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Jejum intermitente pode trazer riscos?

Jejum intermitente pode trazer riscos?

Especialistas analisam método que prega 16h ou mais sem comer

Publicado em 19 de maio de 2018 às 20:47

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A moda agora é ficar sem comida por um longo período com o objetivo principal de perder peso. (Reprodução)

Ficar horas, horas e mais horas sem comer. Muita gente resolveu jejuar, e não é por motivos religiosos. A moda agora é ficar sem comida por um longo período com o objetivo principal de perder peso.

A prática vem sendo muito divulgada na Internet, com depoimentos de pessoas entusiasmadas porque estão emagrecendo com o chamado jejum intermitente. Há até cursos ensinando o método, que pode variar entre 12 horas, 16 horas e até 24h sem comer.

Jejuar, de fato, emagrece. Mas apesar de todos os especialistas concordarem com isso, ele estão divididos a respeito desse tipo de estratégia: uns pregam maravilhas do jejum intermitente, que teria benefícios que vão do emagrecimento, passando pela desintoxicação do organismo e levando à longevidade. Outros, porém, têm várias ressalvas e alertam que o jejum não funciona com qualquer pessoa, que não é a melhor forma de perder gordura e que ainda pode trazer riscos à saúde.

No jejum intermitente, a pessoa faz a última refeição por volta de 20 horas e só vai voltar a se alimentar meio-dia no dia seguinte. E as demais refeições devem ser equilibradas, sem excessos. Assim, uma dieta, que normalmente é de 2.000 calorias, cai para 500 calorias.

ABANDONO

“Embora o jejum possa causar emagrecimento, isso ocorre às custas de uma perda grande de massa muscular e água. Nem todas as pessoas têm o perfil para jejuar ou fazem de forma errada. Ficar muito tempo sem comer pode causar dor de cabeça, tontura, dificuldade de concentração, irritabilidade e fome compensatória. Por isso, a taxa de abandono de tratamento é muito alta”, pondera o endocrinologista Eduardo Camargo.

Sem falar, destaca Camargo, que métodos de restrição de calorias como esse costumam caminhar juntos com transtornos alimentares graves, como anorexia, bulimia e compulsão.

A endocrinologista Luzanere Cruz também tem o pé atrás com esse tipo de método. “Foram estudar os muçulmanos no Ramadã, que ficam um mês inteiro em jejum. E descobriram que o jejum realmente melhora alguns perfis metabólicos, a pressão, o colesterol e o peso. Mas são estudos muito pequenos”, aponta.

Para ela, o jejum intermitente não é para todo mundo: “E não é qualquer jejum que pode ser feito. Há regrinhas para seguir”.

Entusiasta da ideia e pesquisador do método, o médico Juliano Pimentel defende que o jejum pode e deve ser feito por qualquer pessoa e cita benefícios para corpo e cérebro. “Todo adulto saudável pode e deve fazer jejum. É possível, é seguro e é politicamente correto, porque tanto rico quanto pobre pode fazer. O organismo precisa de tempo para se limpar. A ideia não é restringir calorias, é permitir que seus hormônios ciclem normalmente, possibilitando momentos de escassez e momentos de abundância”, explica ele.

ZONA DE CONFORTO

A nutricionista Roberta Larica costuma indicar o jejum intermitente para pacientes dentro de uma estratégia nutricional. “Existem pessoas que se adaptam bem ao jejum. Outras, não. Ele pode ser utilizado em algum momento do tratamento de reeducação alimentar, sempre com o propósito de tirar nosso organismo da zona de conforto e promover melhora dos resultados”, diz.

Segundo Roberta, se o método for feito de forma correta, não há riscos. “Ele tem benefícios, mas se for aplicado de uma a duas vezes na semana, sendo que o protocolo mais bem avaliado é o de 16 horas de jejum. O problema é que tem gente fazendo errado. Se o jejum for feito de forma desequilibrada, com durabilidade errada, se não houver uma hidratação correta, pode haver um desequilíbrio metabólico, e a pessoa até ficar até desnutrida”, observa.

Ela lembra que durante o período de jejum a pessoa não fica sem ingerir nada. “Ele não é zero ingestão. É preciso que haja uma hidratação. Por isso, são liberadas bebidas de baixa caloria, como café, chá, suco de limão, de maracujá ou caju. Há toda uma recomendação, inclusive para iniciar e encerrar o jejum com alimentos certos para não ter sintomas de mal-estar”.

Danielli Simonassi Nantes, médica. Durante um jejum de 16 horas, feito uma vez por semana, ela só pode tomar café. (Carlos Alberto Silva)

A médica ginecologista Danielli Simonassi Nantes, 34 anos, já havia tentado o jejum por conta própria e não deu certo. Ela buscou orientações com uma nutricionista, mudou hábitos alimentares e agora está satisfeita. “Faço o jejum de 16h. Não como nada de manhã. Só bebo água e café. Adaptei-me. O organismo fica mais inteligente, não sinto fome a toda hora. Antes comia por ansiedade”, contou ela.

Geo Maia, 50 anos, empresária, comendo frutas. Geo faz jejum intermitente para emagrecer, e já perdeu 6 quilos. (Carlos Alberto Silva)

A empresária Geo Maia, 50 anos, já tentou várias dietas, mas diz que só viu resultado com jejum e alimentação saudável. “Comecei o jejum intermitente primeiro de 12h, depois de 16h e agora de 18h. Em quatro meses, perdi seis quilos”, disse ela.

 

 

ENTENDA O JEJUM INTERMITENTE

O QUE É

O jejum intermitente é um termo usado para definir um padrão alimentar que se alterna entre períodos de jejum e alimentação.

COMO FUNCIONA

Há diferentes protocolos, que envolvem jejuns diários de 12, 14 ou 16 horas, que é o mais comum. Ou jejuns de 16h, duas ou três vezes por semana. Ou ainda jejum por 24 horas, duas vezes por semana. Há quem defenda que pode ser feito todos os dias.

O QUE PODE

No jejum de 16h, por exemplo, a pessoa faz a última refeição por volta de 20h e só vai se alimentar ao meio-dia do dia seguinte. Nesse período, só pode ingerir bebidas não calóricas, como água, chá natural e café (sem açúcar).

QUEM PODE

O método não é indicado para grávidas, lactantes e diabéticos. Mas há quem afirme que ele também não se aplique a qualquer pessoa e que quem tem por hábito sentir menos fome pela manhã tende a se adaptar melhor a ele.

QUEM DEFENDE AFIRMA...

O jejum intermitente reduz a ansiedade, já que é um método que exige disciplina, controle;

- Ele atua reduzindo a glicose no sangue, aumenta a imunidade, prevenindo doenças;

- Reduz níveis de estresse oxidativo e inflamação. Ativa genes que levam à longevidade;

- Leva a emagrecimento, pois reduz a fome, acelera o metabolismo e induz à queima de gordura.

CRÍTICAS

O jejum intermitente de fato promove o emagrecimento, mas há quem afirme que a perda de gordura ocorra à custa de perda de massa magra também, o que não é saudável.

- A maior parte dos estudos foi feita com ratos. Não há pesquisa que aponte efeitos da prática de longo prazo. Estudos com humanos foram curtos, sem garantir segurança;

- Métodos de restrição alimentar caminham lado a lado com transtornos alimentares (bulimia, anorexia...).

- Pode causar náusea, dor de cabeça, tontura, arritmia cardíaca e fome compensatória, ou seja, a pessoa tende a exagerar na comida após o jejum

Análises

"Todo adulto saudável deve fazer jejum"

Juliano Pimentel, médico

“O jejum é usado há milênios em diversas culturas, como na medicina chinesa, na ayurveda indiana, no cristianismo, no islamismo, no budismo... Na verdade, todo mundo faz jejum quando dorme e depois vai fazer um exame de sangue pela manhã, por exemplo. Grande parte da população consegue ir para o trabalho sem comer nada. Nosso código genético reconhece isso. Nunca nenhum homem foi caçar fazendo um lanche antes. É uma invenção de moda falar que tem que comer de três em três horas. Muita gente engordou brutalmente em nosso país seguindo isso. As pessoas confundem muito fome com vontade de comer. Se têm vontade de comer a cada três horas é porque comem errado, não bebem líquido, usam alimentos como carboidratos refinados. Disseminaram mitos como ‘saco vazio não para em pé’, ‘criança não pode sair de casa sem comer’... E isso se contrapõe a aspectos milenares. A maior fonte de estudos científicos com humanos é com muçulmanos, que ficam um mês em jejum durante o Ramadã, onde até crianças fazem jejum. O corpo está habituado a isso, mas polemizaram o assunto. É preciso ver o jejum com mais naturalidade, desmistificar esse pânico. Todo adulto saudável pode e deve fazer jejum. É possível, é seguro e é politicamente correto, porque tanto rico quanto pobre pode fazer”

Não é indicado para todo mundo

Eduardo Camargo, médico especialista em Endocrinologia e Metabologia

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De fato, o jejum é uma prática antiga, inserida em muitas culturas. Mas virou uma febre mais recentemente, atraindo pessoas que querem emagrecer rapidamente. O jejum é restrição calórica, emagrece sim. Em um estudo publicado em 2017, o grupo da Dra Krista A Varady, de Chicago, mostrou que não houve vantagens da jejum intermitente quando comparado à restrição tradicional de calorias. Houve perda de peso, mas que a partir do sexto mês de prática as pessoas tiveram dificuldades em manter isso, de forma semelhante ao que acontece quando se restringe as calorias diariamente. Essas pesquisas apontam que há um percentual de perda de gordura, mas também de massa magra. Esses são acompanhamentos considerados muito curtos (o mais longo foi de 1 ano), que não têm poder para garantir se o método é seguro a longo prazo. O problema é que o jejum é incentivado mesmo dentro da área médica. Dizem que aumenta a longevidade, mas só temos estudos sobre isso com animais de pequeno porte, nos quais observaram ainda efeitos colaterais, entre eles a fibrose do miocárdio, que é uma cicatriz no coração. Quando dizem que um método é bom para todo mundo tem que desconfiar. Muita gente faz o jejum, não come pela manhã, e quando vai almoçar, come mais do que deveria.

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