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'As crianças de hoje não precisam esperar por nada', diz escritora

"As crianças de hoje não precisam esperar por nada", diz escritora

A jornalista Daniela Tófoli lançou um livro para ajudar os pais a entender melhor os pré-adolescentes

Publicado em 6 de setembro de 2019 às 17:53

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Você já passou pelos terrible two e estava achando que iria ter alguns anos de sossego em casa, pelo menos até seu filho chegar à adolescência. Mas as coisas não estão nada fáceis: uma hora ele é só chamego, doido por um colinho. Em poucos minutos, se transforma numa criança cheia de argumentos, que vira as costas e bate a porta do quarto com força.

Sim, não há dúvida: você tem um “tween” em casa. Calma, não precisa se desesperar. Vai passar! “É uma fase de muitas mudanças. Brinco que muda quase tudo”, diz a jornalista Daniela Tófoli, que escreveu o livro “Pré-adolescente: um guia para entender seu filho”.

Dias atrás, ela esteve em Vitória e deu algumas dicas de como fazer essa travessia da infância para a adolescência de forma menos turbulenta a um grupo de pais na escola São Domingos. Fomos até lá bater um papo com ela, que é diretora do grupo Crescer, TechTudo, Galileu, Monet e Casa e Jardim, além de mãe da Helena, de 10 anos.

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O que é, afinal, a pré-adolescência?

É uma fase que vai dos 8 aos 12 anos, é a última fase da infância. A partir dos 13 anos é a adolescência. Essa fase é bem intermediária, por isso a gente a chama de ‘fase ponte’. Ou a gente ouve muito também o termo ‘tween’, do inglês ‘between’, que significa ‘entre’. Então, tem os ‘teens’, que são os adolescentes, e os ‘tweens’, que são os pré-adolescentes.

A jornalista Daniela Tófoli escreveu um livro que ajuda os pais a entenderem a pré-adolescência. (Ricardo Medeiros)

Que mudanças marcam essa fase?

É uma fase de muitas mudanças. Brinco que muda quase tudo. Quem tem filho nesta idade vai perceber. A gente tem as mudanças físicas mesmo do amadurecimento corporal, como o estirão de crescimento, o surgimento dos pelos, a alteração de voz, nas meninas temos o surgimento das mamas e a primeira menstruação, por exemplo. Mas a principal mudança é cerebral. Esta é a fase da nossa vida em que a gente tem a maior quantidade de novas sinapses, de novas conexões neuronais acontecendo. Desde que a gente nasce até quando a gente morre, é dos 8 aos 12 que a gente tem a maior quantidade de novos neurônios sendo formados. E por isso é a única fase da nossa vida em que o cérebro muda de tamanho. Ele aumenta fisicamente de tamanho um pouquinho durante a pré-adolescência e, na adolescência, volta ao tamanho normal, que é quando ocorre o que os cientistas chamam de poda neuronal. Todos aqueles neurônios que não estão sendo utilizados, são cortados, como se tivessem sido varridos. Cerca de 20% deles são desativados, e aí a gente volta a ter o cérebro do tamanho normal. Essa é uma janela de oportunidades muito grande, é quando os pré-adolescentes estão aprendendo muitas coisas, mas o cérebro ainda está no amadurecimento. É nessa fase também que o sistema límbico, que regula as emoções, começa a amadurecer. Às vezes os pais contam: ‘Ah, eles estavam superfalantes no café da manhã e ficam monossilábicos na hora do almoço’. É quando os grupos surgem, e o pai e a mãe deixam de ser a única referência, deixam de ser os super-heróis. Ou seja, está tudo mudando na vida dessa criança, fisicamente, no cérebro dela, nas emoções, no modo como ela se relaciona, educacionalmente... É muita mudança acontecendo em muito pouco tempo. Por isso a gente precisa dar uma atenção especial a essa fase.

É preciso estimular mais a criança?

A gente pode estimular, pois ela tem uma maior capacidade dessas novas conexões cerebrais. E aí, geralmente a gente pensa que é hora de matriculá-la no inglês, na natação, no piano, no futebol e numa série de cursos... E não é! Ela vai ter esses estímulos, vai fazer essas novas conexões brincando. Então, na verdade, o que a gente precisa garantir para essas crianças é tempo livre para brincar. A gente vê cada vez mais crianças com agendas lotadas! Primeiro, temos que garantir esse tempo livre, e, segundo, propor essas brincadeiras. Porque é uma fase em que muitas começam a parar de brincar. Temos que estimular as brincadeiras, proporcionar os encontros com os amigos e oferecer os brinquedos certos. Não adianta mais oferecer o carrinho, a boneca. Precisamos oferecer brinquedos diferentes, como os jogos de tabuleiro, os brinquedos de montar mais elaborados, os kits de ciências. Tudo isso é o que vai chamar a atenção delas nessa faixa etária, e elas terão todas as habilidades sendo desenvolvidas pelo brincar. Brincar em grupo para estimular as habilidades sociais, como aprender a esperar, a perder... A gente faz isso na primeira infância, mas a gente precisa continuar fazendo isso na pré-adolescência.

Como é uma transição, então a criança age ora de modo muito infantil, ora de maneira mais madura?

É supercomum! As pessoas falam: ‘Ontem, ela era a menininha da mamãe, e hoje já quer mandar em tudo’. Os pré-adolescentes estão perdidos, ainda não sabem se comportar. E estão testando esse comportamento mais maduro. Então, é supernatural essa oscilação. Às vezes, se comportam como crianças. Outras, como adolescentes. Tem muito aquilo de levar uma bronca, sair correndo e bater a porta do quarto. E aí, você fala: ‘Nossa, mas nem é adolescente ainda e já está batendo a porta??’. Depois, eles aparecem querendo colo. Eles não fazem isso de propósito. Fazem isso porque ainda não têm o cérebro maduro. Gosto de brincar que eles têm o acelerador pronto, mas o freio ainda não! Eles não sabem regular as emoções ainda. Por isso a gente vê esses arroubos de adolescente no pré-adolescente.

E o que os pais devem dizer nesses momentos?

As crianças são inteligentes e, às vezes, tiram partido disso, abusam. E quando estiverem abusando, a gente tem que dizer: ‘Olha, uma criança da sua idade não se comporta mais assim!’. Mas tem que acolher. Não é dizer ‘quem você pensa que é para sair batendo a porta?’. O melhor é perguntar ‘por que você agiu assim?’, ‘não é melhor a gente sentar e conversar?’. É comum, por exemplo, que alguns voltem a ter medo do escuro. Então, temos que dar ferramentas para que eles saibam lidar com as emoções, tanto com as inseguranças da primeira infância quanto com as emoções da adolescência.

Falta aos pais mais informação sobre o pré-adolescente?

Sim. Lancei o livro no ano passado muito por conta disso. Não tinha nenhum livro no Brasil falando dessa fase. A gente tem alguns lá de fora, mas que mostram outra realidade. Quando a gente fala de autonomia, por exemplo, enquanto aqui a gente discute se deixa o filho ir até a padaria sozinho, em outro país a criança vai e volta da escola de metrô sozinha.

Você é mãe da Helena, de 10 anos. Isso te ajudou a explicar melhor a pré-adolescência?

Sim! Comecei a escrever esse livro muito por conta dela! Porque quando ela fez 8 anos, eu passei a me sentir meio no limbo. E fui pesquisar, muito por causa dessa curiosidade de mãe de pré-adolescente. Aí, comecei a fazer o Instagram, que depois virou a coluna no site do jornal O Globo (a ‘Mãe de Tween’), que virou o livro.

Você acha que os pré-adolescentes de hoje vivem desafios diferentes dos da geração anterior?

Os medos, as dúvidas, isso não muda. Questões como ‘essa espinha vai desaparecer?’, ‘vou parar de crescer?’... Isso não muda. Acontecia na nossa geração e acontece na deles. A grande diferença é que hoje a gente tem a vida digital. As gerações Z e Alfa, que são as crianças nascidas a partir de 2000, são de nativos digitais, da geração touch. Os pais precisam prestar mais atenção nisso. Porque a gente faz educação financeira, faz a educação sexual, a educação ambiental... E agora a gente precisa fazer a educação digital. Isso sim é uma novidade. Não só na pré-adolescência, mas com os pequenos também.

Como fazer essa educação digital?

Na primeira infância, isso é muito menor, porque eles vão assistir ao que a gente deixar. Mas na pré-adolescência eles já começam a pedir para entrar no canal do youtuber tal, para ter a rede social ‘y’... Aí, os pais devem ensiná-los a se comportar no mundo digital. Pode entrar no Youtube, mas comigo. Eu vou dizer qual série que pode, qual não pode e por que não pode. Isso dá trabalho! Vai ter rede social? Se a família autorizou, tem que ter a senha, saber o que está postando, o que está recebendo.

Legalmente, as crianças nem podem ter perfil em rede social...

Elas não podem. Só é permitido a partir dos 13 anos. Mas muitas mais novas têm, com aval dos pais. Só que os pais têm que ter a senha. É só combinar, deixar as regras bem claras! Se quiser é assim. Se não quiser, não tem rede social. Na adolescência, não. O adolescente tem direito à privacidade e não vai querer compartilhar a senha. Na pré-adolescência, eles não precisam ter essa privacidade, e eles não vão fazer tanta cara feia se você tiver a senha. Eles ainda não têm maturidade cerebral para ficar sozinhos nesse mundo digital, que é muito maior do que o mundo real. Às vezes a mãe tem medo que o filho vá até a padaria sozinho, mas não tem medo de deixá-lo jogar Fortnite e falar com outra pessoa do outro lado do mundo.

Os perigos são reais...

Sim! A gente tem no Brasil uma das maiores redes de pedofilia do mundo! E os próprios pré-adolescentes e adolescentes alimentam essa rede sem querer. Por exemplo, essa é uma fase em que as meninas fazem muitas festas do pijama. E aí, é normal estarem de camisola, sentarem de perna mais aberta, e alguém tira uma foto e posta na sua rede social. Essa foto pode ser printada e ir para o mundo!

E ao mesmo tempo em que há todos esses perigos do mundo digital, os pais de hoje ainda se angustiam com questões como deixar ou não o filho pré-adolescente ir à padaria sozinho.

Os pais estão até com um pouco mais de medo por conta da violência que a gente vive nas grandes cidades. Então, acho que esse medo até aumentou. Mas a orientação continua a mesma. Se achar que seu filho já tem maturidade para isso, o ideal é fazer as primeiras idas com ele, mostrar quais são os riscos, explicar como ele pode se comportar se algo acontecer... Dar os elementos para ele poder se defender. Se é uma criança que conversa com todo mundo, explicar que ela não pode falar com estranhos. Se decidiu que o filho já pode ir sozinho, aí tem que confiar mesmo, porque ele precisa ganhar autonomia nessa fase.

O que mais é importante fazer para ajudar o pré-adolescente?

Brinco que é uma fase deliciosa e desafiadora! Você vê aquela pessoinha ganhando independência, tendo gostos próprios, escolhendo os amigos, os passeios. Mas, por outro lado, tem todos esses desafios. Tem as angústias que eles vivem, a questão da autoestima... Porque é a fase em que eles começam a se comparar: ‘ah, não sou tão bom nisso ou naquilo’. Às vezes, só uma conversa já acalma o coração deles. Igual o menino que é filho único, não tem irmãos nem primos mais velhos, e ficou desesperado achando que iria ter espinhas da cabeça aos pés e que isso nunca mais iria passar. É só contar que isso vai passar e acontece com todo mundo, já consegue fazê-lo entender que é só uma fase.

Muita gente acha que é mais estressante ser pai e mãe de adolescente. Mas parece que não é, né?

Tem uma pesquisa que mostra que as mães de pré-adolescentes estão mais estressadas que as mães de recém-nascidos. Tem uma série de fatores, mas tem três principais. O primeiro fator é que as mães de pré-adolescentes se sentem mais sozinhas do que as de recém-nascidos, que se encontram na pracinha, trocam mais... Na pré-adolescência, elas deixam o filho na porta do colégio, na porta da festinha. Não têm tanto contato com outras mães mais, não ficam sabendo que a mesma coisa está acontecendo na casa de fulano ou sicrano. Ela se sentem mais confortadas quando têm essa troca de informação. O segundo fator é que geralmente as mães de pré-adolescentes estão começando a entrar na menopausa. Então, tem a questão hormonal delas também! E isso acaba gerando estresse, elas ficam mais impacientes. E o terceiro motivo é que as mães não sentem mais aquele conforto que dá com os primeiros anos, de quando o bebê começa a andar, a falar... Isso libera ocitocina. Na pré-adolescência não tem essa parte fofa! Muito pelo contrário. A minha filha, por exemplo, me achava sempre linda, mesmo descabelada. E outro dia, quando troquei de óculos, ela falou ‘Nossa! Jura que você vai sair com esse óculos??’ (risos). Para algumas mães é muito sofrido perder esse papel da principal referência do filho ou da filha, sendo colocada de escanteio, não ter mais aquele chamego todo.

E qual conselho você dá a essas mães?

Respirar fundo (risos). A primeira coisa, na verdade, é se conectar com outras mães. Quando você sabe que não é só com você, você se sente mais confiante. E é o momento de também repensar seu próprio dia a dia. Porque se na primeira infância você ficou muito por conta da criança e deixou de lado algumas prioridades, então pode aproveitar que ela ganha mais autonomia para retomar isso, fazer um curso, encarar outros desafios. Entender que a gente cria os filhos para o mundo, de fato.

Até para quem é mãe de menina, principalmente, poder mostrar que tem desejos e interesses próprios...

Superimportante! Não só para quem tem menina! As mães de meninos também têm esse desafio. As meninas já estão empoderadas. As mães de meninos têm que ter esse cuidado, de pensar em como estão criando os filhos, para que sejam menos machistas, que de fato respeitem os desejos das mulheres, desde o consentimento no namoro, nas relações, até que encontrem seu papel de homem, depois de pai.

Nessa fase, muitas crianças começam a ter curiosidade sobre beijo, sobre sexo... Como conversar sobre esses assuntos com elas?

O pré-adolescente não namora nunca, mas ele começa a se interessar pelo assunto. Aí, começam a surgir as primeiras paqueras. No Brasil, a idade do primeiro selinho, a média é de 11 anos. Mas alguns acabam beijando não porque querem, mas porque sofrem a pressão do grupo. Aí, a gente precisa empoderar nossas crianças para que elas sejam fortes para dizer o ‘não, ainda não quero’ e também aceitar o ‘não’. A gente tem que falar muito de consentimento com essa geração. A gente não tinha essa conversa com nossos pais. E temos que ensinar às crianças a lidar com as frustrações, em todas as esferas. Porque quando a gente analisa esses casos de feminicídio, é de uma menina que quis terminar o namoro. Então, o outro aí não soube lidar com a frustração, desde o brinquedo que quebrou até quando ouviu o ‘não’ de uma namorada.

Isso é muito importante numa geração de crianças e adolescentes com problemas emocionais graves, como ansiedade, depressão, transtornos alimentares...

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Um dos capítulos do meu livro é sobre ansiedade e depressão, problemas que têm aumentado muito na adolescência. A gente precisa tomar cuidado. Porque as crianças de hoje nasceram numa sociedade ansiogênica. Elas não precisam esperar por nada! Para esquentar a comida tem o micro-ondas, para tirar foto, usa o celular. Elas não conseguem esperar um intervalo comercial quando estão assistindo a uma série! A gente precisa ensiná-los a lidar com a espera, para conter a ansiedade deles. Depois, mais tarde, quando ela mandar mensagem para o namorado, se ele não responder logo ela já vai se desesperar, achar que ele não gosta dela. Já a depressão, a gente sabe que ela está aumentando no mundo por uma série de motivos. Essa geração nasceu num mundo em crise, eles veem os pais perdendo empregos. Mas a depressão vem um pouco também por conta da vida digital. Porque quando as crianças olham os perfis no Instagram e os canais no Youtube, ninguém posta lá que ficou de castigo, que foi mal na prova, que brigou com o irmão. Todo mundo só posta coisa boa. A gente sabe que a vida não é assim. Mas para os pré-adolescentes isso não é tão óbvio. A gente precisa mostrar que essa vida cor de rosa na vida real não é tão cor de rosa assim. Temos que propor desafios. Uma criança que está muito acomodada, saber o que a faz vibrar, que faz os olhos dela brilharem, e não dar de bandeja, mas fazê-la encarar um desafio.

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