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Cientistas começam testes de droga que pode recuperar paralisias

Cientistas começam testes de droga que pode recuperar paralisias

Ensaio clínico vai avaliar segurança e eficácia de substância que se mostrou capaz de regenerar nervos da medula espinhal em experimentos com animais

Publicado em 19 de abril de 2018 às 10:29

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Pesquisadores da UFRJ começaram a recrutar pacientes para o primeiro ensaio clínico da polilaminina, substância que estudos anteriores em animais mostraram ser capaz de promover a regeneração de nervos danificados. A ideia é aplicar a polilaminina em pessoas que cheguem aos hospitais participantes — Sousa Aguiar, no Centro do Rio, e Azevedo Lima, em Niterói — com lesões na medula para ver se é possível também reduzir as sequelas ou mesmo evitar a paralisia provocada por esse tipo de trauma em humanos.

— Nos testes com ratos vimos que, quando as lesões foram moderadas, como a compressão da medula, eles recuperaram totalmente os movimentos. Já quando a transecção (corte) da medula foi completa, a recuperação foi menor — conta Tatiana Sampaio, chefe do Laboratório de Biologia da Matriz Extracelular do Instituto de Ciências Biológicas da UFRJ, responsável pelo experimento. — Mas nossa expectativa é observar uma melhora motora significativa dos pacientes recrutados, incluindo a possibilidade de voltarem a andar. Dependendo do tipo de lesão e do acompanhamento posterior com neurologistas, fisioterapia etc., isso pode acontecer, sim.

Tatiana explica que a escolha de hospitais especializados em atendimentos de emergência de traumas para esse primeiro ensaio clínico se deveu ao fato de os estudos anteriores com animais terem demonstrado que, quanto mais rápida for a aplicação da polilaminina após a lesão, melhores os resultados. Para participar do experimento, limitado a 20 pacientes, no entanto, as vítimas das lesões devem se encaixar em uma série de critérios: elas não podem ser politraumatizadas, isto é, apresentar vários ferimentos, basicamente só a lesão na medula; devem ter entre 18 e 60 anos de idade; não sofrer com doenças neurológicas; a lesão deve ser entre a quinta vértebra cervical (C5) e a última vértebra torácica (T12); e, por fim, a lesão deve ser considerada completa clinicamente, isto é, o paciente não deve ser capaz de movimentar nem apresentar nenhuma sensibilidade abaixo do local do dano na medula.

— Incluímos esse último critério porque cerca de 15% dos pacientes que ainda têm alguma sensibilidade após a lesão na medula voltam naturalmente a recuperar os movimentos, então não saberíamos dizer se a recuperação foi provocada pelo tratamento com a polilaminina ou natural — complementa a pesquisadora, acrescentando que, caso se encaixem nesses critérios estritos, os voluntários deverão receber injeção da substância no local lesionado no prazo máximo de três dias.

Ainda segundo Tatiana, a decisão de limitar esse ensaio clínico inicial a apenas 20 pacientes se deve a diversas dificuldades para sua realização com as devidas segurança e presteza de forma a avançar com as pesquisas em torno do uso da polilaminina em humanos também o mais rápido possível. Isso porque, de acordo com o protocolo do experimento aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), os pacientes deverão ser acompanhados durante um ano por uma equipe multidisciplinar composta por médicos de diversas especialidades, fisioterapeutas e outros profissionais.

— É um acompanhamento longo, e depois temos que fechar os resultados e publicá-los. Se fôssemos fazer com mais que isso, ficaríamos eternamente nesse experimento — diz. — Então decidimos fazer um experimento menor, e depois fazemos outro maior.

Assim, o ensaio clínico atual é classificado como sendo do que são conhecidas como fases um e dois desse tipo de experiência. Normalmente, essas fases são conduzidas em separado, com a primeira testando basicamente a segurança da administração de uma substância em um pequeno grupo de voluntários saudáveis, e a segunda já abordando sua eventual eficácia também em um pequeno grupo de pessoas vítimas do que quer que ela se proponha a tratar ou curar. Nesse caso, porém, essas fases foram agrupadas, já que seria “eticamente impensável” injetar a polilaminina na medula de pessoas sem lesões, lembra Tatiana.

— Já fizemos os testes de segurança e tolerância em animais, ratos e cães — esclarece a pesquisadora. — Monitoramos eles e não observamos nenhum efeito deletério neurológico, no sangue ou hepático, o que nos deu confiança e subsídios para dar início aos testes com humanos.

Já uma eventual fase três do ensaio clínico — que geralmente expande as avaliações sobre a eficácia de uma substância a centenas ou mesmo milhares de pacientes, além de procurar por possíveis efeitos colaterais ou reações indesejadas, e é a última antes de um novo remédio ou tratamento ser levado para aprovação das autoridades de vigilância sanitária — vai depender não só de bons resultados no experimento inicial como de uma parceria com alguma empresa farmacêutica ou instituição interessada, já que o laboratório chefiado por Tatiana, e mesmo a UFRJ, detentora da patente da polilaminina e seu processo de fabricação, não dispõem dos recursos necessários para esse tipo de investimento.

— Não é problema do custo de produção da droga, que é relativamente barata, mas as dificuldades logísticas que tudo isso envolve — destaca.

E, de fato, estas dificuldades não são poucas, como mostra o tempo que Tatiana e sua equipe levaram para conseguir realizar este primeiro ensaio clínico. O estudo com ratos que demonstrou o potencial de regeneração da medula pela substância foi publicado ainda em 2010, mas apenas há dois anos o experimento foi aprovado pelo Conep e só agora ele está começando.

- Esta demora foi devido a esta questão de logística, pois tivemos que adquirir competências e montar a equipe multidisciplinar com especialistas de diversas áreas que vai acompanhar o ensaio – conta. - E estas pessoas ainda por cima têm que estar dispostas a trabalhar de graça, pois não há remuneração pela participação. Já depois da aprovação do Conep o problema passou a ser o sistema de saúde do Rio de Janeiro, com os diretores de dois hospitais que a princípio participariam do ensaio recuando. Então, finalmente só agora estamos começando a recrutar pacientes.

E, embora o ensaio clínico foque apenas o uso da polilaminina no tratamento de lesões recentes, estudos já realizados por Tatiana e colegas apontam outras potenciais aplicações da substância. Segundo ela, os testes com animais revelaram que em alguns casos as injeções também podem promover a recuperação de lesões antigas nos nervos, mas ainda não há perspectivas de quando — e se — essa capacidade será avaliada em humanos.

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Por fim, estudo publicado recentemente pelo grupo num prestigiado periódico científico da área de neurociências, o “Journal of Neuroscience”, mostrou que a laminina está presente em chamados “nichos” no cérebro que abrigam células-tronco responsáveis pela formação de novos neurônios ao longo de praticamente toda a vida de uma pessoa, a chamada neurogênese. Com isso, abre-se caminho para pesquisas sobre o uso da substância também no tratamento de doenças neurodegenerativas como Alzheimer e Parkinson, marcadas pela morte dos neurônios. Assim, mesmo que não consiga curar esses males, a polilaminina poderia ajudar a frear seu progresso e sintomas com o estímulo à produção de novos neurônios nesses “nichos”.

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