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Governo do Estado omite informações sobre uso de helicóptero por Hartung

Governo do Estado omite informações sobre uso de helicóptero por Hartung

Após oito meses, reportagem ainda não teve acesso a todas as informações sobre uso das aeronaves. Pedido foi feito via Lei de Acesso à Informação em janeiro

Publicado em 15 de agosto de 2018 às 20:16

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Helicóptero utilizado pelo Notaer-ES. (Reprodução/Facebook)

Os cinco helicópteros do Núcleo de Operações e Transporte Aéreo do Espírito Santo (Notaer-ES) – entre eles o que se envolveu em acidente com o governador Paulo Hartung (MDB) na última sexta (10) – são utilizados para a realização de operações policiais, transporte de órgãos doados para transplante, atividades da Defesa Civil e ainda para as viagens institucionais do governador, dos seus familiares, do vice e de outras autoridades em missão no Estado.

A fim de saber como essas aeronaves são utilizadas pelo governo, a reportagem do Gazeta Online tenta, desde janeiro deste ano, ter o detalhamento das viagens institucionais, como quanto custam, quem foi transportado e quais são os destinos desses traslados pagos com o dinheiro público.

No entanto, mesmo tendo acionado o Executivo por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), dados solicitados pela reportagem foram omitidos, prazos legais não foram respeitados e, oito meses depois do pedido de acesso à informação, o governo estadual ainda não respondeu integralmente os questionamentos – nem sequer negou resposta –, o que representa um descumprimento da lei, na avaliação de especialistas.

De acordo com a diretora de Operações da Transparência Brasil, Juliana Sakai, a primeira irregularidade no processo de resposta do governo do Estado se deu ao ultrapassar o prazo de retorno da solicitação de informações públicas. O pedido foi feito no dia 22 de janeiro e o prazo venceu no dia 21 de fevereiro, sem respostas e sem justificar o motivo de o pedido não ter sido respondido. Foi quando a reportagem entrou com um "recurso por omissão".

"A lei é clara e diz que a resposta para o pedido precisa ser imediata e tem um prazo de 20 dias, prorrogáveis por mais 10, a ser cumprido. O pedido é de uma informação básica para a sociedade fazer o controle do governo, não se pode demorar muito. É algo que as pessoas precisam saber durante as eleições ou antes do mandato acabar. Foram oito meses de espera, de um governo de 48 meses, quase um sexto do mandato para responder. Essa primeira omissão já um descumprimento. Não é razoável que se demore tanto", afirmou Sakai.

BUSCA DOS DADOS

Pedido feito pela reportagem via Lei de Acesso à Informação em 22 de janeiro. (Reprodução/Ouvidoria)

Após reclamar da omissão de resposta, o processo, que havia sido encaminhado para a Secretaria da Casa Militar, foi encerrado e se tornou um novo pedido de acesso à informação, com um número novo de protocolo e um novo prazo, 27 de março, desta vez a ser respondido pela própria Secretaria Estadual de Controle e Transparência (Secont).

No dia 23 de março o pedido foi encerrado, sem fazer qualquer menção ao uso dos helicópteros do Notaer. Na justificativa, a Ouvidoria alegou que "enviou um ofício de Comunicação Interna (CI) à Secretaria da Casa Militar", órgão responsável pelo Notaer, "mas que não recebeu respostas".

Resposta enviada após a primeira solicitação de informação ter sido encerrada. (Reprodução/Ouvidoria)

Na mesma mensagem, a Ouvidoria esclarecia que ainda cabia um novo recurso, a ser analisado pela Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), que se reúne a cada 60 dias e é composta pelo alto escalão do governo, entre eles os secretários Ângela Silvares (Governo), Roberto Carneiro (na época na Casa Civil), Andréia Lopes (Comunicação) e o procurador-geral do Estado, Alexandre Alves. O grupo é presidido pelo secretário de Transparência, Marcos Pugnal.

O pedido só foi lido pelo grupo no dia 11 de junho, quando o procurador Alexandre Alves foi indicado, por unanimidade, para ser o relator do caso. O prazo de 60 dias venceu na última sexta, 10 de agosto, mas a reunião da CMRI ainda não foi realizada. A ata da reunião foi publicada no site da Secont nesta quarta-feira, dia 15 de agosto.

Também neste dia 15 foi realizada uma nova reunião da CMRI, no entanto, o processo do pedido sobre o uso dos helicópteros não foi julgado, já que o relator do caso faltou a reunião devido a uma agenda de trabalho. De acordo com a Secont, uma reunião extraordinária para tratar sobre este pedido será realizada em breve.

Ata publicada nesta quinta-feira (15) no site da Secont. (Rafael Silva Freitas)

Paralelamente, em 12 de abril a reportagem entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública (Sesp), que responde sobre demandas da Casa Militar, e fez os mesmos questionamentos solicitados via Lei de Acesso à Informação. Quatro dias depois, a resposta veio em forma de uma planilha com os destinos das viagens, as datas em que foram realizadas e as agendas que motivaram o deslocamento.

As informações sobre os gastos das viagens, o modelo dos helicópteros utilizados e as pessoas que viajaram junto com o governador e o vice, no entanto, não foram respondidas. No mês seguinte, no dia 3 de maio, a mesma planilha foi enviada pelo portal da Ouvidoria, como resposta parcial do pedido de informação.

Aspas de citação

É uma forma de prevaricar muito comum que é utilizada pelos órgãos públicos. Eles sabem o que está sendo pedido, respondem parcialmente o que foi solicitado e fingem que estão dando a informação. Te enchem de documentos para fazer um volume nas respostas, com um objetivo que me parece que é apenas causar uma distração e assim ganhar tempo

Juliana Sakai, diretora de operações da Transparência Brasil
Aspas de citação

OUTRO LADO

Helicóptero utilizado pelo Notaer, do Governo do Estado. (Reprodução/Facebook)

Por nota, o governo do Estado disse que as informações solicitadas pela reportagem, referentes ao uso de helicóptero pelo governador, foram respondidas no dia 19 de abril, por meio da assessoria da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp), com informações da Casa Militar, "tendo como base uma planilha detalhando datas, destinos e agendas das viagens".

"Quanto ao recurso do Pedido de Acesso à Informação realizado pelo repórter, o processo encontra-se em trâmite na Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI), dentro dos prazos legais, previstos no Decreto Estadual nº 4213-R/ 2018 e no regimento da Comissão. O andamento do mesmo pode ser acompanhado pelo requisitante, por meio do Sistema Eletrônico de Protocolo (SEP), conforme foi informado pela Ouvidoria-Geral do Estado ao manifestante", informou a nota.

O QUE NÃO FOI RESPONDIDO

Passageiros

A Ouvidoria não respondeu à reportagem qual era a tripulação das aeronaves em cada uma das 281 viagens realizadas.

Despesas

O órgão não respondeu qual foi o gasto realizado em cada viagem com despesas como combustível, manutenção e mão de obra.

Orçamento

Também foi solicitado, sem retorno, os gastos com essas viagens por ano.

Modelos

O pedido também questionava quais eram as aeronaves e os modelos utilizados para as viagens do governador e do vice.

Órgão

Outro questionamento foi sobre os órgãos aos quais os helicópteros pertencem.

Formato

Havia ainda o pedido para que as informações fossem disponibilizadas em um formato de planilha, para melhor análise dos dados. Porém, o que foi informado, foi enviado em um arquivo só de leitura em texto, que não permite edições.

DESRESPEITO À LEI PODE VIRAR ATO DE IMPROBIDADE 

As penalidades previstas na LAI para órgãos que não responderem aos pedidos de acesso à informação  podem configurar atos de improbidade administrativa. De acordo com o promotor e membro auxiliar da Ouvidoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Pedro Ivo de Sousa, esses atos podem ter diversos desdobramentos e até a possibilidade de serem caracterizados como crime.

"No campo teórico, sem tomar um juízo de valor deste caso, o descumprimento da LAI pode originar uma representação ao Ministério Público, que pode requerer essas informações ao órgão competente e, se não forem informadas, pode ser entendido como um ato criminal. É claro que os pedidos cabem recursos, há informações que são sigilosas e que não podem ser passadas, mas isso precisa ser justificado. Não pode ficar ad eternum sem responder", explicou.

GOVERNADOR "DEU" UMA VOLTA E MEIA NA TERRA COM HELICÓPTERO DA PM

Governador Paulo Hartung fala após acidente de helicóptero em Domingos Martins. (Reprodução)

Do início do mandato do governador Paulo Hartung (MDB) até o dia 15 de abril de 2018, foram realizadas 281 viagens institucionais pela governadoria, sendo 226 feitas pelo próprio emedebista e outras 55 realizadas para transportar o vice-governador, César Colnago (PSDB). As informações são da resposta parcial enviada pela Secretaria de Segurança Pública e, posteriormente, via Lei de Acesso à Informação (LAI) à reportagem do Gazeta Online

Foram pedidos o número de viagens, o gasto com elas, os locais de saída e os destinos, os passageiros a bordo das aeronaves, os modelos das aeronaves e o órgão a que elas pertencem. No entanto, o governo estadual informou apenas as datas, os destinos e as agendas que motivaram as viagens.

A agenda da maioria dos deslocamentos foi para a realização de inaugurações no interior do Estado, com 91 ocorrências; visitas a obras e instalações, com 72 casos; e reuniões com lideranças políticas e empresariais, com 17 ocorrências. Outra agenda recorrente nas viagens do governador feitas pelos helicópteros do Notaer são para velórios, com 17 casos.

Hartung usou uma aeronave, por exemplo, para viajar até Aracruz, onde participou de um evento de apresentação das contas do deputado estadual Erick Musso (PRB), em dezembro de 2017. Há ainda um deslocamento até Vargem Alta para a inauguração de um alambrado e um vestiário em um campo de futebol, na comunidade de Vila Maria.

O município mais visitado pelo governador nos primeiros 28 meses de governo foi Cachoeiro de Itapemirim, com 31 acionamentos no Notaer para idas até a cidade. Em seguida aparece Linhares, com 28 viagens; Colatina, com 26; Domingos Martins, com 25; e Aracruz, com 18 deslocamentos.

Traçando uma linha reta entre as rotas de sobrevoo das viagens da governadoria, foram percorridos 66.860 quilômetros de helicóptero, o que equivale a mais de uma volta e meia na circunferência da Terra, seguindo a Linha do Equador, de acordo com cálculos da reportagem.

O uso das aeronaves pelo emedebista corresponde a 12,48% das vezes em que os helicópteros levantaram voo do Quartel do Comando Geral (QCG) da Polícia Militar, em Maruípe. A maior parte das missões dos pilotos é destinada a operações policiais (41%), seguida de transportes aeromédicos (19%) e instruções de voo (15%).

A reportagem havia pedido, via Lei de Acesso à Informação, o custo dessas viagens, o que não foi informado. Baseado no modelo informado da aeronave que sofreu um acidente na última sexta (10), um AS 350 B2 de fabricação da Helibras, calculamos o consumo do helicóptero e o gasto mínimo com combustível para percorrer a distância registradas nas viagens do governador.

Modelo utilizado pelo governador no último dia 10, dia do acidente, era um AS 350 B2. (Marcelo Prest)

Considerando que a autonomia do tanque de 426 litros deste modelo pode chegar a 666 quilômetros percorridos e que o preço do querosene para aviação (QAV) no Aeroporto de Vitória é de R$ 2,15, a despesa em combustíveis pode ser estimada em R$ 92.246. Gastos com manutenção e da mão de obra envolvida nas operações de transporte não puderam ser calculadas.

Outra informação que foi omitida é a relação de passageiros nas viagens pagas com recursos públicos. A aeronave utilizada por Hartung na última sexta, por exemplo, comporta entre cinco e seis passageiros, segundo fichas técnicas do modelo.

A reportagem pediu à assessoria de imprensa da Secretaria de Governo, nesta quarta-feira (15), a metodologia utilizada para decidir o acionamento dos helicópteros do Notaer. Até o fechamento desta reportagem não houve retorno da demanda.

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