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Histórias de quem desafiou a medicina

Histórias de quem desafiou a medicina

Eles superaram prognósticos e foram atrás de seus sonhos

Publicado em 30 de setembro de 2018 às 00:28

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Portadora de uma doença autoimune que a impedia de engravidar, Larissa abandonou o tratamento, mudou hábitos e levou o sonho adiante: hoje tem Alice no ventre. ( Fernando Madeira)

Imagine-se diante de um médico no momento em que ele lhe dá uma notícia um tanto dura, que soa quase como uma sentença. Você pode encarar isso de duas formas: aceitar ou não.

Há quem, diante de algo grave, que parece ser um balde de água fria em cima de um sonho ou o seu próprio fim, consegue juntar todas as forças que tem para reagir, ir à luta. E até mudar algo que, para a medicina, era praticamente definitivo.

Se essas pessoas superaram uma dificuldade, foi muito pelo mérito delas e também por uma dose de confiança de seus próprios médicos, que não as confinaram num prognóstico negativo.

Uma doença autoimune séria podia ter feito a professora Larissa Moneche, 29 anos, desistir de vez da maternidade. Mas hoje, no oitavo mês de gestação, ao sentir a pequena Alice pulando na sua barriga, ela tem certeza de que fez a escolha certa.

“Tenho psoríase desde os 16 anos. Mas aos 21 descobri a artrite psoriática, que afeta minhas articulações. Comecei a tomar um medicamento muito forte e soube, pela médica, que não poderia engravidar usando essa medicação, que é quimioterápica”, conta a jovem.

ALERTA

A vontade de ser mãe falou mais alto que as próprias dores que ela sentia. “Comuniquei à médica, que alertou que eu teria que abandonar o tratamento, que eu fazia há oito anos, para limpar o organismo antes de engravidar. Por medo, fiquei sem tomar o medicamento por um ano.”

Fácil não foi. “O remédio fez muita falta. Sentia muitas dores, inchaços. Mas botei na minha cabeça que queria ser mãe antes dos 30 anos. Meu medo era não conseguir engravidar ou sentir tanta dor que me impedisse de segurar o bebê. Mas, assim como a médica disse que aconteceria, a doença estagnou na gravidez”, diz Larissa.

Ela, que dá aulas para surdos em duas escolas, precisa muito das mãos funcionando bem. Toda ajuda foi importante, claro. “Meu marido foi fundamental para mim. Quando nos casamos já, quando eu disse que era ‘bichada’ e ele não se importou... Ele aguentou o período em que fiquei sem remédio, limpava a casa para mim sem eu nem pedir. Eu chegava do trabalho, e a roupa estava lavada”, lembra.

A determinação de ser mãe foi tão fundamental quanto seu planejamento para esse objetivo. “Faço exame atrás de exame. Busquei um acompanhamento multidisciplinar. Passei a me alimentar melhor, levei meu tratamento mais a sério, investi em atividade física. Saber respeitar o tempo, ter paciência e entender que cada mulher tem um organismo ajuda a levar com naturalidade esse processo.”

Pessoas com doenças autoimunes precisam encarar o fato de que têm um problema para toda a vida. “Esse estigma de que é doença crônica é difícil. Em pessoas jovens, principalmente, o impacto emocional pode ser muito grande. A pessoa pode ir para a internet, pesquisar sobre as deformidade que as doenças reumatológicas podem deixar... E ficar apavorada”, comenta a reumatologista Míriam Küster Huber.

DEPRESSÃO

Encarar mal o problema só o faz se tornar mais penoso. “Ainda mais porque a dor gera depressão, desânimo... O paciente que resiste pode não ser aderente ao tratamento, e aí não vai tomar o medicamento corretamente ou parar de tomá-lo ao primeiro efeito colateral”, diz a médica.

Ela prega o diálogo franco e direto, mas sem rotular o paciente. “Quem somos nós! Todos os dias vemos pessoas se superando e superando as estatísticas.”

Até porque nem só de estatísticas vive a medicina. “É inegável que a influência da confiança, seja pela fé seja pela esperança da melhora, é benéfica no tratamento. Há diversas pesquisas mostrando os efeitos dos pensamentos positivos e negativos sobre o corpo. Por isso, dar e receber esse tipo de informação é complicado. Mas tem como fazer de forma menos desconfortável possível, menos traumática”, observa a psicóloga Juliana Malheiros, que atua no setor de oncologia e núcleo de cuidados paliativos de um hospital em Vitória.

"MINHA ESPERANÇA ERA MAIOR QUE O MEDO"

Era final de 2016. Começou com uma dor incomum nas costas e uma perda de peso repentina, sem explicação. Um dia, ele acordou com os olhos meio amarelados. Não demorou, veio o diagnóstico: era câncer de pâncreas. Um tipo de doença daquelas com uma impressionante taxa de mortalidade: 75% dos pacientes morrem ainda no primeiro ano de tratamento.

O abalo foi inevitável. “Fui esportista a vida toda, não bebi, não fumei. Tinha tudo para ser saudável. Pensei: ‘por que comigo se tanto cuidei da minha saúde’”, contou o agora aposentado Renato César Sampaio, 50 anos.

Renato se manteve positivo, mesmo diagnosticado com câncer de pâncreas. ( Bernardo Coutinho )

Ele, que era administrador, era daqueles que não podiam ouvir a palavra câncer. “O meu acusou grau 3. Sabia que não seria fácil. Eu não gostava nem de falar esse nome! O médico me disse para não ficar pessimista. Nem fui à internet pesquisar sobre a doença. Não procurei notícia ruim. Tinha consciência do que era. Mas alguma coisa me anestesiava, não caiu a ficha. Falei para minha esposa: ‘posso até morrer, mas vou lutar’”, lembrou.

Ao assumir assim sua nova condição, Renato reuniu dentro de si o que precisava para buscar sua cura. “A esperança era maior que o medo”, disse.

Encarou duas cirurgias, sendo uma em São Paulo, e mais meses de quimioterapia. “Minha família me deu muita coragem. E os médicos não desistem. Mas tem que confiar neles! Procurei viver uma vida normal e encarei com todos os recursos que colocaram para mim.”

O tratamento que Renato fez era a única saída, como explica a oncologista clínica Taynan Nunes Ribeiro. “É o tratamento que tem chance de curar o paciente. Os candidatos à cirurgia são poucos, entre 15% e 20% deles. Mas sempre incentivamos a fazer porque ele pode estar dentro dessa porcentagem. Além disso, esse tratamento reduz a dor, melhora os sintomas e a qualidade de vida em geral”, diz ela.

AGRESSIVO

O câncer de pâncreas, segundo a médica, é realmente dos mais fatais. “É um órgão escondido no abdômen, próximo de estruturas importantes, vasos e nervos. A doença costuma ser silenciosa e agressiva, pode se espalhar rapidamente. Dois motivos que a fazem ser tão ruim. E não tem método de rastreio, como no caso do câncer de mama, por exemplo. Quando surgem os primeiros sintomas, pode estar avançada já.”

Mas na hora de dar uma notícia como essa para uma pessoa, ela prefere deixar as estatísticas de lado. “Não gosto de dar dados de sobrevida. São estatísticas que estão no papel. E sabemos que há pacientes que surpreendem. Cada caso é um caso e cada um responde de uma forma ao tratamento”, comenta Taynan.

A ideia é deixar o paciente sempre com aquela sementinha chamada esperança. “O paciente com uma cabeça boa tolera melhor tratamento, segue as orientações, faz dieta, atividade física. Se ele tem bem-estar, tolera tudo isso melhor e responde mais”, observa.

Que o diga Renato, que em julho completou um ano do fim do tratamento. “Tenho 30% dos pâncreas, não tenho parte do estômago e tomo umas enzimas que o pâncreas não produz. Mas levo uma vida quase normal. Cumpro o protocolo, faço as revisões de exames. Ainda não voltei para o futebol com os amigos. Mas estou trabalhando para isso.”

ELE SOBREVIVEU A UMA QUEDA DE PARAPENTE: "DECIDI ENCARAR"

Poderia ter sido fatal. Mas ele sobreviveu a uma queda de uma altura de 30 metros, num acidente com parapente, cinco anos atrás. Ter escapado da morte, por si só, já deu fôlego para que Luciano travasse uma nova batalha: voltar a andar.

Quando tudo aconteceu, naquele 30 de maio de 2013, o hoje bancário Luciano Belogo, então com 25 anos, se manteve calmo. “O acidente foi por causa de um erro meu numa manobra. Caí de barriga para baixo e senti um gelo na espinha, do umbigo para baixo. Sabia que havia me machucado. Mas não tinha noção da gravidade da situação”, contou ele, que morava em Barra de São Francisco na época.

Transferido para a Grande Vitória, Luciano foi submetido a uma cirurgia delicada para reverter a lesão na coluna. “Eu nem pensava na hipótese de não voltar a andar. Mas quando estava na UTI me recuperando, um médico chegou a dizer para meus pais para eles se acostumarem com a ideia de que eu ficaria paraplégico.”

Ele não recebeu esse prognóstico de cara. “Eles não me disseram isso. Se eu tivesse tido essa notícia, poderia ter desistido de tudo. A esperança na recuperação fez com que eu me esforçasse.” Aos poucos, ele foi sentindo a força nas pernas voltarem. “Era muito difícil. Não aceitava ficar com nenhuma sequela. Quando estava me tratando em Belo Horizonte, no Sarah Kubitschek, vi pessoas em situação muito pior que a minha. E decidi encarar o que era possível fazer”, lembra.

Lesões como a de Luciano, de acordo com o ortopedista e cirurgião de coluna Lourimar Tolêdo, nunca são simples. “Esses traumas medulares quase sempre causam sequelas incapacitantes. Isso porque não existe regeneração desses tecidos. Por isso, costumam ser definitivas”, explica.

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Lourimar sabe da importância de ser preciso com as palavras. “Dependendo da forma como a gente fala pode tirar a esperança de alguém. Temos que encorajar o paciente a buscar o que for possível para ele não achar que é o fim de tudo.” Chame de fé, sorte, o fato é que Luciano se sente grato pelas poucas limitações. “Não corro mais. Às vezes meu andar é quase perfeito. Já está bom demais!”.

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