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'É um dom. No lugar do preconceito, passa a haver uma admiração'

"É um dom. No lugar do preconceito, passa a haver uma admiração"

Artesão famoso em todo o país, Neddy Ghusmam fala sobre o machismo em relação à profissão e sobre como assumiu que queria viver como crocheteiro

Publicado em 24 de março de 2019 às 22:44

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"Antes de ser crocheteiro, fui cantor de trio elétrico. Cantava axé. Saía para fazer shows, mas sempre o item primeiro que colocava na mala era linha e agulha". (Divulgação)

Foram mais de 20 anos em cima do trio elétrico. Mas a carreira de cantor de axé não encantava. Foi quando ele resolveu trocar o microfone pela dupla novelo e agulha. Sempre quis mesmo ser crocheteiro, desde criança. Hoje, aos 48 anos, Neddy Ghusmam continua viajando Brasil afora, mas como artesão. Esta semana, aproveitamos a passagem dele por Vitória, onde irá ministrar um workshop, para bater um papo e saber mais dessa história.

Como você aprendeu crochê?

Foi por volta dos 7 anos de idade, quando eu morava na zona rural da Bahia com minha família. Um dia, vendo minha mãe fazer o enxoval da minha segunda irmã, me interessei. E ela me ensinou os primeiros pontinhos. Aprendi rápido. O primeiro grande trabalho que fiz com crochê foi uma toalha de mesa, aos 12 anos. Vendi para minha avó por uns trocados. Essa história de a família comprar para incentivar (risos).

Você tem irmãos? Ninguém mais quis aprender crochê em casa?

Tenho quatro irmãos, sendo três mulheres e um homem. Ninguém se interessou.

E como a família reagiu a esse interesse seu?

Minha mãe sempre disse que eu era homem e podia fazer qualquer coisa que quisesse. Ela me fez acreditar nisso. E meu pai por incrível que pareça, sempre aceitou. Ele era analfabeto, bem bruto, trabalhava na lavoura. Mas nunca ouvi dele um “ah, você não pode fazer isso”. Ele nunca criticou. Gostava, admirava. Dentro de casa não tive esse preconceito.

E fora de casa, você já ouviu piadas?

Desde criança, sempre ouvia piadinhas de amigos, uma risadinha aqui, outra ali. Mas isso nunca me incomodou. A gente vem de uma cultura machista do brasileiro, em que homem tem que jogar futebol e mulher tem que fazer bordado. Ainda mais no Nordeste, no interior.

Mas você teve outra carreira antes de virar crocheteiro... Foi cantor de axé.

Sim! Antes de ser crocheteiro, fui cantor de trio elétrico. Cantava axé. Já cantei no Galo da Madrugada, famoso bloco de carnaval em Recife, onde moro há 23 anos. Saía para fazer shows, mas sempre o item primeiro que colocava na mala era linha e agulha. Eu ia no ônibus fazendo crochê. As dançarinas e cantoras da banda eram as melhores clientes, faziam encomendas.

Não deu certo a carreira?

Teve um momento em que eu não estava mais feliz com a música. Isso foi há cinco anos. Deixei tudo para trabalhar com artesanato. Comecei colocando fotos na Internet, na época o Orkut, e foram surgindo as encomendas. Mas no início ninguém sabia que era um homem que fazia as peças.

Por que?

Eu achava que se não colocasse meu nome as pessoas iriam dar mais crédito. Porque podiam não acreditar que era um homem que fazia tudo.

E quando resolveu assumir que era crocheteiro?

Minha esposa disse: ‘Você tem que mostrar para o Brasil é que você que faz, colocar nome nas peças’. Para minha surpresa, fui muito bem recebido no mundo do artesanato. As pessoas valorizaram ainda mais meu trabalho. As vendas triplicaram. As pessoas entendem que as mãos são usadas para criar e transformar, um novelo de linha vira uma peça, um objeto de arte. Isso é um dom dado por Deus. E no lugar do preconceito, passa a haver uma admiração. Acho que o preconceito diminuiu com as novas gerações. Faço crochê no avião, no aeroporto, no médico, no dentista. As pessoas não olham para mim como olhavam antigamente. Olham com curiosidade, não com olhar crítico. É uma mentalidade diferente dos nossos avós e pais.

Já teve retorno de outros homens sobre essa arte?

Dois anos atrás, estive no programa ‘É de Casa’, da TV Globo. Em seguida, recebi vários comentários de homens dizendo que não iriam mais ter vergonha de dizer que faziam crochê. Participo de mais de 180 grupos de WhatsApp, um deles só de homens que fazem crochê.

Você vive só do crochê?

Sim, hoje vivo só do artesanato. Mas não vendo mais peças. Viajo toda semana para ministrar cursos. E há dois anos tenho um canal no Youtube com 170 mil seguidores onde faço viodeaulas. Mostro do começo ao fim de uma peça, como biquínis, tapetes, almofadas, bolsas... São vídeos que duram de 25 minutos a uma hora, assistidos por gente do mundo inteiro, do México ao Japão.

WORKSHOP

Local: Armarinho Campo Grande, nas unidades de Campo Grande a Laranjeiras

Data: 26/03 e 29/03

Inscrições: A inscrição é feita com a aquisição do material que será utilizado no curso

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Informações: 3070-3314 e 3226-2693

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