Maria (nome fictício), 62 anos, conviveu com um casamento desgastante. Mas foi depois do divórcio que ela se viu em meio a uma depressão e precisou recorrer a medicamentos. O tratamento com antidepressivos a ajudou a superar o problema, mas trouxe outro: Engordei pelo menos sete quilos em cinco anos. Só que quando parei de tomar o remédio fui perdendo peso rapidamente, conta.
A relação da depressão e antidepressivos com o ganho de peso foi tema de uma pesquisa feita na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), como tese de doutorado da pesquisadora Daniela Alves Silva, sob orientação da psiquiatra e professora Maria Carmen Viana, do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.
O objetivo era demonstrar se a depressão traria ganho de peso ao longo dos anos. E um dos principais marcadores da doença em nosso estudo foi o uso de antidepressivos, explica Daniela, que é professora de Nutrição da Ufes.
Para isso, foram analisados dados de aproximadamente 14 mil participantes do Projeto Elsa, considerado o maior estudo epidemiológico da América Latina, iniciado há mais de 10 anos com o objetivo de esclarecer determinantes de doenças crônicas na população brasileira. O projeto é desenvolvido pela Ufes e mais cinco instituições brasileiras. Nele, os voluntários, compostos por servidores públicos, serão acompanhados ao longo de 25 anos.
Em meu trabalho, associei a presença de depressão com a mudança de peso dos participantes, homens e mulheres, entre os anos de 2008 e 2012. E observei que os participantes que relataram uso de antidepressivos, com ou sem diagnóstico de depressão atual, apresentaram maior ganho de peso e de gordura abdominal nesse período.
Na pesquisa, os participantes foram divididos em quatro grupos: o grupo 0, que era o grupo de referência, constituído de pessoas que não apresentavam diagnóstico de depressão atual e não faziam uso de antidepressivos; o grupo 1, com pessoas que manifestaram episódio depressivo atual, mas não relataram uso de antidepressivos; o grupo 2, no qual os integrantes usavam antidepressivo, mas não apresentaram sintomas da doença na semana da investigação; e o grupo 3, com pessoas que apresentaram sintomas depressivos nos últimos sete dias da data da entrevista e estavam em uso de medicação.
O que observamos foi que, em relação ao grupo 0, o grupo 2 foi o que demonstrou resultado mais expressivo no ganho de peso. Os participantes do grupo 3 também registraram aumento de peso, porém mais fraco, detalha Daniela.
O trabalho apontou que o aumento de adiposidade se concentrou mais na região da cintura, principalmente nas mulheres participantes. Nelas, o percentual de aumento na gordura abdominal ficou em torno de 4,3%. No caso dos homens, foi de em torno 3%.
INIBIDORES
Uma classe de antidepressivos se destacou em relação ao aumento de peso e gordura abdominal, entre mulheres e homens. Verificamos que os chamados inibidores seletivos de recaptação de serotonina se associaram mais ao ganho de peso, em torno de 3,3% para mulheres e de 3% para homens. Por outro lado, o uso de medicamentos classificados como outros, por exemplo, a mirtazapina, se associou apenas ao ganho de peso (cerca de 4,5%) entre mulheres. Mas todas as classes do medicamento têm mudança de peso como efeito adverso e algumas levam a um ganho maior do que outras.
De acordo com a pesquisadora, o foco não foi a diferença absoluta de peso dos voluntários, mas sim o percentual de ganho em relação ao peso individual da pessoa no início do estudo, que considerou que a depressão tem influência em comportamentos ligados ao apetite e ao sono. Mas ficou claro para a gente que o uso da medicação foi a principal causa relacionada à mudança de peso.
Uma das hipóteses é que o ganho de peso é um dos efeitos colaterais já descritos pelos fabricantes dos medicamentos mais comuns no tratamento da depressão. Outra possibilidade é que o fato de estar em tratamento leva a pessoa a se sentir melhor, ter menos sintomas de depressão. Com isso, ela se alimenta melhor e acaba ganhando peso.
Para corroborar essa última tese, Daniela conta que se baseou em outro estudo anterior dela, que distinguiu a depressão em subtipos diferentes. Vimos, então, que o principal subtipo associado ao ganho de peso é a depressão atípica, que é quando a pessoa apresenta mudança exagerada no humor, dorme mais, come mais e sente o corpo pesado, em relação à depressão melancólica, na qual o indivíduo costuma perder o interesse pelas atividades de costume, sentir menos fome, apresentar humor deprimido, isolar-se, perdendo peso.
Também é importante destacar que as pessoas têm feito uso indiscriminado de antidepressivos, o que é arriscado. E nem sempre essas medicações são usadas para tratamento de depressão, podendo ser utilizadas em casos de dor crônica, transtornos de ansiedade e até Tensão Pré-Menstrual.
No estudo, a pesquisadora concluiu ainda que o ganho de peso entre pessoas com depressão é um fator importante para não adesão ao tratamento ou até de desistência. Dessa forma, é fundamental avaliar o peso e a gordura abdominal em indivíduos com depressão, considerando os sintomas da doença e os efeitos adversos dos antidepressivos. O resultado dessa avaliação poderá indicar a necessidade de alternativas para o tratamento, aponta.
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