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As histórias de quem faz do crochê uma terapia

As histórias de quem faz do crochê uma terapia

Atividade ajuda a aliviar o estresse e até no tratamento de doenças como o câncer

Publicado em 22 de junho de 2019 às 13:12

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Lívia Peixoto adotou o crochê para aliviar o estresse do dia a dia. (Bernardo Coutinho)

Um novelo, uma agulha, a mente vai relaxando, a criatividade vai tomando conta e mandando o estresse e até a depressão para nem longe. O crochê pode funcionar como terapia para muita gente nos dias de hoje, virando uma ferramenta a mais para pessoas que estão enfrentando doenças graves.

Como a servidora pública Lívia Peixoto, 37 anos, que encontrou nas linhas um jeito de se desvencilhar das tensões do dia a dia. “Após um surto de estresse que me assustou com o risco de evoluir para algo mais grave, decidi buscar novas alternativas para me auxiliar a descansar a mente e desligar dos problemas”, conta ela.

Lívia buscou atividade física, mais contato com a natureza... E viu que esse bem-estar de que tanto precisava podia ser criado também com as próprias mãos.

“Uma amiga me presenteou com um kit de crochê. Achei que não conseguiria fazer e que não teria tempo. Mas funcionou! Aos poucos, estou aprendendo a técnica. Já estou terminando meu primeiro ‘amigurumi’”, diz ela, se referindo aos “bichinhos” de crochê feitos numa técnica japonesa e que fazem sucesso como lembrancinhas para presentear.

Manual

Mesmo com a rotina agitada, a servidora, que é casada e mãe de uma menina de 2 anos, resolveu dedicar parte do seu tempo ao trabalho manual. E não achou que isso significava arranjar mais trabalho.

“A concentração para contagem dos pontos me ajuda a não pensar em nada. O resultado do artesanato é recompensador, diante do tempo investido. O imediatismo dos dias atuais está nos afastando desses prazeres”.

Seja com uma agulha, seja com duas - como é o caso do tricô - o fato é que essas terapias feitas à mão trazem muitos benefícios à saúde mental, principalmente.

Tanto que a artesã Vitória Quintal se considera um pouco terapeuta dos alunos. “Já ouvi depoimentos de gente que pensava até em tirar a própria vida, mas que o crochê a tirou da depressão”, relata ela, que dá aulas há 13 anos e viaja por todo o país para ensinar a técnica.

Ela garante que o passatempo tem um poder terapêutico muito grande. “A pessoa está com a cabeça cheia de problemas, mas vai se concentrando nos pontos, formando os detalhes. Quando se dá conta, o tempo passou, a peça está pronta, e vem o encantamento”.

Não só mulheres, mas também homens podem se beneficiar dessa ferramenta. “Crochê não é só para mulher. Não mexe com a masculinidade de ninguém. É um tabu que puseram na cabeça dos homens. Mas muitos praticam, por exemplo, nas penitenciárias. Quem começa, não quer mais parar”, ressalta Vitória.

“Atividades manuais como crochê, pintura, música, entre outras, fazem com que a pessoa saia um pouco da realidade para fazer algo diferente. Elas se concentram nisso e conseguem desestressar”, destaca a psicóloga Karla Cardozo.

Para Karla, independente de ter dom artístico ou não, a pessoa é capaz de tirar proveito desse tipo de hobby, que pode ser uma ótima companhia ou ajudar quem precisa da companhia dos outros. Não à toa, o verbo tricotar é usado como sinônimo de bater papo.

“O crochê, o tricô são atividades que ajudam muito nas relações sociais. Mesmo quem não sabe fazer vai para uma aula e acaba conhecendo outras pessoas, gente com quem conversar e com quem tem um gosto em comum” .

Além disso, quem tem uma rotina de cuidar da casa, dos filhos, e ainda trabalha fora costuma reclamar de ter pouco tempo para si própria. Aí é que entra em ação o kit linha e agulha.

Pensamentos

“É uma forma de estar sozinha com seus pensamentos, o que é importante. Nem que seja meia horinha ali no cantinho”, comenta a psicóloga.

Essa forma de artesanato pode funcionar como remédio, aliviando até a dor. Por isso, vira e mexe ele acompanha pacientes em hospitais. “A relação social que a atividade manual promove favorece muito o tratamento. São pessoas que estão numa realidade triste, mas entram num ambiente de leveza, tranquilidade por meio do crochê”, observa a psicóloga Gabriela Simmer, que atua na área oncológica e é especialista em luto.

"Tricotar ajuda a tirar o foco da dor e da doença"

Jane Maria Soares Barreto, 64 anos. e Nádia Maria Rosa Marques, 62 anos, falam da importância de praticar o crochê para superar o câncer. (Fernando Madeira)

Elas enfrentaram a mesma doença, viveram o mesmo sofrimento. Mas graças ao crochê, se uniram para enfrentar e vencer a batalha contra o câncer.

“Quando você passa por esse tratamento, fica muito debilitada. A doença mexe com corpo e mente. Muitas vezes eu me via sozinha em casa, quando todo mundo saía para trabalhar, estudar. Entrar para o grupo de crochê foi uma bênção”, conta dona Jane Maria Soares Barreto, 64 anos.

Após descobrir um tumor na mama direita, ela diz que aprender essa arte foi uma das melhores coisas que aconteceram na sua vida. “Por causa do crochê fiz várias amizades. Nas oficinas, a gente interage, esquece um pouco a dor, sai da angústia e segue em frente. Eu estava quase entrando em depressão. Chegava a noite e era um horror. Mas reagi, e as aulas me ajudaram muito”, comenta Jane.

E assim ela vai tricotando ao lado de outras pacientes, como a administradora aposentada Nádia Maria Rosa Marques, 62 anos, que também buscou a força de que precisava nesses encontros.

Foco

“Estou amando. É um momento de ‘relax’. Eu já terminei meu tratamento. Mas outras fazem quimioterapia ou radioterapia ainda, e vejo como elas se entregam ao crochê porque ajuda a aliviar a dor, a tirar o foco da doença. Ali a gente vai conversando. Tem um carinho”, diz Nádia, que teve que lutar contra um câncer no baço.

As duas levam a experiência do trabalho manual para fora do ambiente hospitalar. “Agora estou fazendo lembrancinhas para o aniversário de três anos da minha neta”, conta Nádia.

Aonde vai, Jane também está sempre com seu kit por perto. “Mesmo em casa, sento na frente da televisão com meu novelo e minha agulha e vou fazendo os acabamentos. Meu marido até brinca que quando olha para mim estou com a agulha na mão. É muito bom. A gente nem vê a hora passar”.

Agulha e linha na mão

Tchau, tristeza

Tricô, crochê, bordado, pintura... O fato é que dedicar um tempo a qualquer atividade manual ajuda a o cérebro a liberar serotonina, um hormônio responsável pelo bem-estar, um antidepressivo natural. Ao mesmo tempo, a dor física tende a diminuir

 Sem estresse

Colocar o foco da atenção para fazer cada ponto do tricô ou crochê ajuda a relaxar. A repetição e a concentração exigem calma e acabam aliviando as tensões do dia a dia

Soninho bom

Aliviando o estresse e a ansiedade, a tendência é o sono melhorar. Praticar antes de dormir pode ser o equivalente a tomar um chá calmante

Conversa em dia

Aprender uma atividade assim ajuda a socializar, melhora a autoestima. Pode praticar sozinho, mas em grupo fica mais prazeroso. E a conversa ajuda a esquecer a dor

 Bons hábitos

O crochê, o tricô e cia podem ajudar fumantes, por exemplo, a largar o vício. Nada melhor que trocar um hábito ruim por outro muito mais gratificante e benéfico

Cérebro afiado

A atividade exige concentração e algum contato com a matemática, uma vez que consiste em fazer contagens e memorizar as etapas do processo. Sem falar que estimula o desenvolvimento da coordenação motora

Fonte de renda

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