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'Cuidar de si é muito mais do que emagrecer', diz nutricionista

"Cuidar de si é muito mais do que emagrecer", diz nutricionista

Nutricionista que fará palestra no Encontro de Lideranças Empresariais, da Rede Gazeta, diz que dietas restritivas não funcionam

Publicado em 17 de novembro de 2018 às 01:10

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A nutricionista Bia Rique. (Joao Gaudenzi)

Quando se fala em dieta, não faltam “entendidos” no assunto apontando o que se deve ou não comer, qual alimento é um “veneno” e qual é um “remédio”... Levar uma vida saudável está cada vez mais complicado. Por isso, uma linha da nutrição que condena as dietas tem ganhado cada vez mais adeptos.

“Algumas dietas proíbem carboidratos, outras proíbem alimentos de origem animal, glúten ou lactose. As pessoas nunca estiveram tão confusas!”, afirma a nutricionista Bia Rique.

Ela, que trabalhou por anos na clínica do famoso, já falecido, cirurgião plástico Ivo Pitanguy, defende que as dietas restritivas não funcionam porque comer está ligado ao prazer e às emoções, que não podem ser jogados numa gaveta e trancados lá por muito tempo.

Quer poder comer seu sagrado pé de moleque depois do almoço? Bia explica como fazer isso e manter as pazes com a balança.

Ela é uma das convidadas do Encontro de Lideranças da Rede Gazeta, que acontece nos próximos dias 23 e 24, em Pedra Azul, onde falará sobre tudo isso e sobre o que seria o “cardápio do futuro”.

Você escreveu um livro chamado “Comer para Emagrecer”. Você faz parte de uma nova geração de nutricionistas que são contra dietas?

Dietas restritivas não funcionam, pois estimulam a voracidade. Fui bailarina clássica profissional e sofri muito na adolescência com proibições alimentares que me faziam desejar até o que eu não gostava. Ao mesmo tempo em que discordo de dietas, entendo que para alcançar nossos objetivos precisamos ter metas. Se a pessoa quer emagrecer, baixar o colesterol ou atingir qualquer outro objetivo nutricional, precisa mudar paradigmas para conseguir alcançá-lo.

Sim, porque tem dieta que proíbe até frutas...

É verdade. Algumas dietas proíbem carboidratos, outras proíbem alimentos de origem animal, glúten ou lactose. As pessoas nunca estiveram tão confusas! Tenho um paciente que começou a fazer a dieta da proteína. Quando ele saiu da dieta, comeu um “balde” de arroz integral com feijão. Faz mal? Não! Arroz integral com feijão, além de saudável, é uma combinação excelente da nossa cultura. Mas é um exagero. O que estou querendo dizer é que qualquer proibição tende a gerar compulsão. Jamais podemos esquecer que não conseguimos guardar o prazer na gaveta e simplesmente esquecer a história de nossas memórias alimentares. É mais interessante fazer mudanças que a pessoa consiga sustentar psicologicamente a médio e longo prazo. Por exemplo: a pessoa quer parar de comer doces e resolve fazer um desafio de 30 dias. No final, acaba comendo uma caixa de bombom de uma vez, sendo que valeria mais a pena comer um brigadeiro por semana ao longo dos 30 dias, evitando a compulsão ao final da proibição.

A sensação que dá é que todo mundo vive de dieta hoje em dia. Para você, qual o pior modismo mais recente em relação à alimentação? Dieta low carb?

O pior modismo para mim é a pessoa considerar o alimento apenas uma fonte de nutrientes e substâncias, sejam benéficas sejam prejudiciais, como se fôssemos robôs e não pessoas. Sem dúvida alguma, a Ciência da Nutrição evoluiu muito nos últimos 20 anos, e ainda tem muito a ser descoberto, o que permite que atletas melhorem seu desempenho e pessoas com determinadas doenças crônicas tenham melhor qualidade de vida. Mas não podemos esquecer que a alimentação é atravessada por um contexto cultural, emocional, social, geográfico e econômico, além de político. Não ingerimos apenas calorias, proteínas, carboidratos e gorduras, mas também emoções, cultura e tudo que a memória daquele alimento simboliza para nós.

O que as pessoas mais fazem de errado na hora de emagrecer?

O pior erro é não escutar a sua fome. Comemos porque estamos tristes, alegres, ansiosos ou entediados, e nos esquecemos de ouvir as sensações corporais que no fundo muito nos sinalizam sobre nós mesmos.

Outro dia, uma pesquisadora de Harvard disse que o óleo de coco é um veneno. Você concorda ou acha exagero essa afirmação?

Não digo que é um veneno, pois não considero nenhum alimento um veneno. Mas, sem dúvida, o óleo de coco não faz nem um décimo dos milagres propagados. Ele tem benefícios, mas não é um alimento milagroso, assim como outros. Já vi em inúmeras revistas especializadas que óleo de coco emagrece, rejuvenesce e tira a celulite. É fundamental que o consumidor possa construir um olhar crítico. A polaridade de opiniões e as “fake news” não são exclusividade da Política.

Quais alimentos devemos evitar?

Depende do objetivo de cada um, mas, de uma maneira geral, refrigerantes e alimentos ultraprocessados, que seduzem o paladar e não promovem saciedade.

Há alimento proibido?

Sou contra proibir alimentos... Se algum alimento é prejudicial, isso é comprovado, mas tem um significado para você, acho que vale ir tirando esse hábito aos poucos. Mas aos poucos.

Muita gente vê a comida como inimiga e perde o prazer em comer. O chamado terrorismo nutricional contribui para isso? Como buscar o equilíbrio?

A comida tornou-se uma prescrição moral, e somos julgados pelo que comemos. O terrorismo nutricional é o reflexo deste julgamento moral que nos rotula como “certos” ou “errados” de acordo com o que comemos. Comida, acima de tudo é afeto, memória e significado, mas isso está sendo esquecido. A única forma de buscar o equilíbrio, e ao mesmo tempo poder usufruir dos benefícios que a alimentação pode trazer a partir do prisma da Nutrição é jamais esquecer os múltiplos sentidos simbólicos e culturais do alimento, além de não abrir mão do prazer.

O que funciona, então, de fato, para perder peso com saúde?

Pensar nisso tudo isso que falei, mas, do ponto de vista prático, seguir algumas regras: uma delas é jamais comer sem estar com fome. A pessoa também deve buscar alimentos que promovam saciedade, como vegetais e frutas, assim como leguminosas e cereais integrais. E construir um planejamento interno que a permita construir novos paradigmas, mas também um planejamento prático, como aprender a fazer trocas inteligentes, planejar cardápio, compras e finais de semana. Não devemos subestimar a nossa capacidade de nos autosabotar. No livro, eu sugiro a pessoa fazer os “abusos programados”. Também não se deve abrir mão do prazer e dos alimentos que tenham um significado afetivo.

Como seriam esses abusos programados? Posso comer meu pé de moleque depois do almoço?

O conceito dos abusos programados surgiu a partir do meu outro livro, quando descobri que se ingerirmos alimentos com alta densidade nutricional, sobra um pequeno percentual calórico para usarmos em calorias consideradas vazias, como bebidas alcoólicas e alguns doces. Desta forma, o abuso programado seria estipular por exemplo 500 calorias por semana, dividindo em 2 ou 3 dias, para termos flexibilidade. Ao reconhecermos que em algum momento, seja no fim de semana seja na próxima festa de formatura, iremos abusar, podemos criar recursos internos para não sermos surpreendidos. Planejar o erro facilita, pois nos deixa menos vulneráveis a ele.

Comer bem é algo que se aprende cedo?

Isso seria o ideal.

Num mundo tão corrido e estressante, como ter tempo para fazer refeições saudáveis?

Mesmo em 15 minutos, você pode fazer uma refeição saboreando aquele momento. Em termos práticos, criar um planejamento, onde você possa construir seu cardápio da forma mais simples e prática, sem alimentos mirabolantes.

Todo mundo deveria saber cozinhar?

Para mim, a culinária saudável, assim como a jardinagem, deveria ser ensinada nas escolas.

Muita gente acha que é especialista em nutrição hoje em dia. O que acha das musas fitness que têm milhões de seguidores? São uma boa influência?

Acho que as redes sociais, acima de tudo, reforçam o modelo de corpo ideal e dietas milagrosas, o que se torna perigoso para o desenvolvimento de transtornos alimentares, sobretudo quando meninas de 10 anos de idade seguem exemplos que podem gerar frustração. Além disso, quando uma blogueira sugere uma dieta, exercício ou suplemento, ela não tem conhecimento para compreender a dimensão da sua influência. Você já imaginou se surgissem blogueiros que sugerissem automedicação, o desastre que seria? Se de médico e louco todo mundo já tem um pouco, imagina de nutricionista? Todos se acham no direito de falar sobre hábitos alimentares: de blogueiros a médicos ou engenheiros. Mas o único especialista que realmente estuda a alimentação de uma forma mais ampla e profunda é o nutricionista.

Você trabalhou na clínica do falecido cirurgião plástico Ivo Pitanguy. Como era lidar com tanta gente, inclusive os famosos, em busca de um milagre?

 

O dr. Ivo Pitanguy não era uma pessoa de propor milagres aos pacientes. A visão dele da cirurgia plástica era no sentido de que esta pudesse ajudar devolver a sua autoestima, sobretudo em casos de reconstrução. Em 2003, criei o Serviço de Nutrição dentro da enfermaria dele, na Santa Casa de Misericórdia do Rio, que faz cirurgias plásticas estéticas e reconstrutoras, atendendo pessoas das mais diversas camadas. Meu papel ali é fazer uma reeducação alimentar e de estilo de vida, e para que compreendam que cuidar de si é mais do que emagrecer. É o que aplico na minha clínica e tento mostrar no meu livro.

Nas suas palestras, você fala sobre o “cardápio do futuro”. O que significa isso?

Ainda que tenha havido um boom da Ciência da Nutrição nos últimos anos, as pessoas estão cada vez mais confusas nas suas escolhas alimentares. Ora veneno, ora remédio, os alimentos se tornaram a prescrição moral do mundo pós moderno. O que comemos, de que forma comemos e como comemos diz muito sobre a subjetividade de uma sociedade. E que corpos queremos ou conseguimos vestir? Sabemos hoje que a sustentabilidade, cuja narrativa outrora era mais relacionada a resíduos, hoje também inclui os métodos utilizados pelo agronegócio. Também já se sabe que existe uma conexão grande entre os hábitos alimentares e a sustentabilidade.

QUEM É BIA RIQUE

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Beatriz Rique é nutricionista, mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social da UERJ, especialista em Psicossomática Contemporânea e representante oficial no Brasil da International Affiliate of the Academy of Nutrition and Dietetics (IAAND) – afiliada internacional da Academy of Nutrition and Dietetics (AND). É fundadora e chefe do departamento de Nutrição no Serviço de cirurgia plástica fundado pelo Professor Ivo Pitanguy na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Também é autora dos livros “Novos conceitos de alimentação saudável e Tabela de equivalências” e “Comer para Emagrecer – uma filosofia nutricional”.

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