As redes sociais foram tomadas por um único assunto recentemente. O livro infantil “A Parte Que Falta”, do autor Shel Silverstein, que após cair no gosto da youtuber Julia Tolezano, a Jout Jout (que leu o livro num vídeo que já conta com mais de 3 milhões de visualizações), se tornou o primeiro lugar na lista dos livros mais vendidos da Amazon no Brasil. Mas o que esse livro tem de tão especial que levou a famosa youtuber às lágrimas no canal e comoveu vários internautas que compartilharam o vídeo intitulado “A Falta Que Faz Falta” incessantemente?

Lançado originalmente em 1976, o livro conta a história de um ser circular que não está completo e percorre o mundo à procura da parte que falta nele. O ser acredita que será feliz quando estiver completo. Em um mundo onde estar completo se tornou indispensável e obrigatório para alguns, o livro vem contra tudo isso e mostra que nem sempre é preciso ter tudo para ser feliz.

“É uma mensagem surpreendente e que tem muito a ver com o mundo moderno. Fala sobre a insatisfação, a busca por preencher os vazios através do consumo e da interação pessoal. Eu acho que ele viralizou justamente por não ter um final feliz. O livro não promete um caminho para você preencher essa falta, ele deixa a mensagem que as pessoas precisam se permitir e viver em suas limitações”, reflete o psicanalista, doutor em Psicologia e professor da Ufes Fabio Santos Bispo.

VEJA VÍDEO

A obra que atraiu as atenções na última semana já é conhecida entre alguns profissionais dessa área, como a psicóloga e terapeuta familiar Adriana Muller, que conhece o livro da época da faculdade. “Esse livro convida a uma reflexão filosófica”, resume.

Para Adriana, a beleza do livro está em entender que a incompletude é o que move as pessoas a buscar algo. “O que nos motiva não é a felicidade, o que nos motiva é a busca, a aspiração. Quando a gente tem um projeto e o alcança, tinha que parar aí. Mas a gente chega lá e tem outra aspiração. A gente está sempre buscando algo porque somos assim”, diz.

MENSAGEM LÚDICA

A atual edição em português de “A Parte Que Falta” foi lançada em fevereiro deste ano pela editora Companhia das Letrinhas. O livro tem ilustrações do próprio autor. “Apesar dele ter a diagramação que parece ser para um público infantil e frases curtas, pontuais, ele traz essa mensagem que causa sintonia no público adulto, que compreende a profundidade daquilo que está sendo lido. Acho que as crianças não vão conseguir compreender a profundidade do que é. Vão achar interessante, um desenho legal, mas não vão perceber pequenos detalhes”, opina Adriana.

Tanto adultos quanto crianças já são desde cedo bombardeados com a busca pela completude, como lembra Fábio. Por isso, o livro atinge todas as idades. “É uma mensagem também para os pequenos que são influenciados desde cedo com propagandas e produtos. O livro também pode ser um instrumento para os pais ilustrarem para as crianças a lidar com a frustração”, diz o psicanalista.

“A Parte que Falta” não é o primeiro livro infantil que vira febre entre os adultos. Obras como “O Pequeno Príncipe”, de Antoine de Saint-Exupéry, até hoje encantam leitores mais velhos com frases reflexivas como “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”.

“Tem livros que são filosóficos em uma linguagem pra nossa criança interior. Colocaria ‘O Pequeno Príncipe’ nesse kit. Se você ler para uma criança, ela pode não entender, pode não fazer muito sentido. Mas para um jovem pode fazer sentido a história da raposa, da rosa, dos dilemas da vida. E aí a gente chora. Livros como esses trazem perguntas muito importantes da gente se fazer.

Tanto que ao final do vídeo, a youtuber Jout Jout interrompe a leitura emocionada e vai às lágrimas. “Eu quero dar esse livro para todas pessoas que eu conheço”, diz Jout Jout, ainda em tela. Para Adriana, o final do vídeo da youtuber é pura filosofia. “Ela pensa, vai e volta. É filosofia, mostra o sentido do livro dentro da gente. Ele nos toca de dentro pra fora”.

CONTINUAÇÃO

A sequência do livro, batizada de “A parte Que Falta Encontra o Grande O”, publicada originalmente em 1984, também traz uma mensagem de reflexão. Mas na continuação é a vez da parte que falta buscar alguém que a complete, após ser abandonada pelo ser circular. E nessa busca, ela encontra “O Grande O”. A continuação chega às livrarias em abril pela mesma editora, Companhia das Letrinhas.

SERVIÇO

A parte que falta

Shel Silverstein

Companhia das Letrinhas, 112 páginas. Quanto: R$ 44,90