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Médicos alertam sobre perigos de cirurgia para reduzir as bochechas

Médicos alertam sobre perigos de cirurgia para reduzir as bochechas

Técnica oferece riscos como infecção e lesão nervosa e pode antecipar envelhecimento do rosto

Publicado em 8 de janeiro de 2018 às 11:36

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A Miss Brasil 2010 Débora Lyra fez bichectomia. (Arquivo pessoal)

Em busca de um rosto menos bochechudo e mais sensual, com aquela leve reentrância abaixo da maçã, muitas mulheres têm recorrido à bichectomia, uma cirurgia em que se retira as bolsas de gordura da lateral da face — chamadas de bolas de Bichat. O alvoroço em torno das maravilhas do procedimento, capaz de afinar o rosto, vem acompanhado de um alerta dos especialistas: tal cirurgia oferece riscos, como infecção, sangramento, hematoma, lesão nervosa e lesão no ducto da glândula parótida, que é o canal da saliva. Não raro, a cirurgia também antecipa o envelhecimento do rosto, porque retira precocemente uma camada de gordura que já seria absorvida com o tempo. Cirurgiões plásticos e dermatologistas relataram ao GLOBO que receberam, ao longo de 2017, mais pacientes do que em anos anteriores à procura de consertar algum problema decorrente da bichectomia.

A operação dura entre 30 minutos e uma hora e pode ser feita com anestesia local, geral ou local com sedação. O corte é feito por dentro da cavidade oral, na mucosa, e por isso não existe cicatriz aparente. É possível retirar toda a gordura dessa região ou parte dela, dependendo do pedido do paciente e da avaliação do médico. Embora seja comum especialistas afirmarem que pessoas com volume excessivo na bochecha podem se beneficiar do procedimento, a dermatologista Gabriella Albuquerque lembra que o padrão de beleza atual exerce grande influência sobre o que é considerado excessivo.

— A grande procura é para deixar de ter um rosto angelical, com bochechas, algo que para a maioria das pessoas jovens é natural, e ter um rosto sensual. As cavidades na face são o que se entende hoje por sensualidade. O que me espanta é que essa onda de bichectomias começou de um ano para cá, e muitas mulheres estão achando que é normal fazer essa cirurgia. Fico chocada com a naturalidade com que tratam a operação — diz a médica.

De acordo com o último Censo sobre cirurgia plástica no Brasil, feito pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) em 2016, 7.362 pessoas fizeram bichectomia, o que representa 0,5% do total de cirurgias estéticas daquele ano. Até 2014, quando a instituição divulgou o censo anterior, o número de procedimentos deste tipo realizados não era sequer significativo para entrar na estatística.

Presidente da SBCP, Luciano Chaves destaca que, uma vez retiradas, as bolas de bichat não podem ser recolocadas. Em termos gerais, o procedimento é irreversível.

— Se a operação for feita em uma pessoa que não tem volume na bochecha, ela vai ficar com uma expressão cadavérica, mesmo que não tenha complicações decorrentes disso. E essa bolsa não retorna. A pessoa fica com depressões no rosto — afirma ele.

A popularização da técnica coincide com a permissão dada aos dentistas, em setembro de 2016, para realizarem procedimentos com fins estéticos no rosto, como aplicação de preenchimento facial, toxina botulínica — o botox — e a própria bichectomia. A concessão foi dada, na época, pelo Conselho Federal de Odontologia (CFO), entretanto foi suspensa por uma decisão da Justiça Federal no Rio Grande do Norte, assinada há duas semanas, em 15 de dezembro, quando passou a valer para todo o Brasil. A partir de agora, portanto, cirurgiões plásticos e dermatologistas — os únicos que podem fazer tal operação atualmente — acreditam que haverá uma redução no número de bichectomias.

— Apesar de ser uma cirurgia rápida, é feita em um local nobre, próximo a muitas glândulas, nervos e artérias, que são estruturas importantes da face, então há sempre o risco de lesões nessas regiões. Por isso a operação tem que ser feita por um profissional que tenha muito conhecimento da anatomia — diz a dermatologista Gabriella, que mostra preocupação frente à crescente procura por mulheres jovens. — Quando se faz bichectomia ainda bem jovem, provavelmente essa gordura vai fazer falta quando se chegar aos 40 ou 50 anos. As bolas de bichat dão sustentação ao rosto, elas estão ali por algum motivo.

EXPERIÊNCIA RUIM

A carioca Anna Beatriz Bourguignon é o retrato do atual cenário. Hoje aos 20 anos, a jovem fez o procedimento para reduzir as bochechas em março, quando ainda tinha 19. Ela conheceu a técnica em janeiro e, apenas dois meses depois, passou pela cirurgia no consultório de um dentista. Agora, meses mais tarde, a moça aprova o resultado, mas os dias que se seguiram à cirurgia foram de apreensão: o lado direito de seu rosto infeccionou e ficou o dobro do tamanho normal.

— Antes de fazer a cirurgia, eu havia pesquisado sobre as possíveis complicações e li que o risco era pequeno, mas acabei sendo “escolhida”. Uma semana depois, o lado esquerdo já estava bem desinchado, enquanto o direito estava com um grande abscesso (acúmulo de pus em consequência de uma inflamação). O lado direito ficou enorme e isso me deixou muito assustada. Voltei ao dentista e ele me receitou antibiótico e antiinflamatório. Só aí melhorou, mas levou ainda cerca de dez dias — recorda Anna Beatriz.

A moça é estudante do segundo ano de medicina e conta que, apesar de ter ficado receosa de fazer a operação com um dentista, e não com um médico, logo se despreocupou ao ouvir recomendações de um amigo sobre o dentista em questão.

— Eu nunca gostei das minhas bochechas. Achava grandes demais. Então, quando descobri que existia a bichectomia, quis logo fazer — diz a jovem. — Até minha mãe fez junto comigo.

'DEVE SE VER COM RECEIO AS CIRURGIAS DA MODA'

Volney Pitombo, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica - Regional do Rio de Janeiro, explica que as bolas de bichat têm a função de acolchoar os músculos da face, colaborando para a sucção do leite quando se é bebê. Por isso, as crianças geralmente têm bochechas avantajadas. Essa função se perde conforme as pessoas crescem, e, com o passar do tempo, o corpo vai absorvendo essa gordura e deixando o rosto com aspecto mais magro.

— Uma regra sobre estética que eu aprendi é que deve-se ver com receio as cirurgias da moda — destaca ele. — Pacientes que tenham o rosto muito gordo se beneficiam, entretanto o que está acontecendo é que, por um modismo, todo mundo pensa que pode fazer a cirurgia e ficar bonito. Mas nem todo mundo fica bem com bochechas mais escavadas. Além disso, o que é bonito aos 20 pode ser escavado demais aos 40.

Ele afirma, também, que por vezes o rosto é mais gorducho não por causa das bochechas, mas dos músculos.

— Algumas pessoas têm o contorno do rosto mais arredondado devido aos músculos da face, então, para elas, uma bichectomia não adiantaria nada. Seria apenas perda de dinheiro. E é função do médico avaliar isso — diz Pitombo.

Também cirurgião plástico, André Barbosa avalia que o modismo banaliza o procedimento.

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— A falta dessa gordura pode, sim, no futuro, diminuir a sustentação da pele, e isso pode dar um aspecto mais envelhecido à face. Por isso a cirurgia não pode ser feita por modismo, impulso ou porque pessoas “famosas” fizeram. Existem indicações específicas, com ótimos resultados, quando a cirurgia é bem realizada por profissional habilitado.

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