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Saúde mental: manter a cabeça em ordem pode salvar seu coração

Saúde mental: manter a cabeça em ordem pode salvar seu coração

Veja como controlar as emoções pode reduzir o risco de várias doenças cardíacas

Publicado em 16 de setembro de 2019 às 13:58

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Fernando Modenesi Machado faz aulas de ioga com a professora Mariana Peixoto: estresse sob controle, coração tranquilo. (Vitor Jubini)

Alguns inimigos do coração já são velhos conhecidos da maioria das pessoas: o sedentarismo, o cigarro, a gordura. Mas quem quer viver sem nunca precisar de uma ponte de safena vai ter que se preparar para enfrentar outro adversário difícil: o estresse.

Não à toa, a saúde mental vem ganhando uma atenção especial entre os temas discutidos nos congressos médicos. Essa relação mais estreita entre as emoções e o bom funcionamento do coração só ficou mais evidente nos últimos anos.

Assuntos que não apareciam no consultório do cardiologista José Aid Sad quando ele começou a exercer a medicina, 35 anos atrás.

“Naquela época, a gente tratava dos fatores de risco tradicionais. Os pacientes com doenças cardiovasculares tinham mais de 50 anos. Eles fumavam mais e bebiam tanto quanto hoje em dia, mas infartavam com 60, 70 anos de idade. O que tem chamado a atenção são pessoas mais jovens, abaixo dos 50 anos, com a doença já instalada e com poucos fatores de risco. Muitas não fumam, se exercitam regularmente, não têm pressão alta, mas chegam ao hospital por causa de um infarto. Quando vamos analisar, elas estão com saúde mental alterada”, descreve o médico.

Pressão alta, colesterol irregular, diabetes, obesidade, tudo isso pode ser diagnosticado facilmente. Mas como saber exatamente se a origem de um problema no coração está, na verdade, na cabeça? Como medir o estresse do paciente? Como saber se ele infartou por causa de um quadro de depressão ou ansiedade?

“O cardiologista ou o clínico têm que estar preocupado com isso hoje em dia. Tem que dar abertura para o paciente falar”, comenta José Aid.

Pesquisa

Ele cita uma pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa), que vem acompanhando um grupo de pessoas ao longo de mais de dez anos e que está em fase de conclusão. “Uma das coisas que já sabemos por esse estudo é que depressão é duas ou três vezes maior nos pacientes que tiveram problemas cardiovasculares graves, como infarto, AVC em comparação com aqueles que tiveram problemas mais leves.”

As doenças de fundo emocional, como estresse, ansiedade e depressão afetam o organismo como um todo. E o coração não fica de fora, segundo o cardiologista.

“Já está comprovado que os hormônios de alerta, que são benéficos em certa medida, como o cortisol, a adrenalina, a noradrenalina, quando são produzidos de forma inadequada e constante, passam a ser maléficos. Eles podem causar inflamação de artérias, aumentando quadro de aterosclerose, ou ainda aumentar o nível de colesterol ruim e baixar o de colesterol bom.”

Assim, para garantir o bom funcionando do coração de seus pacientes, os médicos estão incentivando tratamentos para consertar o lado emocional deles.

Ioga

No último Congresso Mundial de Cardiologia, que aconteceu no início deste mês em Paris, na França, simultaneamente com o congresso europeu de cardiologia, mais de 33 mil especialistas se debruçaram sobre temas relacionados à saúde mental e fizeram mesas redondas sobre ioga e sono.

O cardiologista da Beneficência Portuguesa, em São Paulo, Marcelo Nishiyama, esteve no evento. “Lá foi apresentado um estudo feito numa população indiana com pacientes que tiveram infarto e haviam se submetido à angioplastia. Eles foram divididos entre os que fizeram ioga e exercícios respiratórios e os que não fizeram nada. A mortalidade no grupo da ioga foi menor”, citou.

O efeito benéfico da ioga para o coração, diz Nishiyama, já foi muito bem fundamentado. “Esse tipo de atividade diminui a parte inflamatória nas artérias, melhora função endotelial das coronárias, ou seja, os vasos passam a ter uma capacidade de dilatação maior, além de haver uma diminuição na sobrecarga de pressão nas coronárias e no pulmão”.

O sono, outro hábito importante que é afetado diretamente em pessoas com transtornos emocionais, foi outro destaque no congresso, segundo Nishiyama. “Uma das pesquisas apresentadas, feita na Rússia, mostrou que pessoas que roncavam tiveram maior mortalidade por doença cardíaca. Um outro, conduzido na Alemanha, relacionou a má qualidade do sono com a hipertensão.”

A questão, portanto, vai além de tratar apenas o coração. “Diante de um paciente com estresse, ansiedade ou depressão, a gente vai encaminhar para a terapia, para o psiquiatra. Vai indicar ioga, meditação, para atividades mais lúdicas, como a dança”, afirma José Aid.

A fé também tem um papel quando o assunto é coração. É a ciência que diz. “No último congresso de cardiologia de São Paulo, falou-se da relação entre a espiritualidade e as doenças cardiovasculares. Uma das pesquisas mostrou que pacientes submetidos à cirurgia cardíaca que tinham uma espiritualidade mais desenvolvida tiveram uma evolução pós-cirúrgica muito melhor”, aponta ele.

Ou seja, não é só remédio para colesterol, atividade física. Estimular o lado espiritual, contemplativo, cultural, faz com as pessoas sejam mais saudáveis, não só do ponto de vista cardiológico. Isso reforça imunidade, elas ficam menos doentes”, destaca o cardiologista.

"Minha pressão nunca mais subiu"

Não foram só os cabelos ruivos que o diretor de marketing Fernando Modenesi Machado, 35 anos, herdou da família. A pressão alta também o acompanha desde novo. “Quando descobri, tinha 23 anos”, revela ele.

Temendo que esse problema se agravasse, Fernando buscou tratamento, que não se resume apenas a remédios. Foi na ioga que ele encontrou uma forma de manter o coração trabalhando direitinho.

“Procurei a ioga, na verdade, porque tinha uma hérnia e precisava tratar. Mas no decorrer da prática, descobri que havia outros benefícios relevantes, como o controle da pressão arterial. Claro que uso medicação. Mas diminuí a dosagem do medicamento depois que comecei a fazer ioga, há seis anos. Minha pressão nunca mais subiu”, conta o publicitário.

São duas aulas por semana. Se pudesse, ele até aumentaria essa dose, sem medo. “Cheguei a fazer ioga todos os dias. Isso quando eu tinha mais tempo. Mas mesmo quando não vou para a aula, faço em casa e até quando viajo”, diz Fernando.

Combinação

Mariana Peixoto, a professora, confirma que a prática da ioga está associada a uma redução de fatores de risco cardíaco, como pressão arterial elevada. “A combinação de exercícios respiratórios ajuda a controlar a frequência cardíaca. As posturas atuam na oxigenação do corpo. O relaxamento e a meditação reduzem o estresse mental, físico e vascular. Por ter efeitos calmantes sobre o sistema nervoso, ela ajuda a baixar a pressão arterial e a frequência cardíaca”, explica.

Fernando só sabe que se sente bem com a atividade. “Acho que a ansiedade diminui, tem um controle emocional. Não fico sem, senão estresso. Quem me conhece diz que está mais fácil conviver comigo.”

Quem tem problemas cardíacos, segundo Mariana, precisa apenas de uma aula mais direcionada. “É uma prática mais suave, menos vigorosa, Visando mais os exercícios respiratórios, alongamentos, relaxamento e meditação.”

CORAÇÃO E CÉREBRO - O QUE DIZ A CIÊNCIA

Estresse que abala

 

Cientistas da Escola Médica de Harvard conseguiram achar elementos que de fato ligam o estresse às doenças cardíacas. A causa, segundo o estudo, seria a produção excessiva de células brancas (leucócitos), estimulada por altas cargas emocionais, que bloqueariam as artérias e outras partes do sistema cardiovascular, impedindo a circulação regular do sangue, causando os problemas relacionados ao coração. De acordo com os cientistas, o estresse ativaria as células-tronco da medula óssea, que por sua vez gerariam em excesso as células brancas.

Sono em dia, coração forte

Um estudo alemão que acompanhou 3,5 mil pessoas durante 15 anos constatou que o sono de má qualidade aumenta o risco de hipertensão arterial, problema que pode causar acidente vascular encefálico (AVE) e infarto, por exemplo.

Depressão

Resultados preliminares do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa) – desenvolvido pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e outras cinco instituições de ensino no país –, que vem acompanhando um grupo de pessoas ao longo de mais de dez anos, constataram que a depressão é duas ou três vezes maior nos pacientes que tiveram problemas cardiovasculares graves, como infarto, AVC em comparação com aqueles que tiveram problemas mais leves.

Santa soneca

Uma pesquisa feita na Universidade da Califórnia com 3,4 mil pessoas apontou que os cochilos de cinco minutos a uma hora, uma ou duas vezes por semana, podem reduzir em até 48% o risco de doenças cardiovasculares.

Ioga faz bem

Um estudo foi realizado na Índia com um grupo de pessoas que tiveram infarto e haviam se submetido à angioplastia. Eles foram divididos entre os que fizeram ioga e exercícios respiratórios e os que não fizeram nada. O estudo comprovou que essa prática, voltada aos movimentos respiratórios, treino, concentração e busca do equilíbrio, auxilia na recuperação de um evento cardiovascular, especialmente de pacientes que já infartaram. Por um ano, pacientes que tiveram infartos graves receberam acompanhamento multidisciplinar. Além da reabilitação cardiovascular normal, incluiu-se terapia com ioga e os resultados foram extremamente positivos para trazer de volta a qualidade de vida.

Fé que cura

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Uma pesquisa apresentada no último congresso de cardiologia de São Paulo, em 2018, mostrou a relação entre a espiritualidade e as doenças cardiovasculares. Pacientes submetidos à cirurgia cardíaca que tinham uma espiritualidade mais desenvolvida tiveram uma evolução pós-cirúrgica muito melhor e se recuperaram de forma mais rápida.

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