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'Temos que almoçar olhando a comida e não a tela do celular', diz médico

"Temos que almoçar olhando a comida e não a tela do celular", diz médico

Neurologista e professor da UFRGS explica o que é a chamada Medicina do Futuro e defende que ela prega uma volta ao passado

Publicado em 15 de setembro de 2018 às 23:15

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O diabetes, a hipertensão e o câncer matam milhões de pessoas – muitas vezes precocemente – em todo o mundo. Mas já nasceu a geração que poderá viver até os 140 anos de idade e, provavelmente, estará livre dessas doenças. As tecnologias estão mudando a medicina e o que se entende hoje como a busca pela saúde e longevidade. A tese é defendida pelo neurologista Pedro Schestatsky, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que fala sobre as experiências que teve nos últimos anos junto ao principal polo de desenvolvimento tecnológico do mundo, o Vale do Silício, na Califórnia (EUA).

A chamada Medicina de Precisão tem como ferramenta principal a análise do genoma humano para tratamento e prevenção de doenças. Ela não está no futuro, já está aqui, agora, e nos coloca a um passo da eternidade. “Costumo dizer que a Medicina do Futuro, na verdade, é uma volta ao passado”, disse Schestatsky, ao criticar hábitos atuais muito comuns hoje em dia, como o de almoçar com um garfo numa mão e o celular na outra.

O médico e pesquisador concedeu esta entrevista após uma palestra dele em um evento no Hospital das Clínicas (Hucam), em Vitória, por ocasião do aniversário do Serviço de Reumatologia da unidade. Confira:

O senhor atua com a Medicina de Precisão. O que vem a ser isso?

É aquela medicina extremamente sofisticada que caracteriza o indivíduo de forma única. Porque cada indivíduo é um ser único, não existe ninguém igual a ele. Então, a Medicina de Precisão, com todas as suas ferramentas e seus exames, é capaz de identificar e caracterizar um indivíduo que pode se beneficiar de um tratamento que para ele faz bem, mas que para outro faz mal. Então, ela trata o indivíduo de forma individual e não grupal. Existem vários sinônimos para a Medicina de Precisão: pode ser chamada de Medicina Personalizada, Medicina Funcional, Medicina Integrativa e a dita agora Medicina do Futuro.

No que ela se difere da atual medicina ainda praticada em geral no mundo?

Temos hoje a medicina tradicional, que é muito focada em populações e num paternalismo médico, em que o paciente terceiriza sua doença, ele não é médico de si mesmo. É focada muito na figura do médico como autoridade, não como parceiro, e segue num ritmo de tecnologia que ainda é linear dentro da faculdade, e que é exponencial no mundo externo. É essa tecnologia exponencial que está dando fôlego para a medicina de precisão.

O senhor defende, então, uma mudança na forma como a medicina é ensinada nas faculdades?

Isso. Meu objetivo, como professor, é a mudança de currículo, com um diferente enfoque. Ou seja, criar saúde mais do que tratar a doença. E isso demanda uma paciência muito grande porque no Brasil, de forma tradicional, o currículo nas universidades muda de 15 em 15 anos. Enquanto, hoje em dia, a tecnologia dobra a cada dois meses. Já temos universidades americanas, como a Singularity, que muda o currículo a cada dois anos por conta dessa demanda tecnológica que nós estamos vivendo com esse crescimento exponencial. Onde a gente pega nossos artigos, onde a gente aprende as coisas é em instituições lineares. Elas estão crescendo, mas num ritmo muito lento se comparado com o que a gente está vendo hoje.

E a nova medicina prega também uma outra relação entre médico e paciente?

Sim, muda tudo isso. Quando aprendi a ser médico, eu me lembro que me sentava numa cadeira mais alta do que a do paciente para ficar clara minha superioridade, minha autoridade. Tinha um avental bem bonito e bem limpo... Hoje, por exemplo, já não uso avental. Sou parceiro! Quero ajudar o paciente a resolver o problema dele! E eu tenho um conhecimento interessante para poder filtrar as informações, essa chuva de informações, porque tem muita coisa fake. E o paciente é o principal ator dessa busca. Ele não é simplesmente um receptáculo de informações e de conselhos. Ele é um cara que busca de forma pró-ativa a sua saúde. E eu vou ajudá-lo, mas de uma maneira parceira, não de uma maneira autoritária.

O paciente deve ser médico de si mesmo. Como seria isso?

O paciente precisa se conhecer mais. E o médico iria ajudá-lo na direção para se conhecer melhor do ponto de vista de exames. Mas o autoconhecimento espiritual é outra coisa característica da Medicina do Futuro. É o paciente reconhecer os sentimentos nele mesmo e nas pessoas ao seu redor para tornar o mundo melhor. Hoje, a pessoa é muito reativa a um problema, espera acontecer e aí vai procurar ajuda, estrutura. Desta forma, o sistema de saúde vai quebrar em menos de dez anos.

Por quê?

Por que não existe leito, médico, estrutura, hospital suficientes para dar conta das doenças que são inexoráveis. O que a gente vê é uma falta de leitos até para pessoas com boa renda. É um caos! Quer dizer, é triste que essa nova medicina esteja sendo encorajada por fatores econômicos, mas é uma realidade. E nós temos que aproveitar essa deixa.

Como a Medicina de Precisão pode nos ajudar a nos livrarmos de doenças crônicas?

Algumas doenças serão erradicadas, especialmente aquelas ligadas ao estilo de vida, que são a maioria. Estou falando de todas as doenças crônicas, diabetes, hipertensão, cânceres... Todas elas estão ligadas às opções que nós fazemos. Você vai ver um hospital, e 90% das pessoas internadas estão lá por más opções. Apenas 10% estão ali por fatalidades, como uma malformação vascular, alguma coisa congênita, algo pelo qual ela não teve culpa. Os chamados cavaleiros do apocalipse, como o cigarro, o álcool, a obesidade, enchem os hospitais atualmente.

Já nasceu uma geração que, quando adulta, não vai sofrer com essas doenças?

Já nasceu.

Isso quer dizer que uma criança que tem hoje dois anos de idade, por exemplo, quando tiver 30 ou 40 anos não vai sofrer disso?

Exato. Tenho um vídeo do meu pai almoçando comigo no colo e fumando. Aquilo era normal! Hoje isso é inconcebível. E outras coisas serão assim também, como, sei lá, por exemplo, tomar café num copo de plástico. É normal isso ainda! Você está derretendo o bisfenol e colocando para dentro! A gente ainda vai rir disso um dia. Isso é uma questão de tempo, do conhecimento que vai circulando, da geração que fica mais aberta. Muita gente diz ‘ah, não quero viver muito”. Nosso cérebro é muito econômico, preguiçoso, faz a gente querer sempre fazer o mínimo. É bom por um lado, mas extremamente maléfico por outro. A gente toma decisões muito erradas dentro dessa economia, dessa preguiça mental.

A medicina fala muito que, para sermos saudáveis e vivermos muito tempo, temos que nos alimentar de forma saudável, fazer exercícios e controlar o estresse. É basicamente isso mesmo?

É basicamente isso. O maior vilão de tudo é a inflamação, que está envolvida em tudo isso que você citou. Você pode ter comidas inflamatórias, pensamentos inflamatórios, movimentos inflamatórios e relacionamentos inflamatórios. Essa inflamação das células é que provoca doenças e envelhecimento. Temos uma cultura de que o estresse é uma coisa positiva e necessária. Temos essa crença de que, para ter sucesso, tem que ter estresse. Você não tem que eliminar o estresse, mas tem que mudar a maneira como lida com ele. E, dentro do controle do estresse, tem uma coisa que chamam de desconexão digital. Precisamos respeitar os ritmos biológicos: tomar café da manhã, almoçar olhando a comida e não a tela do celular. Temos que dormir no horário certo, nos desconectando a partir das 20 horas, desligando tudo quanto é tipo de inflamador cerebral. Na verdade, são coisas antigas! Costumo dizer que a Medicina do Futuro é uma volta ao passado! Em algum momento, a gente se resvalou nessa industrialização exacerbada, na venda de produtos, na venda de uma vida mais fácil, conveniente.

No que temos que focar então?

A gratidão, integração social, cordialidade... Isso aumenta uma parte da sua célula chamada de telômero, que é responsável pelo seu DNA, para que você viva muito mais. Em relação à alimentação, a dieta mediterrânea (baseada no consumo de alimentos frescos e naturais como azeite, frutas, legumes, cereais, leite e queijo) seria a melhor dieta disponível, embora cada pessoa deva ter a sua, e aí vem a Medicina de Precisão. Já se sabe que caminhar dez mil passos por dia é certo para uma boa vida em termos de qualidade e longevidade. Hoje existem cerca de 120 técnicas antiestresse cientificamente comprovadas. Uma delas é simplesmente com controle da respiração, três minutos por dia, de manhã e de noite. Com isso, você aumenta seu telômero, diminui a inflamação... Enfim, são coisas extremamente tangíveis a um público com poucas condições financeiras. Porque tem aquele mito de que comer bem custa muito. Não é uma verdade! Comer bem depende do grau de interesse da pessoa na busca por um alimento que seja anti-inflamatório.

Uma criança de dois anos, se portando assim, provavelmente terá uma vida longa de mais de 120 anos?

É. Essa é a projeção. Uma criança, hoje, de dois anos pode viver até 140 anos. Mas, se ela conseguir viver até 150, 160, poderá beber de uma tecnologia, que ainda não conhecemos, que vai deixá-la viva por mais de anos. O Ray Kurzweil (cientista americano) diz que as pessoas que nascerem em 2.100 vão ter acesso a uma outra tecnologia, vivendo mais e mais, chegando aos cinco mil anos.

O que precisamos fazer com nossos filhos pequenos, hoje, para que vivam tanto assim? Investigar os genes deles?

Claro. Se você tiver um perfil preparado para fazer um genoma eu acharia muito interessante. Temos, inclusive, um projeto, o Life Lab Kids, que é a coleta da saliva do bebê, nos primeiros meses de vida, para detectar doenças como câncer ou até problemas de aprendizagem, de relacionamento, de linguagem...

Tudo isso você consegue ver num bebê?

Sim. Isso pode detectar doenças psiquiátricas que talvez possam ser prevenidas com algumas mudanças em condutas já na infância, por exemplo. Se há um gene positivo, dentro de um contexto, isso motiva não só a pessoa, mas também quem está no entorno dela a tentar colocar esse gene para baixo. Nós somos capazes de desligar nosso gene. 70% do que a gente é são ambiente, só 30% são o gene. O gene não é uma sentença, é apenas um elo frágil que nos dá a possibilidade, dependendo da antecedência, de mexer nele e modulá-lo. O telômero e uma série de outras células podem mudar em questão de horas.

O que o senhor tem feito para viver mais e melhor?

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Além de mudar vários hábitos de vida, passei a tomar luteína, baseada num gene que eu tenho e que determina que eu vou ficar cego lá pelos 50 anos, porque eu tenho uma história familiar forte para um problema, a degeneração muscular associada à idade. Existe um estudo que diz que, tomando essa vitamina, postergamos esse processo. Não pensei duas vezes! Se tenho um gene e tenho história familiar, logo, o achado desse gene faz sentido para mim e não vou me privar dele.

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