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Doação de medula: jornalista do ES salva vida em outro país

Doação de medula: jornalista do ES salva vida em outro país

Sangue de medula de jornalista foi usado em americana

Publicado em 23 de dezembro de 2018 às 13:27

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A ligação o deixou desconfiado. Número estranho, com uma pessoa pedindo para confirmar seus dados pessoais. A experiência de jornalista que atua na área policial indicou que havia grandes chances de ser um golpe. Mas no meio da conversa descobriu que aquela era a oportunidade de dar a um estranho um presente único: a vida.

Do outro lado da linha estava um representante do Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea (Redome). O contato era para confirmar o interesse em fazer uma doação. Há oito anos, Victor Muniz, jornalista de A GAZETA, tinha feito o registro como um possível doador. “Fiz a inscrição em meu primeiro estágio, durante uma doação coletiva de sangue”, relata.

Agora uma americana, cujo sexo e nacionalidade ele só descobriu depois, precisava de ajuda. “Ela tinha leucemia grave e um transplante de medula óssea era a sua única chance de sobreviver. No mundo, eu era a única pessoa compatível para a doação”, conta o jornalista.

Para uma pessoa com saúde perfeita, que nunca foi internada, era um desafio passar por um procedimento cirúrgico. A preocupação diminuiu com a orientação dos médicos do Redome e nas conversas com outros médicos amigos, que explicaram que seriam feitas punções na bacia para retirar o sangue com a medula – foi retirado 1,780 litro. Nada que o impedisse de fazer a doação.

Em agosto deste ano, ele começou a realizar os vários exames pedidos. A doação foi inicialmente marcada para o final de agosto, mas a paciente teve problemas, precisou ser tratada, e a doação foi feita no início de outubro.

Não há informações sobre o estado de saúde da paciente, uma vez que o processo é sigiloso. Os dois – doador e receptor – podem vir a se encontrar daqui a um ano e meio, se houver interesse das partes. Victor já adiantou que tem intenção de conhecer a paciente. “Gostaria pelo menos de saber se está bem, mas tenho que esperar pelo menos mais seis meses para ter notícias”, conta.

ACEITAÇÃO

Segundo a coordenadora técnica do Redome e médica do Instituto do Câncer (Inca), Danielli Oliveira, em geral, logo após receber a doação, os pacientes enfrentam uma fase crítica, até seu corpo aceitar a nova medula. “São quase cinco semanas para as células funcionarem no organismo do paciente. E a pessoa fica no hospital o tempo todo. Depois vai se recuperando gradativamente.”

Danielli Oliveira, coordenadora técnica do Registro Nacional de Doadores voluntários de Medula Óssea. (Divulgação/Redome/Inca)

A médica explica ainda que, no transplante de medula, o sistema de genes é mais diversificado do que no grupo sanguíneo. E a chance de encontrar doadores na família é maior, mas não tão alta.

Os brasileiros, pondera ela, são resultado de séculos de miscigenação de europeus, americanos, índios, africanos. E essa herança genética que acaba permitindo esta compatibilidade com pessoas de países tão distantes.

FIQUE ATENTO!

NOVOS DOADORES

Cadastro

É preciso procurar o Hemoes – o hemocentro do Estado – para fazer a inscrição no cadastro de doadores de medula.

ATUAIS DOADORES

Renovação

Os que já se inscreveram como doadores precisam entrar no site (redome.inca.gov.br) para atualizar seus dados com endereço e telefone.

"É BOM SABER QUE A AJUDEI A VENCER ESSA DOENÇA"

No mundo existem 30 milhões de pessoas que se inscreveram para serem doadores de medula óssea. Vêm deles a chance de vida para pessoas que sofrem com leucemias e outras doenças do sangue e que dependem de um transplante. No Brasil, já são quase 4,8 milhões de doadores. Um deles é o jornalista Victor Muniz, de 29 anos, que em outubro vivenciou a experiência para ajudar uma americana a vencer a doença.

Como foi a experiência?

Muito boa. Na minha profissão, vejo situações indescritíveis, pessoas vivendo de forma absurda ou no pior momento de suas vidas. Até me cobrava que precisava ajudar mais as pessoas. Quando apareceu essa oportunidade, não pensei em dor ou qualquer outro problema, só que tinha condições de ajudar a salvar a vida de uma pessoa, mesmo longe. Mas já ouvi de muitos amigos que não teriam coragem de fazer o mesmo.

E como foi o processo?

O primeiro baque foi quando cheguei ao hospital para fazer os exames iniciais. Na recepção, enquanto aguardava, havia vários pacientes, incluindo crianças. Todos se conheciam, se chamam pelo nome. Uma avó comemorava o fato de o cabelo do neto estar crescendo. O garoto fazia tratamento, estava indo bem, e de repente começou a desandar. Descobriram que ele jogava o remédio fora porque tinha o gosto ruim. Colocaram açúcar para melhorar o gosto. São vários desafios que enfrentam e, em nosso dia a dia, não sabemos disso.

Eles sabiam que você era um doador?

Não, só os funcionários, que me davam parabéns, agradeciam. No centro cirúrgico, no Rio de Janeiro, uma enfermeira mostrou a foto da irmã que também tinha recebido um transplante de medula e graças à doação ela já estava se recuperando.

E como foi o procedimento?

Uma cirurgia que durou de quatro a cinco horas, onde retiram 1,780 litro de sangue. Quando acordei senti um pouco de dor, mas era suportável. No primeiro dia você anda devagarinho, mas é tranquilo. Tive alta, mas fiquei no Rio por mais dois dias, em observação. Depois fiquei de licença por 12 dias e só precisei fazer curativo e tomar analgésico. Você fica anêmico, o que é normal, e tem que tomar sulfato ferroso por um tempo. Só me pediram para evitar, por 30 dias, exercícios mais pesados, como academia.

E como se sente hoje?

Tem dois meses e não sinto mais nada. Não sinto dor, não tenho nenhum dano. Minha vida não mudou em nada.

Gostaria de conhecer a paciente?

Sou jornalista (risos) e fiquei muito curioso, mas tenho que esperar seis meses, no mínimo. Não sei em que situação ela está. Já até falei com a minha família que vou buscar informações, na época certa. Queria saber pelo menos se está viva, se o transplante deu certo.

O que deseja a ela?

Não sei se ela tem filhos, mãe, uma família, mas fico imaginando a sensação dessas pessoas. Se fosse um parente meu, iria querer conhecer o doador. Talvez nem saiba que sou brasileiro. Mas é bom saber que pude ajudá-la a vencer a doença. Tenho um parente que descobriu um câncer aos 26 anos. Foi o que me incentivou ainda mais a fazer a doação. Desejo que ela viva um Natal diferente e que o transplante tenha dado certo, e que aproveite a vida. Damos valor a tantas coisas que não são importantes e nessas horas... Foi uma situação que me fez refletir sobre a minha vida, sobre a forma de viver e o quanto é preciso e precioso aproveitar o tempo e curtir a família. É o mais importante.

COMO É A DOAÇÃO

Paciente

Quando o paciente precisa de doação de uma medula e não a consegue entre os familiares, são buscados os bancos, incluindo os internacionais. Eles são acionados para checar a existência de doadores.

Doador

Encontrado um doador compatível, ele é acionado para confirmar a doação. Depois, ele faz uma série de exames para checar as condições de saúde. Os exames são encaminhados ao país do receptor para confirmar se poderá ser feita a doação.

Doação

Marcado o dia, o doador é internado e faz a coleta do material. Uma pessoa do banco que irá receber a medula acompanha o processo e leva o material, de avião, para o país ou cidade do paciente. O cuidado é necessário porque a medula não pode passar pelo raio-x dos aeroportos.

Receptor

Dias antes da coleta do material, o paciente faz quimioterapia e radioterapia para matar a medula que possui. Tem que estar limpo para receber a medula nova. O processo o deixa sem nenhuma imunidade e fica isolado no hospital.

Risco

Se o doador desistir na etapa final, o paciente, que já está sem medula, morre.

Após doação

Por até cinco semanas o receptor da medula fica internado em um hospital, isolado, até a medula “pegar”. Depois, vai para casa e vai enfrentar meses de cuidados para evitar que a medula seja rejeitada. Com um ano terá que tomar todas as vacinas novamente. Será ainda monitorado por alguns anos para checar se a doença não voltou.

Encontro

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Depende da legislação de cada país. Há locais que não permitem a revelação. Nos que permitem, o ideal é que o encontro só ocorra quando o receptor esteja recuperado.

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