Temer não é Tancredo. É Sarney
Confira a coluna Praça Oito desta quinta-feira (26)
Em dada altura da tarde de quarta-feira, devido ao mal-estar que levou Temer a ser hospitalizado com urgência em um momento político crucial para o país, surgiram paralelos com a história de Tancredo Neves – eleito indiretamente pelo Congresso no início de 1985, Tancredo foi internado e acabou indo a óbito antes de poder tomar posse. O mineiro era um grande conciliador, um estadista hábil, e com ele foi sepultada a esperança de um grande governo. Em seu lugar, assumiu o vice, José Sarney.
Michel Temer não é Tancredo. Está muito mais para Sarney, só que piorado. Quando assumiu, em 2016, Temer falou que queria liderar um governo de “unificação nacional”. Ao contrário de Tancredo, Temer pode até ser um bom negociador no balcão que ele, Padilha e Imbassahy montaram na entrada do Palácio do Planalto, para garantir maioria na Câmara e se salvar da segunda denúncia da PGR. Quanto à tal “unificação nacional”, está fazendo exatamente o contrário do que prometeu. Basta analisar o quanto a sociedade brasileira está dividida politicamente (o único consenso parece justamente a rejeição a Temer). Basta ver como a própria Câmara Federal ficou cindida ao meio na votação de ontem em plenário (251 a 233).
Não, Temer está muito mais para Sarney. E isso não apenas porque, como o oligarca maranhense, é ele um peemedebista que chegou à Presidência por vias tortas. Temer, a partir de hoje e até o fim do seu governo, se assemelhará ainda mais a Sarney pela maneira melancólica como tende a terminar seu mandato. Assim como o substituto de Tancredo, Temer deve se tornar um “walking dead político”, isto é, um morto-vivo: vai se arrastar até o fim, sem conseguir efetivamente liderar a aprovação de medidas de relevo que são prioritárias para seu governo, principalmente no campo econômico. Por ironia, ele que tanto se queixou de ser um “vice decorativo” para Dilma agora corre o risco de se tornar igualmente ornamental na titularidade.
A vitória de Temer ontem foi alcançada a preço tão alto que ele, politicamente, sai muito mais enfraquecido, apesar de continuar no cargo. É o preço político que terá que pagar por ter aceitado entregar aos deputados tudo o que eles exigiram no mercadão de Brasília. Com isso contradisse o discurso da austeridade, do ajuste fiscal, das reformas para recuperar a confiança de investidores, ficando à mercê da gula dos partidinhos do centrão.
Temer já não tinha credibilidade. Tampouco popularidade (3% de aprovação). Já tinha baixa representatividade do eleitor. Agora, já não terá condições de manter a governabilidade, visto que se colocou na posição de refém das exigências espúrias de sua base. Que força é essa?
Daqui para a frente, o presidente não conseguirá mais impor a sua agenda, só pagar as “dívidas” assumidas. É como o Fausto, de Goethe: para ficar mais jovem (no caso de Temer, mais tempo no cargo), vendeu a alma a Mefistófeles (o diabo). Assim como no texto de Goethe, o Mefistófeles em forma de Congresso voltará para cobrar a sua parte.
A tão falada reforma da Previdência, prioridade máxima de sua agenda, corre o risco de ser enterrada. Embora obviamente necessária para sanar a situação fiscal do país no longo prazo, a medida é altamente impopular, logo indigesta a um Congresso que, a um ano do pleito de 2018, já começa a priorizar a renovação dos mandatos. Não vão querer se comprometer com nada que os indisponha com seu eleitorado. Muito menos por um presidente que hoje só atrai repulsa da população. Se o mais essencial, a idade mínima, passar no Congresso, a equipe econômica de Meirelles já sairá no lucro.
O paradoxo, então, pode ser resumido assim: o governo pretendia ontem dar uma demonstração de força. Mas, para garantir a vitória – pelo menos no placar eletrônico –, distribuiu tantos favores que acabou revelando sua fraqueza: um presidente que, sem respaldo popular, equilibra-se sobre uma base tênue e instável.
CORDEL POLÍTICO
Pizza à Michelitana
A noite vai adiantada
Joesley chega ao Palácio
Visita não registrada
O seu ingresso é fácil
Dá nome falso na entrada
Chega ouvindo o rádio
Assim começa a cilada
Armada pelo empresário
Carrega em um dos bolsos
Um gravador amador
Levam-no ao calabouço
Onde o aguarda o senhor
O encontro é envolto
Em um ar misterioso
Bastante revelador
Joesley garante ao outro:
– Presidente, tamo junto!
Comigo pode contar!
– Ótimo, fala que eu te escuto.
Com o amigo, como é que tá?
– Com ele zerei os compromisso.
Pendência com ele já não tem.
Eu e o Cunha estamos de bem.
– Ótimo! Então mantenha isso.
– Também tô segurando dois juiz
E um procurador da Lava Jato
Agora, presidente, o que me diz
De a gente realizar um novo trato?
Tem um negócio lá no Cade
Que tamo precisando destravar
Geddel tá fora de atividade
Com quem agora nóis pode tratar?
– Tem um deputado, o Rocha Loures
Que é da minha estrita confiança
Já esteve no meu rol de assessores
Conforme minha música, ele dança.
Joesley então despede-se e se manda
Dali corre pra Procuradoria
Dá o grampo e mais em troca de fiança
No acordo que o país sacudiria
Ricardo Saud, parça de Joesley,
Entrega mesmo a grana para Loures
Meio milhão vivo, em espécie
Sob o nariz dos investigadores!
Tudo isso em ação controlada
Só Rocha Loures perdeu o controle
Saiu correndo levando a bolada
O nosso homem da mala, meus senhores!
O caso já entrou pro anedotário
Na história dos peões e portadores
Não há registro de intermediário
Mais amador do que o Rocha Loures
O homem deixou lá todas as pistas
Fazendo a festa dos procuradores
Enquanto isso, os irmãos Batista
Manipulavam a Bolsa de Valores
O grampo e a delação vieram à tona
E logo chegariam as duas denúncias
Pareceu que Temer beijaria a lona
Cogitou-se que a saída era a renúncia
Ficou encalacrado com a Justiça
Que a queda parecia o seu destino
O governo fede mais do que carniça
Encontrada em matadouro clandestino
“Enquanto houver bambu, lá vai flecha”
Afirmou Janot sobre o presidente
Porém na delação ficaram brechas
Privilégios aos Batista, especialmente
Joesley, que era comprovadamente
Empresário mafioso, um escroque
Pôde ir viver, impavidamente,
No seu belo apartamento, em Nova York
Além disso, apareceram os indícios
De ajuda irregular do MPF
Os Batista receberam o auxílio
De Miller, e Janot era seu chefe!
Temer disse, então, “muito obrigado”
Começou a bradar: “É perseguição!”
O acordo por Janot foi revogado
Ajudando a tese da “conspiração”
Mesmo assim, era forte a narrativa
De Janot, era só seguir a trilha
Para ver a corrupção passiva
Embaraço à Justiça e quadrilha
Só que para os deputados não interessa
O que importa para eles é a eleição
É assim que em julho foi aberta
A temporada de negociação
Em troca de votos favoráveis
Para escapar de um fim amargo
Temer saciou os insaciáveis
Com liberação de emendas e com cargos
Farinha pouca eu quero o meu pirão!
E Temer não se fez de rogado
Estendendo para os cães as duas mãos
Conseguiu centenas de advogados
Nesse grande balcão com os seus “sócios”
Quem mais lucrou, com certeza,
Foi a bancada do agronegócio
Que deu as cartas e limpou a mesa
“Que se danem as matas, as florestas
Índios? Que fujam para o mato
Vamos agora é fazer a festa
Pra nós só o que presta é ter pasto”
“Para que licenças ambientais
Para que esse negócio de reservas?
Esse papo ecológico nos enerva
O negócio é expandir nossos currais
E mais: combater trabalho escravo
Eles têm na verdade é um vidão
Tudo bem, não levam um centavo
Mas ajudam o crescimento da nação”
E assim, de trato em trato,
MPs, portarias e decretos
Temer vai causando um impacto
Que para a democracia é funesto
Os deputados elevaram o preço
E o preço que o país paga é alto
A gaveta foi o endereço
De denúncias com indícios fartos
Assim Temer, no seu Parlamento
De novo se salvou, não teve erro
Também ali fizeram o enterro
De provas vivas, sem constrangimento
O poeta estava certo, agora vê-se
A dúvida, ao fim deste percurso,
É a lançada por Renato Russo:
Afinal, leitores, que país é esse?
Vozes: Vitor Vogas, Vinicius Valfré e Carlos Alberto Silva
Hartung vai vetar
Fontes próximas ao governador Paulo Hartung (PMDB) garantem: é praticamente certo, certíssimo, que ele vai vetar o projeto de lei do deputado Euclério Sampaio (PDT), aprovado pela Assembleia Legislativa na última segunda, que proíbe exposições artísticas com “conteúdo pornográfico” no Espírito Santo.
História e formação
A coluna apurou que, por sua história e por sua formação política e pessoal (lutou pela redemocratização), o governador é contra qualquer tipo de censura prévia e só aguarda a chegada do parecer técnico da Procuradoria-Geral do Estado para dar ao projeto de Euclério o único destino cabível: o escaninho das péssimas iniciativas e dos projetos inconstitucionais.
Max da Mata dá trabalho
O vereador Max da Mata (PDT) está se articulando nos bastidores para convencer os colegas na Câmara de Vitória a abrir a CPI da Vigilância Sanitária. Ele já fez até vídeo em sua página no Facebook sobre a iniciativa. Ao lado do vereador Roberto Martins (PTB), Max é o único vereador posicionado na oposição ao prefeito Luciano Rezende (PPS). Após ser exonerado da Secretaria de Estado de Esportes, em agosto, voltou disposto a dar trabalho.
CENA POLÍTICA
O senador Ricardo Ferraço (PSDB) mantém, em seu gabinete de representação parlamentar na Enseada do Suá, uma camisa do Flamengo, seu time do coração, emoldurada na parede. Na última segunda, enquanto Ferraço atendia a imprensa após reunião com Max Filho e César Colnago, um repórter reparou na camisa e reconheceu que se tratava do uniforme usado pelo Flamengo na temporada de 2009, ano em que o ídolo do time era o atacante Adriano, conhecido como o “Imperador”. “É melhor deixar esse negócio de ‘imperador’ pra lá”, respondeu Ferraço. Para bom entendedor...