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Síndrome do lazer: por que tem gente que fica doente nas férias?

Síndrome do lazer: por que tem gente que fica doente nas férias?

Problema também é comum com quem se aposenta

Publicado em 21 de janeiro de 2018 às 01:29

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Pronta para viajar e angustiada: na Síndrome do Lazer, a pessoa pode sofrer com mal-estar, gripe e enxaquecas. (Shutterstock)

Mochileiro inveterado, o engenheiro Marhmed Hashemj, 28 anos, estava com tudo programado para a viagem dos sonhos, que era conhecer o Irã: roteiro pronto, reservas feitas, passagens compradas... Ele só se esqueceu de “combinar” com a saúde. Dias antes de embarcar, quase caiu de cama por causa de uma gripe.

“Acho que meu organismo sentiu a adrenalina que estava por vir, e o corpo respondeu com queda na imunidade. Fiquei gripado e com faringite”, contou Marhmed.

Assim como aconteceu com o jovem, muita gente acaba ficando doente no momento em que entra de férias. E a satisfação com a chegada dos dias de descanso se mistura com alguns sintomas bem chatos, como mal-estar, resfriados, enxaquecas, entre outros probleminhas.

“Isso é mais comum do que podemos imaginar”, afirma o psicólogoMarcelo Alves dos Santos, professor da Faculdade de Administração e de Engenharia da Mackenzie de Campinas (SP).

Vários estudos já apontaram essa relação entre saúde e o descanso. Tanto que há um nome para o problema: é a chamada Síndrome do Lazer.

Desaceleração

“A gente vive numa sociedade onde tudo é corrido, tudo é para ontem. As empresas trabalham com o conceito da polivalência, o que fez com que aumentasse o escopo da nossa atuação. Isso, por natureza, já leva um organismo a um aceleramento. Mas quando esse corpo entra de férias, há uma desaceleração nesse ritmo. É como se o corpo não decodificasse que não precisa acordar tão cedo, que não precisa pegar trânsito”, explica o psicólogo.

Mudanças fisiológicas acontecem quando mudamos de repente a rotina. “A mudança de rotina gera alterações no nosso organismo, que precisa de um tempo para se adaptar. Muita gente fica doente na véspera das férias, principalmente se vai haver uma viagem. Essa ansiedade pode levar a uma baixa no sistema imunológico”, observa o clínico-geral e médico do trabalho Cristiano Cesana Cardoso.

Marhmed Hashemj sempre quis conhecer o Irã. Ele admite que a viagem pelo país gerou certa tensão. "Seriam 30 dias viajando pelo país. Nada podia dar errado". Resultado, na véspera das férias, em outubro do ano passado, ele ficou doente. Nada que atrapalhasse os planos, felizmente. (Arquivo Pessoal)

Abstinência

“O organismo se acostumou a andar rápido, a uma hiperatividade cerebral. Quando a pessoa para, ela pode sentir um mal-estar, quase uma abstinência”, complementa o médico psiquiatra Fernando Furieri.

É como se a gente se autossabotasse. “Estamos acostumados com o ritmo de vida intenso e a não descansarmos a contento. A fase pré-férias gera ansiedade, sem falar nos preparativos. Acaba virando uma atividade extra. Ou seja, mais estresse. E o corpo se vê obrigado a parar, ele adoece”, destaca Furieri.

Os workaholics são mais propensos a sofrer da Síndrome do Lazer, segundo os especialistas. “São pessoas com excesso de empenho e desempenho dentro das empresas, para quem o sentido da vida é o trabalho. Elas vivem diariamente uma carga enorme de estresse, uma correria, uma afobação. E quando saem de férias, adoecem. Ficam meio melancólicas, sentindo um vazio”, cita Marcelo Santos.

Longevidade

Segundo o psicólogo, essa síndrome é típica também em algumas pessoas que entram na aposentadoria. “Antigamente, tínhamos uma longevidade menor. Então, a pessoa se aposentava aos 50, 55 anos, e tinha pouco tempo de vida. Estamos vivendo muito mais, mas, infelizmente, ficou no inconsciente coletivo uma conotação de aposentadoria como algo associado à velhice, improdutividade e final da vida. Construiu-se esse conceito de que aposentar é não fazer mais nada”, pontua.

Muitos aposentados, diz ele, adoecem logo que param de trabalhar. “Para algumas pessoas, é como se a vida perdesse o sentido. Elas tendem a entrar em depressão e a desenvolver algum vício, como o alcoolismo, a jogatina, por exemplo”.

Mas é possível tornar esse impacto menor. “Se a pessoa tem um hobby, se ela tem grupo de amigos saudável, condições para viajar, para construir algo, bancar alguns hobbies, ou consegue se envolver em algo que dê sentido para ela, como um trabalho voluntário, um projeto na igreja, ela consegue criar outro sentido para a falta de produção que o trabalho lhe daria”, aponta Marcelo Santos.

A APOSENTADORIA DELE DUROU SÓ UM ANO

O dentista Ailton: de volta ao trabalho aos 67 anos. (Arquivo Pessoal)

Aposentar é sinônimo de descanso para a maioria das pessoas. Para o dentista Ailton Messias Soares, foi como levar isso ao pé da letra. “Dormia o tempo todo”, contou ele. Era um desânimo tão grande que chamou a atenção da família, que viu que aquilo não estava normal.

“Ele passou a sentir um sono desesperador. Dormia 17h, 18h por dia! Ficou apático, entediado, não queria nem sair de casa”, lembra uma das filhas de Ailton, a publicitária Luciana Pimentel.

A aposentadoria virou um pesadelo. E um ano depois de se despedir da carreira, ele resolveu voltar para o consultório. “Resolvi voltar a trabalhar. Prestei um concurso público e fui aprovado. Agora estou feliz, trabalhando o dia inteiro, dormindo bem à noite”, diz Ailton.

Ele admite que até tentou levar um novo estilo de vida como aposentado. “Até cheguei a viajar com uns amigos para pescar. Mas na maioria dos dias não tinha nada para fazer. Era quase uma depressão. Não deu certo. Foram 40 anos trabalhando 12 horas por dia. Não consegui ficar em casa, vendo televisão”, conta.

Aos 67 anos, o dentista não pensa em parar tão cedo. “A gente tem que continuar em atividade”, diz.

DESCANSO SEM ADOECER

Cuide-se o ano todo

Mesmo que seu trabalho seja estressante, com uma carga pesada diária, não descuide da saúde. Alimente-se bem, tenha uma rotina de exercícios ao longo do ano. Vá às consultas médicas.

Vá diminuindo o ritmo

Com a proximidade das férias, tente não se sobrecarregar de trabalho e passar do limite. Isso pode levar você a uma exaustão e, como consequência, ao adoecimento. Vá desacelerando, na medida do possível, para o corpo ir se adaptando a outro ritmo.

Planeje

Se as férias vão envolver uma viagem, faça um planejamento básico para evitar estresse na véspera. Ajuste passagens, reservas e roteiros para evitar contratempos depois.

Menos compromissos

Tente não transformar as férias em uma série de compromissos. Permita-se acordar tarde e ficar à toa mesmo que esteja em viagem. O corpo e a mente precisam de descanso. Ou você voltará para o trabalho mais pilhado do que saiu

Tempo para o ócio

Quer usar as férias para reformar a casa ou fazer um check-up médico? Ok. Mas separe apenas uns dias para isso. Reserve tempo para não fazer absolutamente nada, sem culpa. Desconecte-se.

Fique bem sozinho

Aprenda a ficar bem quando estiver sozinho. Geralmente, na aposentadoria, os filhos não estão mais em casa. Antes de parar de trabalhar, vá treinando: faça silêncio todos os dias. Na internet, há vídeos com tutoriais ensinando a relaxar e meditar, encontrar paz e equilíbrio. É de graça e fácil.

Conheça-se

Procure se conhecer, saber o que gosta de fazer, o que não gosta. Isso pode ajudá-lo na hora de pensar na aposentadoria. Faça terapia, programas ou cursos que levem você a ter autoconhecimento

Faça planos

Pense a respeito da aposentadoria e descubra algo de útil a se fazer quando parar de trabalhar. Pescar, cuidar da horta e dos netos é muito bom. Mas com o tempo pode se tornar monótono. Busque se sentir produtivo. Quem sabe uma faculdade nova? Ou fazer um trabalho voluntário? Algumas empresas têm programas para preparar o trabalhador que vai se aposentar. Informe-se sobre isso no seu local de trabalho.

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Fonte: especialistas entrevistados

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