Desde que foram eleitos ou reeleitos, em 2016, não faltaram crises para vereadores e prefeitos de algumas das principais cidades do Estado. Ao menos 16 políticos foram afastados dos cargos, presos ou cassados. As confusões costumam ser acompanhadas por barulhentas brigas entre governo e oposição.
Atualização: a reportagem inicial não incluía o nome dos vereadores de São Gabriel da Palha Tiago dos Santos (PP) e Wagner Lucas dos Santos (SD). Eles também estão afastados das funções, desde março. O vereador Dito Xaréu (SD), de Guarapari, afastado no início de junho, também foi incluído depois. Esse texto está sendo atualizado com os afastamentos determinados após sua publicação.
A política é tradicionalmente acirrada em municípios do interior. No entanto, segundo especialistas, aspectos da vida nacional podem estar contribuindo para que os tensionamentos sejam um pouco mais ruidosos.
É a cidade da Serra que reúne a maior quantidade de "papelões" políticos. A coleção começou ainda na posse dos vereadores, em 2017, quando a sessão solene virou uma grande confusão para a qual foi necessária a presença da polícia.
O que começou mal foi ficando pior, com vereadores envolvidos em esquema de rachid e até de cartel. Eleita presidente da Câmara, Neidia Pimentel (SD) segue afastada do cargo por suspeita de ficar com parte dos salários dos funcionários. A mesma irregularidade pesa contra Geraldinho Feu Rosa (PSB), que se segura no cargo.
Nacib Haddad (PDT) foi afastado por suspeita de ter cometido crime no comando de uma empresa de limpeza. Wanildo Sarnaglia (Avante) entrou no lugar dele, como suplente, mas a Justiça também já decidiu que ele não deve ficar no cargo.
Na Serra, há, ainda, uma briga sem fim entre Câmara e prefeitura. O desejo de afastar o prefeito existe na cidade da Grande Vitória e, sobretudo, no interior. Neste quesito Itapemirim se destaca. Os edis daquela cidade chegaram a decidir pelo afastamento do chefe do Executivo e a nomear o presidente da Câmara para o lugar. Mas a Justiça interveio e manteve o atual prefeito.
E prisões já são pelo menos cinco. A dos vereadores Patrick do Gás (PDT), de Viana, e Robério Pinheiros Rodrigues (PSDB), de Ecoporanga. E a da cúpula da rica Presidente Kennedy, Amanda Quinta (sem partido) e o companheiro dela, José Augusto de Paiva (MDB).
Ambos foram presos e afastados na mesma Operação Rubi que rendeu uma detenção por posse ilegal de arma para o prefeito de Marataízes, Robertino Batista, o Tininho (PDT), durante cumprimento de mandado de busca e apreensão na casa dele. O pedetista foi liberado após pagar fiança.
CENÁRIO
Algumas teses podem ajudar a entender os motivos pelos quais atritos intensos e afastamentos tornaram-se corriqueiros. Uma delas, do cientista político Fernando Pignaton, passa pela situação econômica das cidades.
Em maior ou menor escala, prefeitos vêm encontrando dificuldades para governar em razão da quantidade excessiva de demandas e da encolhida do montante de recursos à disposição provocada pela crise financeira.
Esse cenário, na visão do analista, cria um ambiente adverso à situação e fértil à oposição.
O aspecto político da vida nacional também pode ressoar nas questões locais. A avaliação é do cientista político Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Para ele, a conflituosa divisão da política da sociedade é reproduzida país afora.
"O Brasil vive hoje uma dicotomia muito clara. É o bolsonarismo versus a esquerda, versus o lulismo, versus o petismo. O que eu observo é que, no Brasil, no Congresso Nacional, e certamente essa realidade está presente nas assembleias estaduais, nós temos a ausência do centro e a presença da polarização", analisou.
Ocorre, porém, que afastamentos e cassações de políticos não são apenas causa e consequência das relações entre eles. Em geral, há decisões judiciais que determinam a saída dos cargos. E mesmo aí, na visão de Oliveira, é possível que haja também reflexo de ingredientes nacionais.
Há cinco anos, o Brasil assiste ao desenrolar de uma grande operação de combate à corrupção da qual o juiz responsável por julgar e condenar malfeitores virou uma espécie de herói nacional e depois ministro da Justiça.
"Ocorre que Sergio Moro encorajou muitos juízes, no sentido de ter atitude forte. Inclusive, às vezes, desrespeitando legalidade, seja no próprio julgamento da ação penal ou em afirmações. Ele fez escola, colocou a sua pedagogia da justiça a serviço de vários juízes brasileiros", comentou.
VEJA QUEM ESTÁ NA LISTA
Amanda Quinta (sem partido)
Prefeita de Presidente Kennedy
Presa no âmbito da Operação Rubi, suspeita de integrar organização criminosa para lesar os cofres de Presidente Kennedy, Marataízes, Jaguaré e Piúma com direcionamento licitatório em favor de empresas, pagamento de propinas e superfaturamento de prestação de serviço público. Denunciada pelo Ministério Público Estadual (MPES) por organização criminosa, de responsabilidade de prefeito, corrupção passiva e ativa e falsidade documental. Segue presa.
José Augusto Rodrigues (MDB)
Ex-secretário de presidente Kennedy
Está preso no âmbito da Operação Rubi. Companheiro da prefeita Amanda Quinta, é apontado pelo MPES como o responsável por operar o esquema de pagamento de propinas na cidade. Segue preso.
Carlos Henrique Emerick Storck (PSDB)
Ex-prefeito de Irupi
Foi cassado e a cidade teve outra eleição. Ele foi acusado de compra de votos, suposta chantagem feita a aprovados em concurso público, condicionando nomeações a apoio político, e conduta vedada devido à realização de um casamento coletivo, patrocinado pela prefeitura em 2016, quando disputava a reeleição.
Tininho Batista (PDT)
Prefeito de Marataízes
Preso em maio deste ano por posse ilegal de arma no âmbito da Operação Rubi, pagou fiança e foi liberado.
Patrick do Gás (PDT)
Vereador de Viana
Preso em regime semiaberto e impedido de frequentar a Câmara por decisão judicial. Foi condenado por corrupção passiva, concussão e peculato (desvio de dinheiro público). O MPES apontou que ele exigia parte dos salários de servidores, prática conhecida como rachid.
Luciano Paiva (PSB)
Prefeito de Itapemirim
Afastado do cargo desde 2017 por suposto envolvimento em esquema de contratos e licitações irregulares, de acordo com o MPES. Ele foi ainda condenado em fevereiro pelo Tribunal de Justiça do Espírito Santo a nove anos e um mês de detenção, além do pagamento de multa e da inelegibilidade por oito anos, por irregularidades na contratação de sete shows e de uma campanha de publicidade no município durante seu primeiro mandato.
Robério Pinheiro Rodrigues (PSDB)
Vereador de Ecoporanga
Acusado de fraude em esquema de coleta de lixo na cidade. Está preso desde o dia 6 na Penitenciária Regional de Linhares, no âmbito da Operação Ecos do Inhambu.
Neidia Pimentel (PSD)
Vereadora da Serra
Vereadora que já presidiu a Câmara, ela foi acusada de prática de rachid. Foi denunciada em 2018 pelo MPES por peculato (desvio de dinheiro público), concussão e associação criminosa por suposto desvio de verba pública através de indicação e contratação de funcionários fantasmas em empresas terceirizadas da Câmara da Serra. Está afastada.
Nacib Haddad (PDT)
Vereador da Serra
Acusado de fazer parte de cartel da limpeza por meio de empresa da qual era representante. Está afastado da Câmara.
Rosinha Guerreira (PSDC)
Vereadora de Linhares
Acusada de rachid. Em um vídeo, ela admitiu a prática e contou aos promotores do MPES que ficava com parte dos salários dos próprios servidores e que o objetivo era ajudar pessoas pobres. Ela foi presa por cinco dias em 2018. Foi afastada, voltou ao cargo, e, em maio, foi afastada novamente.
Luciano Pereira dos Santos, cabo Tikeira (PV)
Vereador de Nova Venécia
Afastado por 180 dias em 2018. No entanto, voltou antes do período ao cargo por determinação da Justiça. Ele foi acusado de usar o cargo para obter empréstimos bancários consignados em nome de servidores da Câmara, que era descontado em folha.
Jorge Magalhães, o Gigante Guerreiro (MDB)
Vereador de Jaguaré
Afastado por decisão judicial em junho de 2018 por exigir pagamento de R$ 10 mil para nomear uma mulher como assessora parlamentar. Ele continua fora do cargo.
Tiago dos Santos (PP)
Vereador de São Gabriel da Palha
É investigado por supostamente pedir dinheiro a empresário para influenciar prefeitura a escolher uma determinada empresa para ofertar serviço à cidade. Ele era o presidente da Casa e está afastado e preso desde março.
Wagner Lucas dos Santos (SD)
Vereador de São Gabriel da Palha
Com Tiago dos Santos, também é investigado por supostamente pedir dinheiro a empresário para influenciar prefeitura a escolher uma determinada empresa para ofertar serviço à cidade. Ele era o presidente da Casa e está afastado desde março.
Dito Xaréu (SD)
Vereador de Guarapari
Marcial Almeida, conhecido como Dito Xaréu, foi afastado por 90 dias em 13 de junho, após áudios atribuídos a ele apontarem interesse em modificar projetos da Câmara a partir de interesses de empresários. A Justiça autorizou a volta dele ao cargo no dia 25 de junho.
Geraldinho Feu Rosa (ex-PSB)
Vereador da Serra
Foi afastado, em 25 de junho, por suspeitas de rachid. Ele foi flagrado em vídeo pedindo parte dos salários de servidores. O dinheiro seria usado para promover ações sociais e para campanha eleitoral de 2020. O MPES aponta abuso de poder político.
ANÁLISE
As cidades agonizam
Wallace Millis mestre em políticas públicas da UVV
"A crise na democracia espeta o tridente no peito da vida pública das cidades. Uma perfuração atinge as artérias econômicas, paralisando obras, interrompendo serviços e incapacitando a gestão. Outra ponta atinge a política como sistema de representação, provocando a falência de instituições como partidos, conselhos e associações. A outra esgarça os tecidos da ética e dilacera seu sistema de valores. As cidades agonizam. Crise nas contas públicas, legislativo desorientado, desemprego crescente, recrudescimento de violências e pobreza são sintomas severos. Mas o sofrimento pode representar um aperfeiçoamento da democracia local, permitindo que surjam novas capacidades de lidar com esses conflitos."
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