Um país dividido em dois. Famílias, amigos, vizinhos e colegas de trabalho em pé de guerra por causa das eleições 2018. Nas redes sociais, em especial em grupos de WhatsApp, a confusão está generalizada. As brigas começam, principalmente, após compartilhamento de memes e notícias – muitas falsas.
De cada lado, a partir de experiências positivas ou negativas com os ideais dos dois polos, um tenta convencer o outro de que fez a escolha certa, com mensagens, discussão e até agressões verbais para defender o seu ponto de vista.
Com a mente de ambos os lados funcionando no modo primitivo e dominada pelas emoções, ódio, medo e nojo imperam. E essas emoções poderosas inibem a nossa capacidade de pensar e ser racional. Nesse contexto, o diálogo se torna impossível. No máximo, um tenta convencer o outro da sua verdade.
Mas, em meio a tudo isso, o que nos esquecemos é que entre "bolsominions" e "petralhas" – duas maneiras pejorativas que grupos opostos definem apoiadores dos candidatos que disputam o segundo turno Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) –, existem pessoas, de ambos os lados, com muito medo do que será do Brasil depois do dia 28.
Como as eleições passam, mas os relacionamentos ficam, o Gazeta Online convidou a doutora em Psicologia Social pela USP Angelita Scardua para explicar o que acontece com a nossa mente para agirmos dessa maneira. A psicóloga e terapeuta familiar Adriana Müller também dá dicas de como conviver com o outro nesse período delicado.
BUSCA PELAS MESMAS OPINIÕES
Para começar a entender, Angelita conta que existe um mecanismo que age no nosso cérebro e explica por que as pessoas buscam confirmar as próprias opiniões com outras que pensam da mesma maneira. "É o chamado viés de confirmação, um mecanismo cognitivo que nós utilizamos. O objetivo dele é nos dar a sensação de que nós não estamos sozinhos, de que aquilo que nós acreditamos é o certo, correto, bom. Ou seja, o objetivo é nos dar segurança."
Esse mecanismo é muito atuante em processos eleitorais. "Em qualquer disputa, esse mecanismo de sobrevivência que todos nós temos entra em ação na nossa mente. Imagina no mundo primitivo, se eu estivesse em um grupo e nós fossemos explorar um território novo. Se a minha opinião fosse contestada pelo grupo, eu colocaria em risco não só a minha segurança pessoal, mas de todo o grupo. Era uma questão de vida ou morte mesmo. Entrar em um território cheio de animais predadores do ser humano seria a morte da tribo inteira. Na medida que o grupo confirma a minha crença, eu me sinto mais segura para seguir adiante."
Assim, a pessoa vai buscar informações e grupos que confirmem as crenças pessoais dela. E como as nossas crenças se formam?
"TODO MUNDO ACHA QUE ESTÁ CERTO"
Segundo a psicóloga, muitas vezes somos levados a acreditar que as nossas crenças são racionais, mas há vários estudos na Psicologia que mostram que as crenças são emocionais. "Todo mundo acha que está certo. Tenho convicção que estou correta porque é a minha experiência. Não vou me relacionar com pessoas que pensam diferente de mim, que defendam algo diferente do que eu defendo, porque se entro em contato com pessoas que pensam diferente de mim, eu me sinto insegura e eu não quero me sentir insegura. Todos nós queremos ter certeza."
É POSSÍVEL ENTENDIMENTO?
Dos dois lados há uma resistência muito grande de rever as posições - já percebeu? "Se uma parcela enorme da população não concorda com determinado ponto de vista, vamos tentar entender por que eles não concordam? Vamos sentar, dialogar. Não há tentativa de entendimento, mas de convencimento que o outro está errado e aí não chegamos a lugar nenhum. Porque cada vez que eu tento avançar sobre a crença do outro, convencendo-o da minha própria crença, ele vai resistir."
RAIVA, MEDO E NOJO
Angelita afirma que, com algumas pessoas será possível estabelecer algum diálogo, mas a maioria das pessoas, nesse momento, não tem condições. "Não tem nem a tentativa de entender o pensamento do outro, é um julgamento, uma condenação do que o outro pensa. Aí eu já enquadro o outro. Elas estão muito tomadas por essas questões psicológicas, que são subconscientes."
"MELHOR SILENCIAR"
Nesse momento, se você sente que a pessoa está muito agressiva, não adianta tentar argumentar. "Não há espaço para a razão. É melhor silenciar, se afastar. Ela só vai acatar opiniões que confirmem a crença dela. No fim das contas, esse é o problema quando chegamos em uma situação de radicalismo, o diálogo fica impossível. Aí a opção vai ser feita no medo e na raiva, que são as piores opções que a gente pode fazer para o coletivo. Pode ser a melhor opção para mim e para o meu grupo, mas para a coletividade é a pior possível. Que é o que estamos fazendo agora. Nós chegamos em um ponto que, de um lado ou de outro, o país perde, por conta desse radicalismo."
POLÍTICOS E FAKE NEWS
Os políticos ou os idealizadores das campanhas políticas se aproveitam disso e começam a trabalhar com o medo e a raiva das pessoas, diz a psicóloga.
"Isso vai criando um cenário de divisão em que os eleitores vão vendo o lado oposto como inimigo, não importa se ele é seu padrinho, irmão, amigo... Todo mundo que não confirma a sua expectativa passa a ser visto como inimigo e ser combatido."
ARREPENDIMENTO
"Depois do 2° turno, as pessoas vão perceber que, na prática, pelo menos nos primeiros meses, a vida vai mudar pouco, pois tem toda a transição de governo. A não ser que um candidato queira instaurar uma constituinte. Mas, na média, se tudo ocorrer como normalmente ocorre, nós vamos perceber que brigamos tanto, ofendemos tanto, que alimentamos tanta raiva em relação às pessoas importantes para a gente e, um mês depois de eleito, o nosso candidato estará confraternizando com as pessoas que nós xingamos e falamos horrores sobre eles. Vamos ter brigado com quem amamos por conta de pessoas que estão mais preocupadas em resolver a vida delas do que a nossa", acredita Angelita.
JUSTIFICATIVAS PÓS-ELEIÇÃO