaustiva ou condição degradante mereciam a classificação de “condição análoga à escravidão”. Agora, com a nova portaria, essas situações deixam de configurar escravidão. Se o fiscal flagrar tais condições, digamos, numa fazenda, só poderá autuar o patrão em caso de restrição de liberdade do trabalhador. Ou seja, um fiscal do trabalho praticamente só poderá agir se o trabalhador estiver preso a grilhões e sendo surrado num tronco.

Para atender aos ruralistas – inclusive arrebanhar apoio e votos e salvar seu pescoço do corte –, parece não haver limites para Temer. Esta semana ocorrerá a votação da segunda denúncia contra ele na Câmara. Vamos ver se ele realiza o impossível e se supera ainda mais em progredir no retrocesso.

Progresso do retrocesso

A nova portaria estabelece que a escravidão só é caracterizada quando há uso de coação, cerceamento do uso de meios de transporte, isolamento geográfico, segurança armada para reter o trabalhador e confisco de documentos pessoais.

Progresso do retrocesso 2

Antes, pelo Código Penal, um empregador flagrado sujeitando trabalhadores à escravidão ou situação análoga ficava na lista suja por pelo menos um ano e tinha que pagar débitos trabalhistas e obrigações aos trabalhadores cujos direitos violara. Agora, revogam-se tais obrigações.

Bancada da Bala

Enquanto sacia com uma mão a bancada do boi, Temer tem alimentado com outra a da bala: por meio de um decreto, o presidente suavizou, por exemplo, exigências do Estatuto do Desarmamento, como a ampliação de três para cinco anos a validade do registro de arma de fogo.

Lelo pragmático

Na bancada do ES na Câmara, os votos a favor de Temer devem partir de Marcus Vicente (PP) e Lelo Coimbra (PMDB). Este indica: “Como da primeira vez, será um voto analisando a transição deste momento até a eleição. Com o presidente afastado por 180 dias, a eleição indireta coincide com o mês de junho, já entrando na eleição de 2018. A economia precisa de estabilidade. É a eleição do ano que vem que vai resolver a vida do país”.

Risco de contaminação

Questionamos o deputado se ele não teme que, com tamanha lealdade a Temer, a impopularidade do presidente o contamine nas urnas. “Meu compromisso é com a estabilidade da economia e com a votação da Previdência. Não faço defesa pessoal de ninguém e sim da agenda que precisa ser cumprida neste momento. Esse é meu foco e meu compromisso.”

Cena política

De dirigente do PSDB-ES, revoltado com o partido em Brasília: “O PSDB agora tem cabeças brancas, cabeças pretas e sem cabelo”. A alusão é ao deputado Bonifácio de Andrada, autor do parecer pró-Temer na CCJ da Câmara. Aos 87 anos, o decano da Casa realmente é calvo, mas a referência é ao que ele simboliza em termos de “envelhecimento político” do PSDB.

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