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Nações Unidas alertam para aumento de feminicídio na América Latina

Nações Unidas alertam para aumento de feminicídio na América Latina

Relatório mostra que notificações oficiais de morte de mulheres por essa causa chegaram a 1.831 em 2016

Publicado em 8 de agosto de 2018 às 11:51

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De acordo com os dados mais recentes fornecidos por 16 países da região (13 da América Latina e três do Caribe), foram registrados em 2013 um total de 1.496 feminicídios e, em 2016, o número subiu para 1.831. (Reprodução/Pixabay)

A preocupação com o alto índice de feminicídio nos países latino-americanos marcou o início da Terceira Reunião da Conferência sobre População e Desenvolvimento da América Latina e Caribe, nesta terça-feira, em Lima, capital do Peru. Organizado pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e pela Comissão Econômica da América Latina e Caribe (Cepal), o encontro tem como objetivo avaliar a evolução das dez metas de desenvolvimento sustentável fixadas em 2013 no Consenso de Montevidéu. Uma delas é o alcance da igualdade de gênero, que inclui a eliminação da violência calcada no poder de um gênero sobre outro. No entanto, de lá para cá, os índices deste tipo de violência — e das mortes resultantes — cresceram.

De acordo com os dados mais recentes fornecidos por 16 países da região (13 da América Latina e três do Caribe), foram registrados em 2013 um total de 1.496 feminicídios e, em 2016, o número subiu para 1.831. Chama atenção, entretanto, a ausência de dados fornecidos pelo Brasil. O país, que nos últimos dias teve casos de grande repercussão, como o da advogada jogada pelo marido do quarto andar de um prédio, não tem apresentado à Cepal ou às Nações Unidas quaisquer números relacionados à violência contra a mulher.

A ausência dessas informações é um entrave para que organismos internacionais recomendem políticas públicas específicas sobre este tema. Outro dificultador é que, mesmo no caso dos países que informam dados, há muita discrepância na forma de entender o conceito de feminicídio. Em Honduras, por exemplo, entende-se que quase todas as mortes de mulheres são feminicídio. Não à toa, o país é líder nesse indicador em números absolutos, com 466 registros somente em 2016. El Salvador vem em segundo lugar, mas liderando em termos de taxa: 11,2 mortes por feminicídio por cada cem mil habitantes. As nações com os índices mais baixos são Suriname, Chile, Costa Rica e Peru.

O relatório sobre o desenvolvimento da região lançado durante a conferência dedica um capítulo inteiro à discussão sobre os poucos avanços e os muitos desafios da América Latina para conter a violência baseada em gênero.

“É necessário padronizar as pesquisas de violência contra as mulheres e melhorar os registros administrativos, a fim de poder responder a esse fenômeno persistente”, diz o relatório. “Ao mesmo tempo, é necessário fortalecer as ações de prevenção, cuidado, proteção e reparação das afetadas. O bem-estar das sociedades latino-americanas será maior quanto menores forem as lacunas de gênero em todas as áreas, e essa redução de lacunas é especialmente urgente em relação ao feminicídio, a expressão mais extrema de violência e da discriminação de gênero. A vida de muitas mulheres ainda é perdida devido a mortes evitáveis na região todos os dias”.

Coincidentemente, o início da conferência acontece no aniversário de 12 anos da Lei Maria da Penha, assinada em 7 de agosto de 2006. Também nesta terça, o governo brasileiro divulgou que, entre janeiro e junho deste ano, a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência recebeu 72.839 denúncias, por meio do número de telefone 180. Houve aumento de 37,3% nos relatos de homicídio e de 16,9% nos de violência sexual em relação ao ano passado.

A representante do Brasil na conferência é Marise Nogueira, conselheira do Ministério das Relações Exteriores. No entanto, ela ainda não fez seu discurso no evento. O encontro dura até quinta-feira, dia 9, e até lá é esperado que haja uma apresentação feita por ela com foco no Brasil. A reunião foi inaugurada pelo presidente do Peru, Martín Vizcarra, e contou com a participação de um representante de cada nação, além de Mario Cimoli, secretário executivo adjunto da Cepal; Natalia Kanem, diretora executiva do UNFPA; e Patricia Chemor, secretária-geral do Conselho Nacional de População (Conapo) do México.

— Persistem grande desigualdades econômicas, sociais, de gênero, de acesso a serviços de saúde, de educação, de uma vida plena e a ampliação de oportunidades que devemos alcançar para ter um presente e um futuro mais justos e dignos para todas e todos — afirmou Patricia. — E um dos mecanismos para conseguir isso é precisamente o Consenso de Montevidéu.

O Consenso de Montevidéu é um documento, firmado em 2013 durante reunião desses mesmos países na capital uruguaia, que estabelece nove grandes áreas nas quais a região precisa se desenvolver. São elas: respeito aos direitos humanos; direitos das crianças e adolescentes; proteção social e econômica da população mais velha; acesso universal a serviços de saúde sexual e reprodutiva; igualdade de gênero; proteção aos migrantes; igualdade na mobilidade dos cidadãos; proteção aos povos indígenas; e combate ao racismo. Muitos desses aspectos, no entanto, têm indicadores difíceis de serem medidos.

Os próximos passos são a revisão e atualização do documento até final do mês que vem. A partir de então, o consenso passa a ser entendido como um acordo entre os países da região, apesar de não ser vinculante. Isto é, os países não têm obrigação de criar iniciativas para alcançar as metas e não serão punidos caso não alcancem. Mas é esperado que haja esse compromisso.

— Até 30 de setembro, serão consideradas todos os acréscimos e sugestões que os países enviem. Uma vez que eles sejam incorporados, o documento deixará de ser apenas um projeto para se tornar um compromisso de desenvolvimento sustentável. E os indicadores estabelecidos voltarão a ser avaliados em 2020 — disse Dereje Wordofa, diretor executivo do UNFPA.

Com Argentina, tema do aborto ganha destaque

O relatório também aponta a necessidade de melhorar o acesso de mulheres a direitos sexuais e reprodutivos para reduzir a gravidez indesejada e diminuir as complicações e mortes por aborto inseguro. Segundo o documento, “países como Brasil, Costa Rica, El Salvador, Guatemala e Peru mencionam que, embora a contracepção de emergência tenha se difundido mais nos últimos anos, ainda é difícil de obter no sistema público de saúde”.

Com relação ao acesso a aborto nos casos já previstos em lei no Brasil — risco de vida para a mulher, estupro e feto com anencefalia —, o relatório informa que, a partir de dados fornecidos pelo país, existem 77 serviços cadastrados para realizar o serviço. No entanto, o texto também destaca que, segundo a legislação brasileira, qualquer unidade de saúde está habilitada para fazer o aborto legal.

Durante a fala do representante da Argentina na conferência, Roberto Candiano, os aplausos tomaram conta do salão quando ele mencionou a proximidade da votação sobre a descriminalização do aborto no Senado argentino, prevista para esta quarta-feira, dia 8. Nesse momento, muitas mulheres na plateia ergueram lenços verdes em sinal de apoio à descriminalização. Ao final do discurso, elas passaram a entoar, em espanhol, o grito de guerra “Que seja lei”.

Brasil se destaca em diminuição da pobreza e combate à Aids

O documento traz, também, pontos positivos do Brasil. Um deles é a pequena taxa de pessoas abaixo da linha da pobreza. O índice brasileiro é o menor de toda a América Latina, com 8%. Em segundo, vem o Uruguai, com aproximadamente 10%. Em relação à pobreza, todos os países da região reduziram seus índices de 2013 para 2015, exceto três: El Salvador, México e Venezuela. Percentualmente, o país que mais avançou na redução da pobreza nesse período foi o Chile.

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Outro destaque é a contínua atenção à saúde de pessoas com HIV no Brasil. Com um programa de HIV/Aids pioneiro na América Latina e reconhecido em todo o mundo, o país tem conseguido evitar o aumento de novas infecções.

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