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Caso Marielle: Investigadores desconfiam de ligações de testemunha

Caso Marielle: Investigadores desconfiam de ligações de testemunha

A suspeita é que exista um jogo de interesses mais profundo que possa ter culminado no surgimento do principal relato

Publicado em 9 de junho de 2018 às 19:02

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Vereadora Marielle Franco (PSOL) no plenário da Câmara. (Divulgação)

Uma das principais linhas de investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes, que envolve no crime o vereador Marcello Siciliano (PHS), tem nuances que expõem a complexidade do caso e o jogo de poder entre diferentes grupos de milícias. Embora persigam a hipótese de que o vereador foi mandante do crime como uma das principais frentes para solucionar o crime, investigadores ficaram intrigados com as motivações e as ligações da testemunha-chave que apontou Siciliano como responsável pelos assassinatos. Siciliano sempre negou ter participação no crime.

Essa testemunha, um ex-miliciano cuja identidade permanece sob sigilo, afirma que Siciliano tinha interesse na execução de Marielle e que ouviu ao menos quatro diálogos em que o vereador discutiu a morte da colega e planejou o crime. De acordo com ele, Siciliano planejou a morte com Orlando Oliveira de Araújo — conhecido como Orlando da Curicica, ex-PM preso sob acusação de chefiar uma milícia no bairro que lhe dá o apelido. O relato foi revelado pelo GLOBO no dia 8 de maio.

A cautela sobre o relato incriminando Siciliano decorre do caminho que a testemunha percorreu até chegar aos investigadores que cuidam do caso. O ex-miliciano foi levado aos policiais por um delegado da Polícia Federal (PF), Hélio Khristian, que disse ter sido procurado pelo ex-miliciano. A testemunha também teria ligações com o agente federal aposentado Gilberto Ribeiro da Costa. Ele atualmente encontra-se lotado no gabinete do conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE) Domingos Brazão, irmão do vereador Chiquinho Brazão (Avante), que desde o ano passado trava com Siciliano uma briga por cargos municipais e espaços públicos na Baixada de Jacarepaguá.

Khristian e Gilberto já foram investigados, juntos, pelo Ministério Público Federal, por suspeita de corrupção. No caso de Khristian, a questão que intriga é que o delegado já investigou Siciliano no passado, em um caso que não foi resolvido. A suspeita é que exista um jogo de interesses mais profundo, como uma disputa entre milicianos, que possa ter motivado o surgimento da testemunha. Isso não significa que seu relato não seja verdadeiro, mas pode indicar, para os policiais, que exista alguma história não contada por trás.

- Além de contar como foram os diálogos entre os suspeitos (Orlando da Curicica e o vereador Marcello Siciliano), por ser uma pessoa de confiança da quadrilha, a testemunha relata outros crimes praticados pelos milicianos. Mas não basta só o depoimento do delator para incriminá-los sobre a morte de Marielle. Temos que buscar provas contundentes que corroborem com o relato mostrando quem executou a vereadora e o motorista Anderson Gomes - comentou uma pessoa que trabalha na investigação.

O caso em que Siciliano foi investigado por Khristian aconteceu no ano passado. No dia 16 de novembro, o vereador prestou depoimento na Delegacia de Prevenção e Repressão a Crimes Previdenciários (Deleprev) da PF, na condição de sócio da casa de show Barra Music, na Gardênia Azul, por suspeita de sonegação de tributos federais.

O Barra Music, que chegou a ser uma das maiores casas de espetáculo da cidade do Rio, com capacidade para 10 mil pessoas, fechou no ano passado, afundado em dívidas e afetado por desavenças entre os sócios. No depoimento de três páginas de Siciliano ao delegado Hélio Khristian, obtido pelo GLOBO, o vereador esforça-se em afastar os vínculos com a Barra Music e com os dois sócios da casa, Zulmar Rodrigo da Silva Lacerda e Ronaldo Lacerda. O parlamentar admitiu que entrou na sociedade para garantir que a casa não fechasse e, em consequência, os dois empresários deixassem de pagar uma dívida com ele, de dinheiro usado na conclusão das obras do Barra Music.

Uma pessoa ligada a Siciliano conta que o vereador e os outros sócios, depois de prestaram depoimento no ano passado, souberam que o procedimento investigatório não foi para frente. Nenhum deles fez qualquer denúncia contra o delegado da PF.

Em 2005, Khristian, um agente federal e um advogado foram denunciados pelo Ministério Público Federal sob a acusação de crimes de "prevaricação, violação de sigilo funcional e corrupção". Segundo a denúncia, o delegado teria extorquido dinheiro de empresários. Ele foi absolvido em duas instâncias judiciais. No entanto, no mês passado, chegou ao procurador da República do Controle Externo de Atividade Policial do MPF do Rio, Eduardo Oliveira Benones, um procedimento baseado numa decisão judicial para que haja um novo julgamento do delegado. Oliveira ainda está analisando o pedido. Khristian também responde a uma ação de improbidade administrativa que tramita há seis anos na 30ª Vara Federal do Rio.

O que os investigadores suspeitam é que Khristian possa ter apresentado a testemunha contra Siciliano movido por alguma desavença anterior em relação ao inquérito. Ou que milicianos contrários ao grupo do político tenham aproveitado a questão para tentar imputar o crime ao vereador.

Procurado pelo GLOBO, Khristian afirma que está arrependido de ter encaminhado a testemunha do caso Marielle à Divisão de Homicídios (DH). Para ele, as dúvidas sobre a sua conduta no caso e sobre o seu envolvimento em problemas disciplinares revelam uma tentativa de desqualificar a fonte para favorecer os personagens denunciados. O delegado, que já tomou o depoimento de Siciliano em inquérito na PF, garante que as investigações foram provocadas pelo Ministério Público Federal.

O delegado admitiu também que, em evento público, foi apresentado pelo agente aposentado Gilberto ao conselheiro afastado do TCE Domingos Brazão, irmão do vereador Chiquinho. Garantiu, porém, que não é amigo da família dos políticos. De acordo com ele, para não restar dúvida sobre a sua conduta, vai pedir aos chefes para deixar a presidência do inquérito sobre o Barra Music.

O vereador Chiquinho Brazão disse que, no trabalho em defesa da população, nunca se preocupou com políticos de menor expressão - numa referência indireta a Siciliano. Ao negar qualquer manobra para envolver o vereador do PHS com o crime de Marielle, Chiquinho Brazão disse que faz "uma política saudável", e sobre essas informações que circulavam, mostrando uma possível relação da testemunha com o gabinete de Domingos Brazão, seu irmão, limitou-se a responder que "isso aí não nos diz nada".

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