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Especialistas avaliam novas orientações da OMS para partos

Especialistas avaliam novas orientações da OMS para partos

Organização defende menos medicação e intervenções na hora do nascimento

Publicado em 16 de fevereiro de 2018 às 18:56

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No Brasil, dos 3 milhões de partos realizados em 2015, último ano com dados consolidados, 55,5% foram cesáreas e 44,5% foram partos normais. (Reprodução/Shutterstock)

Menos medicação e intervenções durante o trabalho de parto, mais tempo para dar à luz e mais participação da grávida nas decisões. Estas são as circunstâncias ideais de um nascimento, segundo o novo guia da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre o assunto, divulgado nesta quinta-feira (15), que inclui 56 recomendações sobre a hora do parto. Esse conjunto de orientações é considerado mais um importante passo da entidade na tentativa de frear a epidemia de cesarianas e estimular o parto humanizado ao redor do mundo.

Estima-se que, anualmente, 140 milhões de nascimentos ocorram no mundo, a grande maioria, sem complicações. No entanto, algumas intervenções, como a realização de cirurgias cesarianas ou a administração do hormônio sintético oxitocina para o bebê nascer mais rapidamente, têm sido usadas de forma excessiva nas últimas décadas. Em muitas ocasiões, segundo a OMS, essas intervenções não são apenas desnecessárias, mas fazem com que a mãe tenha uma experiência negativa em um momento tão importante.

Para evitar isso, a extensa lista de orientações da entidade tem como um dos principais itens a recusa de intervenções de qualquer tipo como rotina. Isso inclui cesariana e episiotomia, corte feito no períneo, na área genital externa da mulher, para ampliar o canal de parto. O novo guia também encoraja que as mulheres caminhem à vontade durante o início do trabalho de parto e escolham a posição em que terão o bebê, com a liberdade de mudar de posição sempre que quiserem. Reforça ainda o direito da mãe de ter opções para alívio da dor e o de ter um companheiro de sua escolha nesse momento.

Para Princess Nothemba Simelela, diretora-geral assistente da OMS para Família, Mulheres, Crianças e Adolescentes, as novas diretrizes são um passo para reduzir as altas taxas de intervenções médicas desnecessárias ou ineficazes.

"Não podemos manter nosso foco apenas na sobrevivência. A OMS acredita que “cuidados de alta qualidade” devem abranger a prestação de serviços e a experiência da mulher. As diretrizes colocam a mulher e seu bebê no centro do modelo de cuidados, para alcançar os melhores resultados físicos, emocionais e psicológicos possíveis", considera a médica.

PADRÃO DE DILATAÇÃO É "IRREAL"

Pesquisas dos últimos anos, incluindo um estudo da própria OMS com 10 mil mulheres na Nigéria e em Uganda, indicam que um ritmo de dilatação do colo do útero de 1 centímetro por hora, que era até então tido como parâmetro para indicar normalidade do trabalho de parto, é “irreal” para a maioria das gestantes. De acordo com Olufemi Oladapo, do Departamento de Saúde Reprodutiva da OMS, o ritmo da dilatação pode ser mais lento sem que isso prejudique a saúde da mãe ou do bebê.

"As pessoas são únicas, e algumas mulheres podem ter um tempo maior do que outras e, ainda assim, terem um parto considerado normal. O parâmetro de 1 cm/h é irreal para muitas mulheres", afirmou o médico, em entrevista coletiva em Genebra, na Suíça.

Um parâmetro mais adequado, segundo a entidade, seria o de 5 centímetros de dilatação durante as primeiras 12 horas para uma mulher que dá à luz pela primeira vez. Em partos subsequentes, o esperado é de 5 centímetros em dez horas. Durante esse processo, os sinais vitais da mãe e os batimentos cardíacos do bebê devem ser monitorados.

"Queremos um cenário em que a mulher tenha uma escolha consciente e que esteja no processo de decisão", destacou Oladapo.

No Brasil, dos 3 milhões de partos realizados em 2015, último ano com dados consolidados, 55,5% foram cesáreas e 44,5% foram partos normais. De acordo com levantamento da OMS, esta é a segunda maior taxa de cesáreas do mundo, atrás apenas da República Dominicana, onde o índice chega a 56,4%. O recomendado internacionalmente é que as cesáreas representem em torno de 15% do total de partos.

O médico brasileiro Renato Sá, coordenador de obstetrícia do grupo Perinatal, destaca que a cesariana inclui todos os riscos associados a qualquer cirurgia, por isso deve ser evitada quando a mãe estiver apta a ter seu bebê por parto normal. No entanto, entre os obstáculos para isso estão aspectos culturais.

"O problema da cesariana no Brasil é cultural. Ela foi introduzida no país no começo do século XX, com divulgação mais intensa na década de 1940, como uma forma de salvar as mulheres da dor do parto. E essa noção veio ganhando uma aceitação cultural muito grande", diz o médico.

Ele ressalta que não se trata de demonizar as cesáreas e as intervenções, mas de usá-las somente quando houver indicação clínica. Orientações como as da OMS ajudam a nortear médicos, enfermeiros e as próprias grávidas na tomada de decisão.

"Tecnologias salvam vidas, quando bem empregadas. O problema não é a tecnologia, mas a forma como é empregada. O uso da oxitocina sintética, por exemplo, pode levar a grávida a ter contrações mais fortes do que o normal e colocar o bebê em sofrimento", observa Renato Sá. "Por outro lado, o uso desse hormônio sintético é responsável por evitar hemorragia pós-parto em muitas gestantes, o que é uma das principais causas de morte materna. A cada quatro minutos, morre uma mulher no mundo por causa disso".

Juvenal Borriello de Andrade, membro da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), é otimista em relação ao impacto que a nova lista de recomendações da OMS deve causar.

"Nós (da Febrasgo) também temos feito essas mesmas recomendações para que os profissionais mudem a dinâmica de atendimento no parto. Isso passa por uma diminuição das medidas de intervenção, encorajamento para que mulher possa escolher sua posição, entre outros. Se seguirmos isso, acredito que vamos conseguir diminuir o número de cesáreas no Brasil", diz ele.

Na avaliação do pediatra Ricardo Chaves, professor de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a discussão provocada pela OMS é uma tentativa de resgatar o entendimento da gravidez como uma situação de normalidade fisiológica:

"São recomendações para os médicos terem um novo olhar para a gravidez. Fazer de tudo para dilatar o mais rapidamente possível o canal vaginal, por exemplo, é não reconhecer que o períneo da mulher é adaptável à cabeça do bebê", afirma o pediatra.

ENFERMEIRAS OBSTÉTRICAS AJUDAM

Segundo Chaves, o modelo de assistência à gestante feito por enfermeiras obstétricas, e não apenas por médicos, durante todo o pré-natal e no parto tem sucesso em todo o mundo na redução, ainda que lenta, das taxas de cesáreas e no aumento da satisfação das grávidas. No Brasil, o Ministério da Saúde informou que tem investido em cursos voltados para a formação de enfermeiras nessa área. De acordo com a pasta, até setembro de 2017, participaram dessa iniciativa quase 1.500 enfermeiras.

Diana Schneider, de 33 anos, é uma delas, já tendo acompanhado mais de 700 partos. Quando ela se preparava para ter seu próprio bebê, em dezembro de 2016, escolheu ter o acompanhamento de duas enfermeiras obstétricas, em um parto domiciliar.

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"Para mim, foi fundamental ter total liberdade de mudar de posição, andar, participar das decisões",  ressalta ela, hoje mãe de Gael. "A OMS reforça o que a gente vem falando há tempos: 'respeitem a fisiologia'. A mulher sabe parir, e o bebê sabe nascer. É preciso entender isso".

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