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O X da questão: por que a previdência é questão fundamental para o país

O X da questão: por que a previdência é questão fundamental para o país

Paulo Tafner e Pedro Nery são duas referências em economia que inauguram esta seção semanal com questões centrais da agenda eleitoral, até 7 de outubro

Publicado em 12 de agosto de 2018 às 00:45

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Os economistas Paulo Tafner e Pedro Nery discutem a Previdência. (Montagem)

Por que se fala tanto em reforma da Previdência? Por mais impopular que seja o tema, é impossível fugir dele, porque um sistema previdenciário mais sustentável é garantia de mais justiça social e crescimento econômico. Na estreia desta seção que será publicada aos domingos durante o período eleitoral, fizemos cinco perguntas sobre o tema a dois economistas que são referências nacionais sobre o assunto: Paulo Tafner e Pedro Nery. Quem contribui obviamente quer se aposentar e deve continuar tendo esse direito, mas não nos termos atuais, sustentando privilégios dos estratos sociais mais abastados. Em linhas gerais, é essa linha que ambos defendem.

Por que a Previdência precisa ser reformada? Quais são as mudanças imprescindíveis?

PAULO TAFNER: Porque nossa Previdência tem regras anacrônicas. Regras que não são compatíveis com um país que se urbanizou, reduziu drasticamente a mortalidade de crianças, adultos e idosos e que elevou a esperança de vida para mais de 72 anos, em média. Em muitos casos, um indivíduo passa mais tempo recebendo benefícios do que pagando contribuições. Além disso, há enorme desigualdade de tratamento. Pobres se aposentam tarde com baixo valor de benefício e ricos se aposentam cedo com aposentadorias muito altas. É um oceano de equívocos. Isso fez com que os gastos previdenciários crescessem de forma preocupante: gastamos mais de 12% do PIB com previdência, mas somos ainda um país jovem que envelhecerá rapidamente nas próximas duas décadas.

E o que deve ser mudado? O que é imprescindível?

Primeiramente, estabelecer uma idade mínima para que o indivíduo possa se aposentar. Repare que isso atinge basicamente os estratos mais abastados da sociedade, pois o pobre já se aposenta mais tarde. Em segundo lugar, corrigir distorções graves entre aposentadorias de trabalhadores do setor privado e do setor público. Devemos estabelecer regras iguais para todos os trabalhadores. Por fim, temos que afastar os fantasmas do passado quando o governo achatava a aposentadoria dos idosos não corrigindo o benefício pela inflação. Isso deve ser garantido. Mas apenas isso. Portanto, devemos desindexar os benefícios do salário mínimo. Nenhum contrato é indexado ao salário mínimo. O mesmo deve se aplicar a aposentadorias e pensões.

 

PEDRO NERY: O gasto previdenciário já responde por 58% das despesas primárias da União. Sem reforma, e com o teto de gastos, ele chegará a 80% em 10 anos. Não sobrará quase nada para educação, saúde, combate à pobreza, infraestrutura. A alternativa a não reformar é elevar impostos, em cerca de uma CPMF por ano, ou emitir ainda mais dívida - o que eleva os juros para toda a sociedade. O pior dos mundos seria financiar o problema com impressão de moeda, trazendo de volta a hiperinflação, que penaliza os mais pobres.

É imprescindível que se crie uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, que ainda não existe. A pensão por morte também precisa ser proporcional ao número de dependentes: hoje o orçamento da pensão já é maior que o da saúde ou o da educação. E é preciso uma reforma rápida no regime dos servidores, que além de concentrar renda, ameaça falir a maioria dos Estados brasileiros. Para outras mudanças, sobre benefícios de populações mais vulnerável, como na aposentadoria rural, há menos consenso sobre a mudança.

Há tempos que reformar a Previdência é importante, mas a reforma nunca sai. O que acontece? Qual é a dificuldade?

 

PAULO TAFNER: O que acontece é que a reforma da previdência atinge basicamente os estratos privilegiados da sociedade. E esses grupos são organizados e têm forte e amplo acesso aos meios de comunicação e aos congressistas. Fazem manifestação no Congresso e chegam até a quebrar o Congresso Nacional, tentando com isso impedir a reforma. O mais impressionante é que dizem defender os pobres, mas não querem que sejam aplicadas a eles as regras que definem a aposentadoria dos pobres. É uma desfaçatez. Mas essa estratégia tem tido sucesso e impedido a reforma. Estou esperançoso que um novo governo, ungido pela legitimidade do voto popular, aprove rapidamente uma reforma, para dar sustentabilidade ao sistema e garantir que as aposentadorias e pensões sejam pagas.

 

PEDRO NERY: É difícil em qualquer país. Uma reforma como essa gera a mobilização imediata de grupos contrários, que são organizados porque são homogêneos e têm perdas concretas em curto prazo. Só que quem ganha - a sociedade como um todo e em especial os mais jovens - não é um grupo homogêneo e nem percebe os ganhos de maneira imediata. Não existe a “Associação Nacional dos Sem Saneamento Básico” ou a “Federação de Crianças que vai pagar a conta amanh㔠para fazer protestos a favor da Reforma da Previdência.

E se novamente a reforma não sair?

 

PAULO TAFNER: Bem, se a reforma não sair então teremos apostado no caos. Atualmente a previdência já é responsável por mais de 50% do orçamento da União. Nos Estados e nas capitais salários de servidores estão em atraso, e o principal item de despesa é a previdência de seus servidores. Sem reforma, essa despesa continuará a crescer, pois mais gente vai se aposentar, aumentando o estoque de benefícios a pagar. União, Estados e grandes municípios coletarão impostos de toda a sociedade para pagar aposentadorias e pensões. Não haverá recursos para gastos com saúde, educação, segurança e outros. Os investimentos públicos, que já são muito reduzidos, simplesmente desaparecerão. O Estado no Brasil existirá apenas para pagar salários dos servidores e aposentadorias e pensões. E o contribuinte? Bem, o contribuinte pagará seus impostos e não terá serviços, nem investimentos. É uma equação que não fecha. A pergunta de todo contribuinte será: por que pagar impostos se nada tenho em troca? É um estímulo à deserção social. Para resolver isso haverá dois caminhos possíveis – e ambos muito indigestos: (i) aumentar impostos; ou (ii) produzir inflação. Evidentemente que pode ocorrer uma mistura dos dois: inflação e aumento da carga. E isso é deletério para economia. Não teremos crescimento.

PEDRO NERY: O próximo presidente não vai cumprir nenhuma de suas promessas, vai basicamente administrar um naufrágio junto com os outros Poderes. Corre risco de ser impichado, porque regras constitucionais sobre financiamento do Estado podem ser rompidas: como a Regra de Ouro (que impede que o governante se endivide para pagar despesas correntes) ou a própria proibição do Banco Central financiar o Tesouro. Podemos voltar aos anos 80 nesse sentido.

Quais são as distorções do sistema previdenciário brasileiro? Aposentamos cedo demais? Como funciona em outros países?

 

PAULO TAFNER: Sim, há muitas distorções no nosso sistema previdenciário. Aposentamos cedo demais, pagamos pensões integrais, permitimos a acumulação sem limites. Há gente que recebe 3, 4 ou mesmo 5 benefícios. E tudo dentro da lei. Um terço das mulheres no Brasil se aposenta com menos de 50 anos. E, em média, vivem até mais de 80 anos. O curioso e lamentável é que quem tem acesso a esses privilégios é o rico. O pobre se aposenta bem mais velho e recebe pouco. A empregada doméstica se aposenta aos 60 anos, mas sua patroa, aos 50. A primeira ganha um salário mínimo e sua patroa ganha 6 ou sete vezes mais. Esse é nosso sistema. E os privilegiados não querem mudança. E dizem que não querem porque alegam defender os pobres. É um escárnio.

Na grande maioria dos países há uma idade mínima para todos. É um fator de igualdade. Também na grande maioria dos países, a pensão não é paga integralmente, no caso de não haver filhos menores. Na grande maioria dos países a diferença de idade entre homens e mulheres é menor do que a existente no Brasil (5 anos aqui). Um em cada três países já tem idade de aposentadoria igual entre homens e mulheres. E idades elevadas: 64, 65 ou mesmo 67 anos. Tudo isso faz com que nosso sistema seja disfuncional, anacrônico e especialmente dispendioso.

PEDRO NERY: Quase todo benefício possui alguma distorção importante. Mas não são todos os brasileiros que se aposentam cedo: os mais pobres acessam somente benefícios com idade mínima alta. Pedreiros e empregadas domésticas tendem a se aposentar só aos 65. A principal distorção são os trabalhadores mais bem posicionados na distribuição de renda poderem se aposentar cedo e com os maiores valores, como no caso dos benefícios dos servidores públicos e, no INSS, da aposentadoria por tempo de contribuição .

Por que chegamos a essa situação? É uma questão apenas de distorções e privilégios ou o fator demográfico está pesando muito?

 

PAULO TAFNER: Chegamos a uma situação grave porque nos recusamos a encarar a realidade. Porque insistimos em manter privilégios. Porque a cultura prevalente no Brasil é a da desigualdade e do privilégio. Não aceitamos a igualdade entre nós. E o mais curioso é que essa cultura é tão profunda que partidos de esquerda, que seriam mais propensos a defender teses de maior igualdade, aqui no Brasil representam o que há de mais atrasado: a manutenção de privilégios.

A piorar esse quadro, a população brasileira já está passando por um acelerado processo de envelhecimento que se prolongará para as próximas quatro décadas. Em 2000 a idade mediana do brasileiro era 28,6 anos. Atualmente já 32,5 anos. Em 2040 será de 41,5 anos. Em quarenta anos deixaremos de ser jovens, para sermos um país de meia idade. E o pior: vinte anos mais tarde (2060), quando a idade mediana de um brasileiro será de 47 anos, estaremos entre os países mais envelhecidos do mundo. Se nada for feito – e rapidamente – estaremos fadados ao fracasso enquanto nação. Seremos pobres e velhos.

PEDRO NERY: A questão demográfica pesa muito, e a sociedade precisa entender isso. Mudamos muito rápido. Estamos vivendo mais, o que é maravilhoso, e por outro lado as famílias passaram por uma mudança profunda, decidindo ter pouquíssimos filhos. Nosso processo de envelhecimento é um dos mais rápidos do mundo. A expectativa de vida aos 65 já é superior a 81 anos em todos os Estados. Mas tínhamos 6 filhos por mulher em 1960 e agora estamos chegando em 1,5. Como nosso sistema é de repartição, em que quem trabalha transfere renda para quem não trabalha mais, o desafio para financiar a Previdência (e, daqui a pouco, o SUS) é gigantesco.

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