> >
'Já fiz alguns divórcios por causa de WhatsApp'

"Já fiz alguns divórcios por causa de WhatsApp"

Uma das maiores especialistas em Direito de Família do país defende, em livro, que é possível evitar o estresse no momento da separação

Publicado em 18 de março de 2018 às 00:48

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
A atriz Julia Roberts, no filme "Comer, Rezar, Amar": personagem faz da separação uma oportunidade para aprendizado e autoconhecimento. (Reprodução/Youtube)

É verdade que ninguém se casa para se separar depois. Mas é verdade também que o divórcio é o desfecho inevitável de muitos casamentos. E, se o começo estava em suas mãos, o fim também está. É o que defende a advogada Diana Poppe, uma das maiores especialistas em Direito de Família do país, no livro “Manual do Bom Divórcio”. Como assim “bom divórcio”?. Nesta entrevista, Diana explica como tornar esse processo menos sofrível para ambas as partes, apesar de reconhecer seu efeito devastador sobre a vida delas.

O que vem a ser um bom divórcio, afinal?

No livro, cito algumas questões que ajudam a pessoa a perceber se o divórcio foi bom. Por exemplo, se as pessoas estão se falando com respeito; se conseguiram combinar a logística dos filhos, focando neles acima de tudo, independente de qualquer questão que tenham como ex-casal; se a partilha dos bens foi equilibrada; se todo mundo foi respeitado dentro do que foi construído no casamento... Um bom acordo de divórcio é aquele com o qual os exs consigam conviver e, não, um acordo em que um dos dois acredite que saiu ganhando.

Mas mesmo sendo um bom divórcio, não tem como sair do casamento sem mágoas, tristeza, né?

Claro. Mágoa, tristeza, frustração, tudo isso você vai ter que vivenciar. O casamento era um projeto, foi sonhado, planejado. Quando isso tudo acaba, não tem como, num primeiro momento, seguir adiante feliz, contente. Há uma decepção com você, com o outro, com o que você imaginava do casamento. Mas tem muito aprendizado para se tirar de um divórcio. Se você conseguir tirar proveito desse processo terá muito a aprender sobre si mesmo e esses aprendizados costumam ajudar a seguir em frente melhor.

Nem toda separação é ruim…

É verdade. O divórcio, quando é necessário, provoca uma disruptura tão grande que vira uma oportunidade para reconstruir sua vida, sabendo onde errou, onde acertou, o que quer carregar para frente e deixar para trás. Claro que ninguém se casa para se divorciar, todo mundo quer que dê certo. Mas o divórcio pode ser inevitável e, se for, é preciso enfrentá-lo de forma mais positiva, como uma grande oportunidade de reconstrução e descobertas. As pessoas podem pensar que estou fazendo apologia ao divórcio. Não é isso! Sou apaixonada pela família. Mas se não há mais qualidade na relação de um casal, é preciso respeitar isso e seguir adiante.

Construir um bom divórcio, como seu livro sugere, não parece fácil...

Quando fiz o manual, tentei informar algumas importantes questões que a pessoa provavelmente terá que tratar, enfrentar, tanto juridicamente quanto emocionalmente. Tentei decifrar esse enigma num manual bem informativo. Se você tiver noção do que você deverá enfrentar, pode ficar mais fácil. É um momento tão confuso que você tende a se agarrar em algumas questões. Por exemplo, você pode ter medo de perder tempo de convívio com seu filho. Aí, é preciso entender que acima do seu medo tem o interesse do seu filho de conviver bem com ambos os pais. Para um filho é melhor que os pais se respeitem do que vê-los brigando por dias a mais com um ou outro. Mas você pode cair nessas ciladas. Até porque, culturalmente, ainda é aceito e às vezes até esperado que você brigue. Parentes e amigos costumam cobrar atitudes quando deveriam trazer, apenas, conforto e apoio.

O que todo casal deveria saber antes de se casar? Que só o amor não basta?

Amar o outro não é suficiente para o casamento dar certo. Há muitas outras questões. E é preciso entender que essas questões vão estar batendo na porta do casal diariamente. Tem filhos, profissões, interesses pessoais de cada um, envelhecimento, comprometimento, o que cada um espera do casamento. Por exemplo, se um dos cônjuges quer muito ter filhos, mas o outro não quer, não vai ser suficiente esse amor para fazer a relação dar certo. Deve-se pensar, então: o que é mais frustrante? Viver sem esse amor ou viver sem filhos? É importante se conhecer e se respeitar antes de juntar sua existência com a de outra pessoa. O que é mais importante para você. O que deseja, o que pode abrir mão, o que é inegociável numa parceria. Quanto mais você souber de si e puder dividir com seu amor, melhor para o casamento. Há muitas fases na vida de um casal, e a vida não perdoa. Ilusão e expectativa só atrapalham. Amar o outro é muito importante, mas se fosse a solução para tudo que um casal terá que viver e enfrentar não se ouviria falar tanto em divórcio.

As pessoas, em geral, entram com muita expectativa no casamento? Isso é um erro?

Sim, elas entram com muita expectativa. Acreditam que o amor vai resolver todos os problemas. Falta essa consciência de que a vida a dois é para ser melhor do que a vida estando sozinho. Mas ser melhor não quer dizer que será fácil. A vida não é fácil em nenhum momento. Então se decidiu se casar escolha para estar ao seu lado alguém que te apoie, que te incentive, e que torne a sua vida melhor. O problema é quando o casal tem expectativas diferentes em relação ao casamento. Um já sabe que não está bom, mas acredita que o outro vai mudar. Esse é um erro clássico no casamento. Iludir-se nunca é uma boa ideia. É preciso encarar as coisas com o máximo de honestidade possível.

O velho “combinado não sai caro”...

Sim. É importante, antes de se casar, ou mesmo durante o casamento, conforme a vida vai mudando, ajustar os combinados e tomar certas precauções. Se quando se casaram ambos trabalhavam e contribuíam para as despesas da casa e da família. Aí o filho nasceu e um dos pais decidiu parar de trabalhar para cuidar do filho, por exemplo. É preciso tomar essa decisão que vai impactar a capacidade econômica da família juntos. E definirem se haverá um prazo para isso. E um deixar claro para o outro o que acha dessa decisão. Já vi muito casamento acabar porque num dado momento um dos pais se viu como arrimo de família e cansou de esperar o outro voltar ao trabalho. Ficou esperando uma atitude em vez de combinar lá atrás. E nesse tempo o olhar para o outro foi mudando até acabar toda admiração. Definir o regime de bens, por exemplo, antes do casamento. São questões fundamentais para serem conversadas e combinadas para evitar o fim, ou para se construir um fim mais feliz. Até porque nunca sabemos do que seremos capazes na hora em que a ruptura acontece.

A maioria acha pouco romântico falar dessas coisas antes do casamento.

Pode parecer antirromântico. As pessoas se casam sem falar sobre filhos, bens, achando que isso estraga o momento maravilhoso, mas muito mais grave é não falar. Questões de patrimônio dão uma confusão danada. Um dos dois pode querer se valer de sua capacidade ou incapacidade econômica para prejudicar a outra pessoa. Por outro lado, se você faz as coisas serem mais sinceras, verdadeiras, se você entende que o amor é vulnerável, você pode cuidar melhor dele. E isso é ainda mais romântico do que viver uma ilusão.

O segundo casamento tende a dar mais certo?

Tenho 18 anos de carreira. Já vi casos de pessoas que estavam no quinto casamento e que disseram que se soubessem de certas coisas antes não teriam se separado no primeiro casamento. Não tem fórmula. Enquanto a pessoa achar que a felicidade está no outro, no casamento, a tendência é dar errado novamente. O divórcio permite muito esse olhar para dentro de si, quando você pode pensar no que fez de errado, o que buscou de errado naquela história. Você vai ao fundo do poço e pode voltar melhor, pronto para relacionamentos melhores. Mas se o aprendizado e a responsabilização não acontecem e você passar por tudo isso simplesmente culpando e responsabilizando o outro, passando longe do processo de mea-culpa, autoconhecimento, comprometimento, a tendência é você voltar a errar e ter um segundo, um terceiro, um quarto casamento ruins.

O que costuma ser mais motivo de briga no divórcio? Filhos? Pensão? Bens?

Tudo isso! Claro que o dinheiro acaba sendo a resposta mais fácil que as pessoas encontram para esconder sentimentos que às vezes nem elas sabem que sentem e o dinheiro ajuda muito a confundir isso. Quem não consegue resolver uma rejeição, por exemplo, e acha que vai resolver isso pedindo ou negando muito dinheiro de pensão. É muito importante reconhecer dentro de si a razão real para a manutenção de um vínculo com aquela pessoa, nem que seja através do litígio. Normalmente são questões emocionais não resolvidas que fazem os divórcios durarem anos de grande sofrimento.

No livro, você defende que no divórcio, ambos têm que estar preparados para abrir mão.

É preciso que as pessoas estejam mais conscientes do que estão dispostas a abrir mão, a ceder, em favor do outro e o ganho vem por conta disso. Claro que é fundamental conhecer e reconhecer seus limites e demandas e respeitá-los. Mas na construção de um bom acordo ninguém consegue tudo que deseja. É importante saber o que dá pra deixar ir. Paz, filhos saudáveis, bons exemplos, aprendizados, capacidade de novas e melhores escolhas, são ganhos que não se pode contabilizar, mas que valem muito.

Infidelidade é ainda uma grande causa de divórcios?

Ainda é. E nesse mundo virtual, é um motivo mais forte ainda. Há conflitos por conta de redes sociais. Todo mundo está mais exposto. Já fiz alguns divórcios por causa de WhatsApp. O marido entra no banho, a mulher vai ler a mensagem que chegou, e o mundo desmorona. Digo sempre que antes de pegar o celular do outro é legal entender que o casamento não blinda ninguém da vida. É importante respeitar os limites do outro e ter seus limites respeitados também. Além de muita conversa, respeito e uma dose adequada de expectativas.

Nesta crise econômica, pelo que você observa, tem ocorrido mais divórcios?

Não consigo dizer se acontece mais ou menos. Mas certamente com o divórcio a situação financeira da família se modifica. A capacidade financeira influencia de forma positiva ou negativa num divórcio saudável. Porque o divórcio exige um investimento financeiro maior de ambas as partes.

BONS CONSELHOS

Quem ouvir

Amigos podem ser um problema a mais: cobram atitudes, dão muitas opiniões e podem não ter a distância necessária para uma ajuda positiva. Prefira ouvir a voz de profissionais: advogados especializados em Direito de família, mediadores, terapeutas de casal e particulares. Ah! E cuidado com quem lhe der muita razão. Alguma você tem, mas não toda.

Mantenha o controle

Preocupe-se em ser discreto e gentil quando falar com o ex-parceiro, mesmo que no fundo não deseje. Palavras mal ditas custam caro. A melhor forma de não se arrepender de suas atitudes é mantendo o controle

Não espere tudo da Justiça

Não coloque muita expectativa na “Justiça”. A estrutura dos tribunais pode ser, por vezes, bastante disfuncional. Tente transferir essa expectativa para si mesmo. Tenha em mente que o casal chega junto ao fim da linha. Há erros e acertos de todos os lados. Olhe para dentro de si, entenda-se e se desculpe

Aprenda a ceder

Construir um acordo de divórcio exige mais esforço do que colocar sua vida nas mãos de um juiz. Não há como construir consenso querendo sempre ganhar. Entretanto, é mais bem sucedido quem descobre do que pode abrir mão

Deixe combinado

Assuntos delicados como regime de bens, guarda dos filhos e quem vai sustentar a família podem ser tratados antes e durante um casamento. O pacto antenupcial está virando moda e pode ajudar

Pense nos filhos

Ninguém deixa de ser pai ou mãe com o divórcio. Respeitar o outro é respeitar seu filho. Decisões relativas à vida dos filhos devem ser tomadas por ambos os pais e em prol dos interesses da criança

Este vídeo pode te interessar

Fonte: O Globo

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais