> >
Ditadura Militar: capixabas sumiram após Geisel autorizar mortes

Ditadura Militar: capixabas sumiram após Geisel autorizar mortes

Relatório da CIA revelou decisão do ex-presidente em 1974

Publicado em 12 de maio de 2018 às 00:57

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
O general Ernesto Geisel passou a faixa presidencial a Figueiredo em 1979. (Arquivo | Agência Estado)

Ao menos dois capixabas morreram ou passaram a ser considerados desaparecidos políticos após 1º de abril de 1974. Segundo um memorando da CIA divulgado pelo governo dos Estados Unidos (EUA), foi nessa data em que o general Ernesto Geisel, então presidente militar, autorizou a execução de opositores políticos. Em todo o país, foram 89 pessoas, segundo levantamento do site G1.

Ambos nasceram em Santa Teresa. Um é o advogado e jornalista Orlando da Silva Rosa Bomfim Junior, de quem os familiares desconhecem o paradeiro desde 8 de outubro de 1975, quando ele tinha 60 anos. O outro é o estudante José Maurílio Patrício, considerado desaparecido desde outubro de 1974, quando tinha 30 anos.

José Maurílio Patrício é de Santa Teresa. Mudou-se para o Rio de Janeiro aos 22. Lá, envolveu-se com militância política. Estava no Congresso da UNE, em Ibiúna (SP), em 1968, e foi um dos vários presos. Participou da Guerrilha do Araguaia até ser vítima de desaparecimento forçado no Pará, em outubro de 1974. O corpo dele nunca foi encontrado. (Arquivo/CNV)

Orlando era do PCB e foi alvo da Operação Radar, que tinha por objetivo acabar com a militância do partido. Ele vivia no Rio de Janeiro. A família chegou a receber ligação anônima informando sobre a prisão dele, à época. Mas o Exército negou a tutela sobre ele. Apesar dos esforços de familiares, da OAB e da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), não há qualquer informação sobre restos mortais dele.

As informações sobre os dois capixabas estão no relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CN), criada pelo governo brasileiro em 2011 para investigar graves violações de Direitos Humanos cometidas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988.

Orlando da Silva Rosa Bomfim Junior, jornalista e advogado, era natural de Santa Teresa. Militante do PCB desde a juventude, tornou-se membro do comitê central do partido. Desapareceu no Rio, após a Operação Radar, deflagrada para eliminar o partido, em 1975. Não há informações sobre o paradeiro. (Arquivo/CNV)

MEMORANDO

O documento da CIA foi elaborado pelo então chefe da principal agência de inteligência americana, William Colby, e destinado ao então secretário de Estado dos Estados Unidos, Henry Kissinger. Está disponível no site do Departamento de Estado americano.

Mostra que três dos cinco que foram os presidentes militares tinham conhecimento e decidiam sobre quem morreria.

Há informações sobre duas reuniões das quais participaram, além de Geisel, o comandante do Centro de Informações do Exército (CIE), general Milton Tavares; o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), João Baptista Figueiredo – que substituiria Geisel na presidência, em 1979; e o general que assumiria o CIE, Confúcio Danton de Paula Avelino.

A primeira foi no dia 30 de março de 1974, 15 dias após a posse de Geisel. Na ocasião, Milton Tavares disse, em referência às ações na gestão Emílio Médici, que o país não poderia ignorar a “ameaça terrorista e subversiva” e que os métodos “extra-legais deveriam continuar a ser empregados contra subversivos perigosos”.

“O general Milton disse que cerca de 104 pessoas nessa categoria foram sumariamente executadas pelo CIE até agora. Figueiredo apoiou essa política e instou a sua continuidade”, informa o documento que era secreto até 2015.

Geisel pediu tempo para pensar e se manifestou em 1º de abril de 1974. “Geisel disse ao general Figueiredo que a política deveria continuar, mas que grandes precauções deveriam ser tomadas para assegurar que apenas subversivos perigosos sejam executados”, frisa o texto.

TODOS

Oficialmente, há seis capixabas nas listas de mortos e desaparecidos políticos da ditadura. Além de Orlando e Patrício, Lincoln Bicalho Roque, de São José do Calçado; João Gualberto Calatrone, de Nova Venécia; Arildo Valadão, de Muniz Freire; e Marcos José de Lima, de Nova Venécia. Todos sumiram em 1973.

Há, ainda, João Barcellos Martins, ex-prefeito de Muniz Freire, apesar de natural do município de Campos, no Rio de Janeiro. Ele era prefeito da cidade natal quando ocorreu o golpe militar. Resistiu e foi destituído. Morreu em seguida.

FILHO DE DESAPARECIDO FICOU SURPRESO COM MEMORANDO

Filho de desaparecido político, o cineasta Orlando Bomfim Neto recebeu com surpresa a informação de que o próprio presidente militar autorizou execuções sumárias. A decisão de Ernesto Geisel, em abril de 1974, pode ter mudado o destino do pai, o jornalista Orlando Bomfim Júnior, assim como o de toda a família, que passou a conviver com uma série de perguntas não respondidas. Ele disse que a revelação corrobora suspeitas de décadas.

“As instituições envolvidas na luta contra a ditadura já falavam dessa situação, criada pelas próprias Forças Armadas. É claro que se sabia de onde isso partia. Era uma coisa bárbara”, disse.

Historiador da Ufes e especialista no período da ditadura militar, Pedro Ernesto Fagundes lembrou que a execução era uma política de Estado.

“Quando fala-se execução sumária, não é conflito. Não é em combate. São pessoas que estavam sob a guarda do Estado e foram torturadas, mortas e desaparecidas. Orlando Bomfim, por exemplo, não aderiu à luta armada, não participava de guerrilha”, disse.

O coordenador da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Pedro Dallari, avaliou o conteúdo do memorando da CIA como “estarrecedor”. “É um documento estarrecedor, sem dúvida nenhuma, porque descreve com minúcia uma conversa que evidencia práticas abjetas e que um presidente da República com sua equipe tratou do extermínio de seres humanos”, comentou.

Este vídeo pode te interessar

O relatório final da comissão responsabilizou 377 pessoas por crimes cometidos na ditadura. Geisel é uma delas. (Com Agência O Globo)

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais