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Childfree: hotéis e restaurantes barram crianças no ES

Childfree: hotéis e restaurantes barram crianças no ES

Alguns locais no Estado adotam essa prática. Questão é controversa para leigos e também entre os especialistas da área de Direito

Publicado em 6 de abril de 2018 às 17:40

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(Shutterstock)

Uma família viaja a passeio e, ao chegar ao hotel escolhido, uma surpresa nada agradável: ali, criança não entra. No restaurante aconchegante, a mesma coisa. A onda de estabelecimentos onde a criança é “persona non grata” não é nova. Mas a polêmica está sempre gerando debates e movimentando redes sociais em todo o país.

Muitos locais, como justificativa para essa política, alegam que mantêm seu foco em um outro perfil de público, que não é o infantil. Quem tem filho pequeno provavelmente não concorda com esse tipo de restrição. Mas o fato é que a questão é controversa para leigos e também entre os especialistas da área de Direito. Afinal, ela pode ser vista como estratégia de negócio ou é pura e simplesmente discriminação?

Na famosa Rabo do Lagarto, situada em Pedra Azul, destino romântico de muitos casais em lua-de-mel, o requinte e conforto não estão à disposição de hóspedes com menos de 14 anos de idade. Uma medida adotada desde que a pousada abriu as portas, em 2003.

FOCO

Lilia Mello, proprietária da pousada Rabo do Lagarto. (Ronaldo Carlos | Divulgação)

“Temos um atendimento dirigido a um público. Nosso foco é para privilegiar casais, que querem comemorar datas importantes para eles com sossego”, afirma a proprietária, Lilia Mello.

Ela garante que nunca teve problemas com reclamações. “Na região, há muitas opções de hospedagem para crianças. Todas aceitam, na verdade, o que me deixa tranquila para praticar essa política. Nossos profissionais têm habilidade para lidar com possíveis questionamentos, que são raros. Nossas páginas e toda troca de correspondência de e-mail trazem essa informação, para não haver constrangimento”.

O restaurante dentro da pousada também não recebe os pequenos. “Temos um cardápio mais voltado para o paladar do adulto, que vai encontrar aqui tranquilidade, romantismo. Temos objetos com bordado, cristais, guardanapos de linho... Não achamos justo com o hóspede que um casal de fora venha com criança, que fica impaciente, corre, chora”, destaca Lilia.

Tudo foi pensado desta maneira desde o início, segundo a empresária. “É uma pousada com muitos detalhes, não apropriada para crianças. Todo um ambiente muito mais elegante em função dos objetos de decoração, como cafeteiras em todos os quartos, uso abundante de janelas de vidro. Coisas que podemos nos dar ao luxo de ter porque nosso projeto foi feito para público adulto. Se fôssemos receber crianças, isso poderia oferecer algum risco”.

SANTA TERESA

Quem for para Santa Teresa curtir a folga em família também deve se certificar sobre onde as crianças serão bem-vindas. Na pousada Vita Verde, elas não são aceitas.

“Nossa proposta é mais intimista. Temos uma espaço pequeno, de apenas nove quartos: sete suítes e dois chalés. Uma criança, às 7 da manhã, gritando e correndo pela pousada é algo que tira o sossego dos hóspedes, que querem curtir a natureza, descansar, dormir até tarde”, argumenta o proprietário, Rubem Rabelo.

O ambiente em si, diz Rubem, não é adequado para menores. “Não tenho estrutura física para receber crianças. Os quartos não têm espaço para cama extra, por exemplo. Temos um lago a 30 metros da pousada. É uma questão de segurança também”.

O risco à integridade física da criança é, de fato, uma justificativa aceita pelos órgãos competentes quando avaliam o tema. No entanto, de acordo com Thais Dantas, advogada do Instituto Alana, organização sem fins lucrativos que atua na defesa dos direitos da infância, na prática não é o que se vê nos estabelecimentos que usam esse argumento para barrar os pequenos.

“Nos casos que temos, não se verifica essa inapropriação. Pensamos que qualquer lugar que seja criado para prestar um serviço ao público em alguma medida tem que pensar em não colocar em risco as crianças. Só a presença de cristais no ambiente não o torna inseguro”, afirma a advogada.

Ela ressalta que outros órgãos e entidades que defendem crianças e consumidores já se manifestaram sobre essa prática. Para o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), por exemplo, ela é ilegal e discriminatória de acordo com o Código de Defesa do Consumidor e com a própria Constituição Federal.

VIOLAÇÃO

Segundo o Idec, os estabelecimentos não podem usar o princípio da livre iniciativa para limitar a entrada de crianças, com exceção de locais inapropriados para esse público. Além disso, afirma o órgão, impedir a entrada dos pequenos viola o Estatuto da Criança e do Adolescente, por gerar um constrangimento ou situação vexatória para a criança. O Idec orienta, inclusive, que a situação seja denunciada ao Procon local ou ao Ministério Público.

A advogada Beatriz Fraga de Figueiredo defende a visão contrária. “Esse tipo de medida é absolutamente legal. Visa assegurar a exploração legítima de um nicho de mercado, com a criação de um modelo de negócio para um público diferenciado”.

PRÁTICA É 'LIVRE INICIATIVA', DEFENDEM ENTIDADES

O casal Aides Bertoldo e Marcia Reali Bertoldo, com um dos filhos, o Guilherme, de 10 anos: família critica restaurantes que não aceitam crianças. (Marcelo Prest)

Um restaurante antigo de Vitória, localizado na Enseada do Suá, tem a fama de não receber crianças. Talvez seja único do qual se tenha conhecimento que pratique essa política.

O presidente do Sindicato dos Restaurantes, Bares e Similares do Espírito Santo (Sindbares) e da seccional capixaba da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Rodrigo Miguel Vervloet, não vê problemas nesse tipo de política, de barrar crianças.

“O Sindbares e a Abrasel são sempre a favor do respeito à livre iniciativa e entendem que as empresas podem adotar modelos de negócios distintos para públicos diferentes. Mas qualquer tipo de condicionante que exista em uma casa deve ser amplamente divulgada para os consumidores. Além disso, defendemos que prevaleça sempre o bom senso entre ambas as partes”, informou, por meio de nota.

Algumas famílias, porém, criticam esse tipo de postura. “Para mim, não faz o menor sentido. É discriminatório e mostra uma falta de visão do comércio”, opina o advogado Aides Bertoldo da Silva, 67 anos, pai do Bernardo, de 16 anos, e do Guilherme, de 10.

“Por que separar a família da hora da refeição? É até ofensivo”, completa a esposa dele, a também advogada Márcia Reali Bertoldo, de 41 anos.

Dono do Oriundi, restaurante de comida italiana em Vitória, o chef Juarez Campos nunca pensou em impedir a entrada dos pequenos clientes. “No domingo, eles são a alegria da casa. Em 25 anos de restaurante, nunca tive um cliente reclamando de uma criança chorando”, comenta.

No entanto, ele entende hotéis e pousadas que limitam a hospedagem. “Respeito que tenham outro perfil. Principalmente estabelecimentos em roteiros de charme, que são feitos para adultos. Na Europa, são muito comuns. Não há nada para a criança fazer ali”, comenta ele.

A FAVOR

Medida é absolutamente legal

 Beatriz Fraga de Figueiredo | Advogada pós-graduanda em Direito Empresarial 

Não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, nenhuma norma expressa que proíba um estabelecimento comercial (hotéis, restaurantes, pousadas, etc) de restringir o seu público, notadamente com a proibição do ingresso de crianças e adolescentes em suas dependências. Em verdade, o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a prática de qualquer ato de discriminação direcionada a este público.

Contudo, a restrição ao acesso de crianças e adolescentes não consiste em uma prática discriminatória a uma raça, gênero, nacionalidade e nem religião, mas tão somente uma liberalidade inerente ao poder de gestão, a exemplo do que ocorre em casas noturnas, cuja entrada só é permitida para maiores de 18 anos.

Esse tipo de medida – absolutamente legal, frise-se - visa assegurar a exploração legítima de um nicho de mercado, com a criação de um modelo de negócio para um público diferenciado. Afinal, a seleção do público alvo é pressuposto básico para uma boa gestão e ocorre, invariavelmente, em outros setores. Além de ser uma estratégia de mercado, a restrição do público também busca, em algumas situações, evitar a ocorrência de eventuais acidentes, protegendo a integridade física de menores.

Afinal, não é todo o estabelecimento comercial que possui condições estruturais e um ambiente adequado para receber crianças e garantir a sua total segurança. O empresário não é obrigado a realizar tais investimentos se não está disposto a receber tal público. O que deve ocorrer, sem dúvida alguma, é uma divulgação ostensiva dessa informação.

Se opta por não receber crianças, não há problemas nisso, desde que informe a todos sobre sua prática de mercado. Caso assim não proceda, aí sim estaremos diante de uma conduta violadora dos princípios e regras do Código de Defesa do Consumidor.

CONTRA

Pelo respeito aos direitos das crianças

 Luiz Gustavo Tardin | Advogado especialista em Direito do Consumidor 

Na minha visão, há muitos argumentos jurídicos e fáticos contra essa política de certos estabelecimentos de restringir a entrada de crianças. Trata-se de uma prática ultrapassada. Estamos vivendo uma era de diversidades, igualdade de pessoas e de gêneros. Vale lembrar que as crianças possuem personalidade jurídica, com direitos e deveres como adultos. Além disso, podemos citar a própria Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III, que fala do princípio da dignidade da pessoa humana.

Os locais que barram crianças costumam alegar questões de segurança, falta de estrutura. No entanto, o Código de Defesa do Consumir (CDC) também é claro ao afirmar que todo estabelecimento tem o dever de prestar um serviço que garanta a segurança dos usuários, de crianças a idosos. Se o produto oferecido é inseguro, o prestador deve ser impedido de prestar o serviço, cabendo fiscalização dos órgãos competentes, entre eles o Procon e o Ministério Público. Ele poderia fazer adaptações no local, de modo a não gerar risco para os pequenos.

Entendo que os estabelecimentos, por sua vez, podem restringir os hóspedes para certas atividades de acordo com a idade, como uso de equipamentos na área recreativa, por exemplo. Mas não podem impedir a hospedagem de menores. Da mesma forma, restaurantes não podem impedir a entrada de nenhuma pessoa se ela tem condições de pagar e atende à forma de pagamento do estabelecimento. O CDC fala de práticas abusivas em seu artigo 39, nos incisos II, VIII e o IX.

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Na verdade, o que querem os estabelecimentos é evitar perturbação. E isso é algo muito questionável, não faz o menor sentido. Afinal, quem disse que o cliente adulto não pode perturbar? A perturbação vem só da criança? Isso é preconceito!

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