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'Soube que minha filha tem Síndrome de Down no parto'

"Soube que minha filha tem Síndrome de Down no parto"

Mãe conta como foi lidar com a notícia em meio a inseguranças. Diagnóstico tardio é mais comum do que parece. Veja o que dizem especialistas e entenda mais sobre a síndrome

Publicado em 9 de novembro de 2018 às 19:13

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Mayara Ribeiro com a filha, Aurora, que tem Síndrome de Down. (Ricardo Medeiros)

Quando recebeu a filha nos braços, após o parto, Mayara sentiu um aperto no coração. Sua fisionomia mudou de repente, provocada por uma mistura de sentimentos. Ela estava feliz, mas confusa, preocupada. Aurora era diferente. O estranhamento da mãe não demorou a se confirmar: a menina nasceu com síndrome de down.

Normalmente, notícias assim não caem no colo dos pais após o nascimento do filho. É incomum, mas acontece. A seguir, o depoimento da universitária Mayara Ribeiro Alves Lima, 27 anos, sobre como foi lidar com o inesperado, como teve que aprender tudo sobre a síndrome em poucos dias, sobre a aceitação da deficiência da bebê, hoje com 1 ano e um mês. Ela fala, sobretudo, sobre o amor.

A gestação

A universitária Mayara Ribeiro soube que a filha, Aurora, tem síndrome de down no momento do parto, feito em casa. (Karol Felício)

Nosso pré-natal foi todo monitorado e sem nenhuma alteração. Nos exames, dada tinha sinalizado qualquer coisa de anormal. Fiz 11 ultrassons ao longo da gestação, inclusive o da translucência nucal, depois 3D, 4D... Estava tudo dentro do padrão. Tenho um filho de 2 anos e meio e comparava com os ultrassons dele. Nosso parto domiciliar estava com bandeira verde para acontecer, e assim foi.

O parto

Aurora nasceu em casa, sob os cuidados da nossa enfermeira obstetra. Além dela, estavam naquele momento meu marido, minha mãe e a fotógrafa. Aurora nasceu na 37º semana de gestação, no dia 30 de setembro de 2017, às 23h41. Quando meu marido me entregou a bebê, vi que havia algo errado, a fisionomia dela era diferente. Não pensei logo em síndrome de down. Mas ela tinha traços que eu não esperava. É possível notar minha cara de surpresa e espanto nas fotos e no vídeo do parto.

A notícia

A Aurora foi desinchando e vi que podia ser síndrome de Down. Ela nasceu com os traços sutis, mas nada que passasse despercebido por mim e pela avó. A equipe que fez o parto só sinalizou que a gente teria que buscar um acompanhamento mais de perto. A enfermeira viu que da parte fisiológica dela estava tudo ok, como uma criança típica. Mandei umas fotos para meu obstetra, que disse que algumas características indicavam que era quase certo que era Down. Foi um choque! Estava com bebê com uma síndrome que desconhecia. Sabia que existia, mas não sabia nada além disso.

Puerpério

Era um mundo totalmente novo para nós. Chorei o que tinha que chorar naquele dia. No dia seguinte ao parto, fomos pesquisar sobre a síndrome na Internet. À medida que a gente ia lendo e identificando, a ficha foi caindo mais. E aí, troquei de pesquisa. Fui ler sobre qualidade de vida da criança com síndrome de Down. No 5º dia de vida, a Aurora já estava com fisioterapia agendada, que ela começou e não parou até hoje. Foi tudo muito intenso, mas priorizei o que ela precisava para não ser afetada. A amamentação foi a parte mais delicada. Ela tinha 34 semanas, era muito pequena e ficava muito cansada para mamar. Precisei ter um suporte maior. Aurora chegou, e com ela um mundo totalmente desconhecido. Passei meio puerpério fazendo um intensivão sobre síndrome de Down e tudo que envolve, suplementação, muitos exames, fisioterapia... Nossa preocupação foi marcar os exames logo. Não deu nem tempo de pensar que idealizei um filho e ganhei outro.

Apoio

Nunca rejeitei minha filha. E tive muito apoio da minha família, que abraçou a causa. Meu marido ficou mais emotivo, meio deprimido. Teve que travar uma batalha com ele mesmo. Mas eu, que faço faculdade de Enfermagem, cheguei a largar o curso. Não conseguia estudar outra coisa que não fosse síndrome de Down. Sem falar que a Aurora tem imunidade baixa e chegou a ficar internada várias vezes. Tranquei o curso e agora estou retomando. Aurora virou o xodó da família.

Preconceito

Há um preconceito enorme em relação à síndrome de Down. O que mais ouvi foi “filhos especiais para pais especiais”. Não aguentava mais ouvir essa frase. Mas entendo, porque as pessoas não sabem o que falar. Pretendo que minha filha estude, entre para a faculdade, que se case se for da vontade dela. Tudo isso é possível!

"Não reparei. Só vi amor"

Como fotógrafa de parto eu acompanho as mais diversas reações, então esse inicial estranhamento da Mayara não me chamou atenção, só fez sentido depois que ela compartilhou com a gente a informação sobre a síndrome de down. Quando olhei para a bebê também não reparei nada, falei com a mãe inclusive, eu só vi amor”

Karol Felício - fotógrafa de partos

Diagnóstico tardio é mais raro, mas não impossível

Cada ultrassom é motivo de muita ansiedade para os futuros pais, que sempre idealizam um bebê lindo e saudável para encher de cuidados e carinhos. Eles sabem que um exame de rotina pode sinalizar que algo não vai bem, que a criança pode não ser o que esperam.

 

Na maior parte dos casos, alterações genéticas são identificadas durante o pré-natal. E a Síndrome de Down é a mais comum delas.

“Geralmente, o ultrassom morfológico detecta 80% das malformações. Mas não dá para afirmar, por exemplo, que o bebê tem síndrome de down só pelo ultrassom. Pode ser um sinal sutil, não detectável”, aponta a ginecologista e obstetra Aline Forattini.

Pode acontecer de o problema passar despercebido durante toda a gravidez. E aí, a surpresa vem com o parto. “Pode ser uma falha do médico. Mas é mais provável que a criança não tenha apresentado alteração nos exames, que não são 100% infalíveis”, diz Aline.

Dos exames de rastreio para esse tipo de alteração, um dos mais importantes é o da nuca do bebê, feito no primeiro trimestre da gestação. “Nele, a gente consegue fazer uma avaliação mais completa em aspectos morfológicos e marcadores. Vemos, por exemplo, o tamanho correto de acúmulo de líquido que fica na nuca do feto. Se está acima do normal, existe a probabilidade de haver alguma síndrome genética. E a mais comum é a Síndrome de Down”, explica o ginecologista e obstetra especialista em medicina fetal Naene José de Sá Filho.

Malformações

No segundo trimestre gestacional, é a vez do exame morfológico, que avalia toda a parte de malformações possíveis no bebê, no crânio, cérebro, pulmão, coração, intestino.

“É quando vemos o corpo inteiro do bebê. Isso nos dá a chance de detecção grande, de separar casos que podem ter chance aumentada de alguma síndrome. Mas não é 100%. Pode dar tudo normal, em todas as etapas, e o problema só ser descoberto após o nascimento. Com a tecnologia, isso se torna mais difícil, mas não impossível. Ultrassom não dá diagnóstico, só avalia risco”, pondera o especialista.

Em caso de alguma suspeita, cabe ao médico propor à mãe um exame mais específico. “Existem opções, como um em que se aspira líquido aminiótico para enviar para análise genética. É um exame de alto risco, no qual a mãe pode entrar trabalho de parto ou até ter aborto. Por isso, oferecemos como opção. A mãe pode querer fazer ou não”, diz Aline.

Referência

Ela destaca a importância de a grávida buscar profissionais mais especializados em medicina fetal. “Vale buscar referências dos melhore e confiar nas indicações médicas”.

Detectada a síndrome, é hora de preparar os pais para a notícia. “Claro que ninguém espera ter um filho com problema. A primeira reação sempre vai ser de espanto, de ira, de culpa, de negação”, comenta Naene Filho.

Ele reforça que o ideal é que o diagnóstico aconteça ainda no pré-natal: “Quanto mais cedo conseguirmos detectar e confirmar a síndrome, melhor vai ser o processo de entendimento até o parto, quando o casal receberá aquele bebê que é totalmente diferente do que sonharam”.

Mesmo assim, nada muda o choque inicial com a novidade. “Esse sentimento de insucesso com a gravidez é muito grande. Se a gente conseguir trabalhar essa questão antes, esse sentimento será substituído. É normal que a mãe sinta esse descontentamento, negação até. Mas isso vai mudando. O amor e o carinho vão sendo cultivados ao longo do pré-natal”, comenta o médico.

Saiba mais sobre a Síndrome de Down

Não é doença

A síndrome de Down ocorre quando, ao invés de a pessoa nascer com duas cópias do cromossomo 21, ela nasce com 3 cópias, ou seja, um cromossomo número 21 a mais em todas as células. Isso é uma ocorrência genética e não uma doença

Diagnóstico

Estima-se que haja uma criança com Síndrome de Down a cada 700 nascimentos no Brasil. As ultrassonografias realizadas durante o pré-natal podem apontar para a possibilidade de que o bebê nasça com essa síndrome ou outras ocorrências genéticas. Mas pode acontecer de não apresentarem alterações

Complicações

Cerca de 40% a 50% das crianças com Down apresentam malformação do coração e podem precisar de cirurgia corretiva

Características

Apesar de indivíduos com síndrome de Down terem algumas semelhanças entre si, como olhos amendoados, baixo tônus muscular e certa deficiência intelectual,

não são todos iguais

Desenvolvimento

Uma pessoa com Síndrome de Down pode alcançar um bom desenvolvimento de suas capacidades pessoais e avançará com crescentes níveis de realização e autonomia. Ela é capaz de sentir, amar, aprender, se divertir e trabalhar. Poderá ler e escrever, deverá ir à escola como qualquer outra criança e levar uma vida autônoma

Evolução

A evolução, as características físicas e o desenvolvimento de uma pessoa com Down dependem de vários fatores: fatores clínicos com a presença ou não de problemas cardíacos ou outras complicações clínicas, fatores genéticos, estímulos adequados, educação, disciplina, entre outros

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Fonte: Movimento Down

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