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Vício em tecnologia pode afetar a criação dos filhos

Vício em tecnologia pode afetar a criação dos filhos

Pais devem priorizar o contato físico e atividades ao ar livre com os filhos

Publicado em 21 de outubro de 2018 às 02:52

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"Optamos por trabalhar menos. Mesmo ganhando menos, vale muito a pena", diz Karoline Santiago Landgraf. Mãe do Martin, ao lado do marido, Álvaro Landgraf. ( Fernando Madeira)

“Mãe, vem brincar!”. “Pai, olha para cá!”. As crianças sempre querem atenção total, algo que, na correria do dia a dia, fica cada vez mais difícil. Mas responda com sinceridade: onde você está quando não é o dever que chama? No celular, certo?

A tecnologia, que facilita muito a rotina, também pode estar impactando as relações familiares. E as crianças são as que mais sofrem quando são ignoradas por pais “digitalmente distraídos”, termo usado pelo psiquiatra espanhol Luiz Rojas em um artigo que vem sendo compartilhado em grupos de WhatsApp.

A vida virtual vem tomando um tempo precioso que poderia ser gasto com os filhos. “Nunca, como agora, estamos mais próximos ‘virtualmente’ dos que estão longe e mais afastados daqueles que vivem conosco”, observa a coaching familiar e orientadora em um colégio de São Paulo, Dora Porto.

Substituídas por dispositivos eletrônicos, como celulares e tablets, as crianças vivem uma carência afetiva com reflexos graves na saúde física e mental delas. Em seu artigo, Rojas destaca um aumento de 37% na depressão adolescente e de 200% na taxa de suicídio em crianças de 10 a 14 anos nos últimos anos no mundo.

“Há uma tragédia silenciosa em nossas casas e diz respeito às nossas joias mais preciosas: nossos filhos. Eles estão em um estado emocional devastador!”, afirma o psiquiatra.

ISOLAMENTO

Um fenômeno que preocupa especialistas que lidam com a infância. “As crianças clamam por atenção e presença! Há uma crise de isolamento na família, pois quanto mais conectados digitalmente estão os pais e os filhos, mais emocionalmente desconectados se tornam. Isso refletirá no desenvolvimento das crianças e na criação do vínculo afetivo com seus pais e irmãos”, aponta Dora Porto.

A psicóloga Adriana Müller também vê perigo nesse comportamento: “Os olhos dos pais estão voltados para as telas. Mesmo com os filhos por perto, muitos estão preocupados em ficar filmando, tirando foto, postando... Perdem aquilo do olho no olho. É o olhar dos pais que vai transmitir aprovação, confiança, orgulho. É esse olhar que estimula, protege, reforça. Precisamos entender a importância disso e resgatar”.

É preciso estar mais presente e disponível na vida dos filhos, de preferência sem telas por perto, dizem os especialistas. “Tenho percebido que os pais não estão treinando esse olhar para os filhos. Muitos não estão percebendo que o filho está triste, que está indo mal na escola, que está isolado, sofrendo bullying ou dor de cotovelo, ou mesmo que fez uma tatuagem. Assim como a gente dá alimentos corretos, se preocupa com vacina, em levar para a escola, a gente precisa prover a criança do olhar para que ela tenha os ingredientes necessários para construir a identidade dela”, frisa Adriana.

Dependentes da tecnologia, os adultos vêm “ensinando” esse hábito às crianças, bebês ainda. Quem nunca deu o celular na mão do filho para ele sossegar no restaurante ou para “curar” o tédio numa fila de espera?

“Pais viciados em celular estão viciando seus filhos em telas. A criança resmunga, a gente dá o celular na mão dela. Isso realmente funciona! A tela serve mesmo como desvio de atenção e distração. Mas o que acontece? Ela não aprende a desenvolver a habilidade de esperar, e com isso se torna imediatista, não aprende a ficar sem fazer nada. A gente não está dando a chance para as crianças de sentir a frustração, o tédio”, comenta Adriana.

REGRA

O pequeno Martin, de 1 ano e meio, já sabe o que é celular. Mas não é sempre que ele pode ficar com o aparelho. É uma regra muito clara em casa. “Quando vou jantar com meu marido, algumas vezes a gente apela para o celular. Ou numa viagem mais longa de carro ou avião. Ajuda bastante. Mas não é todo dia. Televisão é em último caso também”, diz a mãe do menino, a médica Karoline Santiago Landgraf, 31 anos, que está grávida do segundo filho.

Dar a dose de atenção necessária ao menino é algo que angustia Karoline e o marido, o empresário Alvaro Landgraf. Por isso, mesmo trabalhando fora, eles fazem questão de dedicar boa parte do tempo da semana ao filho. “Nós nos revezamos à tarde para cuidar do Martin porque temos medo de a babá deixá-lo o dia todo na frente da TV. Optamos por trabalhar menos. Mesmo ganhando menos, vale muito à pena”, diz a médica.

Para Dora, o maior desafio é que os pais voltem a ocupar seu papel de primeiros educadores, que vem sendo delegado para a internet. “Esse isolamento e afastamento do que é propriamente humano estão provocando crises e depressões, que observamos com mais frequência. Também no tocante a resiliência e à resistência à frustrações, os adolescentes estão cada dia mais limitados”.

CONEXÃO EMOCIONAL TEM DE SER A MAIS IMPORTANTE

Ocupados demais e até digitalmente distraídos, muitos pais acabam perdendo momentos importantes da infância e falhando na criação dos filhos. É essa conexão emocional que está faltando nos lares hoje, como alertou o psiquiatra espanhol Luiz Rojas no artigo que viralizou nas redes sociais.

Se querem que as crianças cresçam como indivíduos saudáveis e felizes, prega ele, é preciso voltar ao básico: desfrutar de um jantar em família, curtir mais o lazer ao ar livre, abraçar, beijar, fazer cócegas, brincar e rastejar com elas. Sem smartphones ou outras tecnologias para distrair.

“Se está com os filhos e toca o celular, vale pensar sobre o que é mais importante nesse momento: atender o telefonema ou ficar com as crianças? É responder o WhatsApp, postar foto na rede social ou continuar participando da brincadeira e interagindo com a família?”, indaga a psicóloga Adriana Müller.

É importante, diz ela, incluir na agenda um tempo para estar com as crianças e ser criança junto com elas. “Esse tempo junto é que está em falta hoje em dia. É andar de mão dada, olhar no olho, brincar ao ar livre, tomar picolé, pular nas poças de água, correr na areia da praia... Ter momentos felizes juntos. É isso que nos torna seres humanos bons”, reforça Adriana.

TEMPO

Uma receita que os pais da Lara, de 2 anos, estão tentando seguir. Lívia Peixoto e o marido, Marcio Dalvi Borjaille, procuram valorizar o tempo que têm para curtir a infância da filha. “Prezamos muito pela qualidade do tempo que temos com a Lara. Buscamos sempre atividades ao ar livre”, comenta Lívia, servidora pública de 36 anos.

Cabe aos pais, e a mais ninguém, segundo os especialistas, proporcionar uma infância saudável para as crianças, fornecendo o que elas precisam e não apenas o que elas querem, ensinando valores que têm se perdido.

Dora Porto, coaching familiar, tem visto famílias perdidas na hora de educar a prole. “Hoje vemos pais que tentam suprir as necessidades materiais de seus filhos, em todos os níveis sociais, descuidando de sua formação ética e da sua vida moral”, observa.

É um desafio. “Busco ser gentil e firme com a Lara na mesma proporção, mas não é fácil. Educar é desafiador. Dá muito trabalho e testa nossos limites constantemente. Queremos ajudar nossa filha a desenvolver autodisciplina, responsabilidade e cooperação além proporcionar a ela uma infância leve e feliz”, diz Lívia.

Aproveitando que estamos ainda no mês das crianças, fica a dica dos especialistas: em vez de comprar mais e mais presentes, que tal estar mais presente na vida do seu filho?

CONECTE-SE COM SEU FILHO 

No controle

Defina limites e lembre-se de que você é o capitão do navio. Seus filhos se sentirão mais seguros sabendo que você está no controle do leme

Diga “não”

Ofereça às crianças um estilo de vida equilibrado, cheio do que elas precisam, não apenas o que querem. Não tenha medo de dizer “não” aos seus filhos se o que eles querem não é o que eles precisam

Cuide

Dê a eles alimentos nutritivos e limite a comida que não é saudável

Mais lazer

Passe pelo menos uma hora por dia ao ar livre em atividades como: ciclismo, caminhadas, pesca

Sem distração

Desfrute de um jantar familiar diário sem smartphones ou tecnologia para distraí-lo

Dê tarefas

Envolva seus filhos em trabalhos de casa ou tarefas de acordo com sua idade (dobrar a roupa, arrumar brinquedos, dependurar roupas, colocar a mesa, alimentar o cachorro, etc)

Garanta o sono

Crie uma rotina de sono consistente para garantir que seu filho durma o suficiente

Lidando com o tédio

Ensine-os a esperar e atrase a gratificação. Forneça oportunidades para o “tédio”, uma vez que o tédio é o momento em que a criatividade desperta. Não se sinta responsável por sempre manter as crianças entretidas. Não use a tecnologia como uma cura para o tédio ou ofereça-a no primeiro segundo de inatividade

Ensine

Não carregue a mochila dos seus filhos, não lhes leve a tarefa que esqueceram, não descasque as bananas ou descasque as laranjas se puderem fazê-lo por conta própria (4-5 anos)

Dose de frustração

Ensine responsabilidade e independência. Não os proteja excessivamente contra qualquer frustração ou erro. Errar os ajudará a desenvolver a resiliência e a aprender a superar os desafios da vida

Socialize

Evite usar tecnologia durante as refeições, em carros, restaurantes, shopping centers. Use esses momentos como oportunidades para socializar e treinar cérebros para saber como funcionar quando no modo “tédio”

Esteja presente

Esteja emocionalmente disponível para se conectar com as crianças e ensinar-lhes autorregulação e habilidades sociais

Lição de gentileza

Ensine-os a dizer “olá”, a se revezar, a compartilhar sem se esgotar de nada, a agradecer e agradecer, reconhecer o erro e pedir desculpas (não forçar), ser um modelo de todos esses valores

Conecte-se mais

Conecte-se emocionalmente: sorria, abrace, beije, faça cócegas, leia, dance, pule, brinque ou rasteje com seus filhos

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Fonte: Luiz Rojas, psiquiatra espanhol

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