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Geração Youtube: vídeos escondem publicidade para crianças

Geração Youtube: vídeos escondem publicidade para crianças

Conteúdo é disfarçado de entretenimento para vender produtos

Publicado em 27 de julho de 2018 às 17:19

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Lara Callegari, com a filha Maria Julia, de 3 anos: a menina gosta de assistir desenhos no Youtube Kids. (Ricardo Medeiros)

Você pode não gostar muito de Youtube, mas seu filho gosta. Crianças bem pequenas, de 2 ou 3 anos de idade, já se conectam facilmente e passam um bom tempo lá, vendo um vídeo atrás do outro. Atraídas em principalmente por desenhos e clipes infantis, acabam expostas a conteúdos de diversos tipos.

Em um dos vídeos, uma voz feminina com tom infantil mostra “surpresinhas” dentro de potes de massinha da Galinha Pintadinha. A chamada modalidade “unboxing” (algo como “abrindo caixas”) é uma febre no mundo todo.

O problema é que esses canais infantis disfarçados de brincadeira não têm nada de inocentes. Eles fazem nada mais, nada menos, que publicidade, como uma armadilha pronta para fisgar o pequeno internauta para o mundo do consumo.

“Talvez alguns pais não saibam e achem que é conteúdo de entretenimento. Mas é publicidade, ou seja, mais com intenção de vender do que de divertir a criança”, observa o professor Edgard Rebouças, coordenador do Observatório da Mídia, grupo de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

Estratégia

Lara Callegari, com a filha Maria Julia, de 3 anos: a menina gosta de assistir desenhos no Youtube Kids. (Ricardo Medeiros)

Segundo ele, essa ‘brincadeirinha’ de tirar o brinquedo da caixa é uma estratégia. “Abrir presente é muito legal! E a criança se identifica, pricipalmente em vídeos feitos por outras crianças, que mostram brinquedos recém-lançados de personagens de sucesso. O menino vê aquilo e passa a pedir para o pai comprar aquele brinquedo, que, geralmente, é muito caro. Isso virou um negócio muito bom para empresas porque é mais barato mandar um produto para um youtuber do que pagar um anúncio na televisão”, afirma.

O assunto é bem sério e virou tema de estudos e debates entre especialistas de áreas como Comunicação, Psicologia, Educação etc.

A publicidade infantil é proibida no Brasil, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor. Em 2014, uma resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) passou a considerar abusiva toda publicidade direcionada a crianças.

Com um controle maior na televisão, o grande filão para as empresas virou a Internet, onde as regras não são muito claras ainda e onde esse tipo de conteúdo chega facilmente aos menores. A pesquisa TIC Kids Online Brasil, do Comitê Gestor da Internet, feita em 2016, apontou que entre os vídeos mais assistidos por crianças, 31,6% eram dessa categoria, os “unboxing”.

Legislação

“Esses vídeos são uma forma muito velada, camuflada, de publicidade. Estudos mostram que até os 12 anos de idade a criança não consegue entender que a publicidade tem um caráter persuasivo. Por isso, a legislação prevê que ela deve ser protegida disso, mas as empresas ignoram”, comenta Livia Cattaruzzi, advogada do Programa Criança e Consumo do Instituto Alana.

A preocupação já chegou às famílias. “Recebemos denúncias de pais que contam que os filhos pequenos acabaram caindo em publicidade de conhaque no Youtube”, relata a advogada.

Sem uma lei específica para publicidade e propaganda na Internet, cabe aos pais redobrarem a atenção quando a criança estiver com celular ou tablet na mão.

“Os pais precisam assistir a esses canais com os filhos e discutir com eles sobre esse tipo de conteúdo. Tem que acompanhar o que eles estão vendo na tela, pelos perigos não só em relação a sexo e violência, mas também a consumo de produtos, de alimentos. Porque consumismo é uma doença”, destaca Edgard Rebouças.

 

YOUTUBE PRECISA TER REGULAMENTAÇÃO, DEFENDEM ESPECIALISTAS

Quando um jovem engraçado enche uma banheira com chocolate ou fabrica uma jujuba gigante, por trás dessa farra ele está, na visão dos críticos, incentivando maus hábitos de consumo e de alimentação, outro perigo em um país onde a obesidade já virou epidemia entre os mais novos.

A jujuba gigante foi apenas um dos muitos vídeos com esse tipo de apelo no canal do youtuber Luccas Neto, de 26 anos, que tem mais de 17 milhões de seguidores, a maioria crianças. Ele afirma que abandonou esse perfil e tem focado em conteúdos educativos.

Especialistas ouvidos defendem que, assim como os autores dos vídeos têm que ser responsabilizados pelo que falam e publicam na Internet. Da mesma forma que a plataforma deve se responsabilizar pelo que veicula.

“É muito fácil falar que pai e mãe têm que acompanhar o que os filhos estão vendo. Os pais têm uma função importante, claro. Mas não dá para jogar essa responsabilidade só na família. As crianças estão no ambiente virtual. Isso é fato! O Youtube foi feito para usuários acima de 18 anos, mas ignora isso e se abstém de responsabilidades”, critica a advogada Livia Cattaruzzi, do programa Criança e Consumo do Instituto Alana.

Para Livia, assim como já existe indicação etária no cinema e na televisão, deveria haver no Youtube. “A Google alega que os produtores de conteúdo devem colocar essa indicação. A plataforma não divide responsabilidade”.

Censurar não é o caminho. “Não pode haver censura prévia. Até porque isso é difícil. Por minuto, são publicados, em média, 400 vídeos no Youtube. É um tema complexo”, diz a advogada.

O Youtube tem feito tentativas para dar aos pais maior controle sobre o que os filhos vêem, como o aplicativo Youtube Kids, que permite direcionar o conteúdo de acordo com a faixa etária do pequeno usuário. Mesmo assim, especialistas enxergam falhas nele: “A criança fica menos vulnerável. Mas o aplicativo não proíbe totalmente a publicidade. Tem conteúdo impróprio ali”, aponta Livia.

Sem a responsabilização do Youtube, fica difícil tomar qualquer medida, como destaca a advogada Sandra Rogenfisch, que atua na área de Telecomunicações, Mídia e Tecnologia. Na visão dela, a empresa não pode “lavar as mãos”.

“Ele pode criar mecanismos de bloqueio, o que pode beneficiar até adultos. A tecnologia existe, dá para investir nisso. Por exemplo: pode determinar que cada um que subir um vídeo na plataforma faça uma recomendação de conteúdo, descrevendo o que vai abordar”.

“Acredito que estamos passando por momento de transição, onde o certo e o errado são meio obscuros. Não quero dar ao Youtube o papel de censor, mas em conjunto com sociedade ele pode ajudar na educação, fazer parte dessa responsabilidade de conscientizar”, diz Sandra.

Para os pais

As pesquisas

Pesquisa TIC Kids Online Brasil, do Comitê Gestor da Internet (CGI) aponta que, em 2016, cerca de oito em cada dez crianças e adolescentes (82%) com idades entre 9 e 17 anos eram usuários de internet, o que corresponde a 24,3 milhões de crianças e adolescentes no país.

Não apropriado

O percentual de internautas de 11 a 17 anos que tiveram contato com vídeos de conteúdos mercadológicos foi de 69%. Outros 62% foram expostos a propagandas ou publicidade em redes sociais. Mais de 40% tiveram contato com propaganda ou publicidade não apropriada para a sua idade.

“Unboxing”

Entre os vídeos mais assistidos por crianças, 31,6% eram dessa categoria, os “unboxing” ou “abrindo caixas”.

Visualizações

Em 2015 as visualizações de crianças de até 12 anos na plataforma totalizavam 26 bilhões, número que saltou para 117 bilhões em 2017.

Para crianças

Entre os 100 canais do YouTube de maior audiência no Brasil, 48 abordam conteúdo direcionado a crianças de 0 a 12 anos, segundo pesquisa da ESPM Media Lab.

Denúncias

De acordo com o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), 20 vídeos do YouTube voltados para o público infantil estão sendo examinados após denúncias.

Mais segurança

Opção kids

Administre as redes sociais de seu filho. Caso a mídia social ou streaming de vídeo tenha uma versão kids, como YouTube Kids, opte sempre por ela.

Controle

Apps como Kids Place ou Kids Zone alteram a configuração do tablet para temas infantis, restringindo o conteúdo à idade da criança.

Localização

Para crianças maiores, de 5 a 10 anos, apps como Kaspersky Safe e Controle Parental Safe Family informam localização, conversa e acesso à internet.

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Fontes: Pesquisas TIC Kids Online Brasil e ESPM Media Lab; Proteste

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